Diário do Alentejo

“Respeitar as uvas, as tradições, reduzir a intervenção química”

02 de março 2024 - 14:00
Gestora de Cortes de Cima, em Vidigueira, galardoada com prémio internacional
Foto | D.R.Foto | D.R.

Anna Jørgensen, 30 anos, natural de Vidigueira

 

É a segunda filha de um casal dinamarquês/americano que, nos anos Oitenta, se apaixonou pelo Alentejo, onde plantou vinhas e criou a sua família, numa quinta no sopé da serra do Mendro. Anna viveu em Vidigueira até completar o ensino secundário. Na Austrália, estudou Enologia e Viticultura na Universidade de Adelaide, passando, depois, pela Nova Zelândia, França e Estados Unidos da América, na continuidade da sua formação. Em 2019, regressa a Cortes de Cima, assumindo os destinos da herdade, na enologia e gestão. 

 

Anna Jørgensen, gestora de Cortes de Cima, foi eleita pelo think tank [instituições que se dedicam a produzir e a difundir conhecimento] Friends of Europe, com sede em Bruxelas, para a lista dos 40 European Young Leaders com menos de 40 anos.

 

O que reflete esta distinção?

Foi uma surpresa. Mas fiquei muito contente. Temos feito escolhas corajosas, que nem sempre são compreendidas. Este prémio é o reconhecimento que estamos no caminho certo.

 

Cortes de Cima transitou da mono para a policultura e reduziu a área de vinha, de 240 para 99 hectares. Menos significa melhor?

A área de vinha foi reduzida porque queremos os melhores solos para as vinhas e um ecossistema em equilíbrio. Queremos um solo vivo, que seja a melhor opção para a casta certa, onde a planta consegue resistir, crescer e nutrir-se. Esta redução de área de cultivo é necessária e urgente, para todos. São menos uvas, sim, e são melhores.

 

Guia-se pelos princípios da agricultura biodinâmica, recuperando as tradições, preservando a diversidade genética. Pretende ser uma inspiração para outros gestores agrícolas na região?

Daqui a 20 anos queremos ainda cá estar a fazer vinho. Para isso, precisamos de mudar. O que não é fácil, mas é possível. É o que nos motiva, também – ser uma inspiração para outros, pelo Alentejo onde cresci.

 

Como olha para o novo paradigma de agricultura intensiva e superintensiva de monoculturas no território?

Com muita apreensão. Destroem-se olivais centenários, um património genético único, para dar lugar a culturas superintensivas. Temos o Alentejo cada vez mais seco e quente e vemos fazer tão pouco para reverter isso. Em Cortes de Cima, estamos a criar um pulmão verde. Salvámos e transplantámos 2000 oliveiras centenárias, que foram arrancadas de uma propriedade vizinha. Agora estão connosco e esperamos que sejam uma inspiração para todos.

 

Tendo um conhecimento alargado sobre a produção de vinhos, como classifica o potencial vinícola de Vidigueira?

A região de Vidigueira tem um imenso potencial, se pensarmos que já há 2000 anos este era um local de produção de vinhos. A distinção das regiões de vinhos ocorre devido a uma combinação de características que se refletem nos vinhos, aquilo a que chamamos terroir. Quanto mais conseguirmos expressar a pureza das nossas uvas nos vinhos, maior identidade iremos dar à nossa região, maior será o seu reconhecimento internacional.

 

Considera que a região pode vir a ombrear com as regiões produtoras de vinho mais conhecidas no mundo?

Respeitar as uvas, as tradições, reduzir a intervenção química, mecânica e técnicas de vinificação mais conscientes resultará em vinhos únicos, que são nossos, que expressam a Vidigueira. Num mundo cada vez mais globalizado, a valorização e a recuperação do património genético poderá ser a forma de valorizar a região, para nós e, sobretudo, para as próximas gerações. Estamos a fazer esse caminho e não o queremos fazer sozinhos.

 

Texto | José Serrano

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