Diário do Alentejo

“Este é um território habitável, não apenas visitável”

24 de fevereiro 2024 - 16:00

Abílio Amiguinho

68 anos, natural de Santa Eulália (Elvas)

 

É licenciado em Sociologia e doutor em Ciências da Educação. É professor coordenador, aposentado, da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Instituto Politécnico de Portalegre, onde trabalhou, de 1986 a 2021. É autor dos livros Viver a Formação Construir a Mudança e A Escola e o Futuro do Mundo Rural. Pertence aos corpos sociais do Instituto das Comunidades Educativas e da Cooperativa Operária Portalegrense, onde integra projetos de intervenção de envelhecimento na comunidade.

 

A Casa do Alentejo, em Lisboa, foi palco, no passado dia 10, da apresentação do livro Ai, Alentejo… Memórias Rurais, da autoria de Abílio Amiguinho.

 

Como nos apresenta este seu livro?

É um livro que, através das memórias pessoais, pretende fazer luz sobre o nosso património coletivo e as raízes identitárias. Sobre as relações sociais nos campos, modos de vida e comportamentos neste território, particularmente, num tempo, que vivi como trabalhador rural e estudante, em que agricultura e mundo rural se começaram a dissociar.

 

Estas suas memórias encontram-se totalmente diluídas no tempo?

Talvez algo diluídas, mas bem presentes nos nossos modos se ser e estar. Formam um palimpsesto de camadas várias por aquilo que vivemos, que nos identifica como alentejanos em qualquer parte do mundo. Continuamos resilientes porque soubemos resistir às dificuldades. Fosse no tempo mais longo das crises de trabalho, fosse naquele que mais retrato com o fim da lavoura ancestral e a débil mecanização, coexistindo com a fuga migrante, sempre à procura de uma vida melhor ou menos má. Admiramos a nossa paisagem e o nosso território, as azinheiras e os sobreiros, as giestas, os sisões e as abetardas. Somos o que somos pelo quadro socioantropológico em que nascemos e vivemos, mas também pela natureza, o sol ardente, as geadas e os temporais, que só os mais sérios interrompiam o trabalho. Até clamávamos para que as trovoadas não faltassem, trazendo a humidade, para que as melancias se criassem como sempre desejavam os seareiros desta arte, na minha aldeia, que assim homenageio.

 

Este seu livro abrange cerca de duas décadas, os anos antes do 25 de Abril e logo após. Qual a principal transformação que se verificou no Alentejo, neste período?

A principal transformação diz respeito à dissociação entre agricultura e mundo rural. A agricultura deixou de conferir unidade ao mundo rural. Há aldeias que passaram a subúrbios das cidades. Mas o pior foi ter ficado exaurido nos seus efetivos demográficos. A minha aldeia perdeu 50 por cento da população, de 1960 a 1970. Mas eu, que não gosto de me lamuriar, continuo a pensar, convictamente, que este é um território habitável, não apenas visitável, já chamando alguns, quando ainda perde outros.

 

Como olha hoje para a região? Considera que ainda estamos perante um “Alentejo esquecido”?

Esqueceram-se de nós, mas nós estamos cá e vamos fazendo por nos verem. Porque o cante e os chocalhos são património da humanidade, porque temos recursos que nos tornam apelativos, da paisagem à gastronomia. Mas, sobretudo, pelo principal património – que são as pessoas. As autarquias locais dão o seu contributo, que poderia ser maior e mais eficaz. Este esforço para que nos vejam, aqui e por todo o território, há de ter visibilidade, por mais ou menos deputados que nos representem.

Texto | José Serrano

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