Texto Aníbal Fernandes
No primeiro dia de fevereiro de 1974 o “Diário do Alentejo” (“DA”), em editorial, destaca um problema que, já então, vinha de longe e a que chamava “diferenciações absurdas”: “‘Ministérios ricos’, que pagam melhor aos seus servidores, e ‘Ministérios pobres’ que, claro, pagam pior”.
Atualmente, não parece ser um caso arrumado, apesar de ser o Ministério das Finanças que – no que diz respeito a despesas do Estado – tudo supervisiona, mas, na altura, denunciava-se o “tratamento desigual que o Estado impõe a certas classes dos seus funcionários, não lhes assegurando vencimentos iguais aos que estipula para outros serviços equivalentes”.
No caso, em concreto, falava-se da Educação, “de há longos anos, como o mais pobre, no que se refere ao pessoal docente”, o que era visto como motivo para “essa gravíssima crise de falta de professores, em todos os graus de ensino, dificuldade maior que mais afecta a campanha de educação nacional que se tenta agora, após algumas dezenas de anos de absoluto estiolamento”.
É caso para dizer que por mais que se tenha andado, ainda muito falta caminhar…
Os professores, tal como agora, não eram caso único. O “DA” dava voz, na mesma semana, aos profissionais de escritório e aos trabalhadores rurais: “Milhares de trabalhadores e suas famílias esperam (desesperam) há dois anos justa e legal revisão dos seus ordenados, enquanto o Ministério das Corporações e Segurança Social se vê e deseja por imaginar mais voltas que ‘justifiquem’ o protelar indefinido (e injustificável!) da revisão dos ordenados mínimos dos profissionais de escritório”.
Sobre os trabalhadores do campo, noticiava-se que na Corporação da Lavoura tinha decorrido “a primeira de uma série de reuniões em que serão estudados os termos do contrato colectivo de trabalho para rurais – convenção absolutamente justa, como o ‘Diário do Alentejo’ em vários ensejos tem comentado e que (para já) peca por tardia”.
De assinalar que, a 5 de fevereiro de 1974, a “Nota do Dia” não foi publicada. No dia seguinte, na primeira página, em destaque, a explicação para esse imprevisto: “Por motivos alheios à nossa vontade, tivemos que retirar ontem da página o comentário [“Nota do Dia”] que diariamente temos vindo a publicar nesta secção”.
A justificação surgia no espaço habitual de forma enigmática: “A condição de independente que o ‘Diário do Alentejo’ inscreve junto ao seu título não é mera fórmula de pretensiosa apresentação.
Ao invés, tem, para todos os que trabalhamos neste jornal, o significado de uma norma axiomática que impomos rigorosamente a nós próprios. Em todas as circunstâncias, mesmo perante certas imposições que de quando em vez nos surgem, de forma mais ou menos encapotada mas sempre a revelarem os seus pertinazes propósitos que, longe de visarem o interesse público, mais não pretendem do que assegurar a manutenção de atitudes pessoais ou de certas conveniências políticas que à comunidade nada servem, antes pelo contrário muito a afectam”.
Na edição de quinta-feira, dia 7, transcrevia-se uma notícia do “Jornal do Algarve” sobre uma reportagem de José Moedas – jornalista da casa e pai do atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.
Nela se explicava que “foi em separata do ‘Diário do Alentejo’ que José Moedas sintetizou a visita feita a Angola integrado num grupo de representantes da imprensa regional. A abrir o texto – intitulado ‘Valentim, uma saudade de Angola’, – a seguinte explicação: ‘Por não ter sido autorizada a divulgação da série de crónicas, este recado (mais ou menos lírico) para uns olhos negros da África Negra que trouxe nos olhos’. Quer dizer: José Moedas – um dos convidados do Governo – viu o que lhe foi mostrado e teve de remeter-se a um resumo, e em separata. Outros viram o mesmo e publicaram. Há olhos e olhos e o silêncio de uns marca o incómodo contraste entre o panegírio e a crítica”.
Eduardo Olímpio, poeta e prosador alentejano, de Alvalade do Sado, hoje com 91 anos, escrevia, então, um “postal”: “Gelam-se-me os ossos, neste princípio de ano novo. O frio entra-me pela garganta, pelas mãos, pelas esferas armilares dos joelhos. É um frio-pavor. Um frio medo da noite que chega como um final absurdo, de nada, alcance adiado”.
Faltam 75 dias para o 25 de Abril