Diário do Alentejo

Pela voz de Mafalda Vasques

28 de janeiro 2024 - 08:00
Cantora de 27 anos alcançou quarto lugar no programa “The Voice”, na “RTP1”
Foto | D.R.Foto | D.R.

Foi entre Beja, o hospital dos Capuchos, em Lisboa, e os estúdios da “RTP1”, que Mafalda Vasques dividiu o seu tempo nos últimos meses. De forma “despistada” foi inscrita no programa televisivo e de prova em prova chegou à final. Hoje espera para ver o que é que esta experiência lhe trará para a sua carreira musical.

 

Texto | Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Versátil, humilde e simples. É assim que Mafalda Vasques, de forma espontânea, se vai descrevendo ao “Diário do Alentejo” (“DA”). O contacto com o mundo da música começou logo após a escola primária, com oito anos, no Coro Juvenil do Carmo, em Beja, tendo o gosto pelo fado chegado à sua vida quatro anos mais tarde, na sequência do aniversário do seu avô João. Depois passou pelo Coro do Carmo de Beja e pelo Conservatório Regional do Baixo Alentejo.

A música e o Alentejo trazem-lhe calma, cor e tempo. É entre a “agitação” e a “confusão” que se encontra e que consegue “estar e ser” em qualquer uma das suas versões. Talvez por esta sua particularidade de ter “dificuldade de encontrar sossego no sossego ou sossego no silêncio”, a oportunidade de participar num programa de televisão dedicado à música, o “The Voice”, na “RTP1”, chegou sem ela esperar.

“Acredito muito que as coisas quando têm de ser nossas vêm até nós. Poderá não ser no tempo ou na altura que nós, se calhar, idealizávamos, mas isso até dá mais sabor, porque são coisas mais inesperadas. [Por isso] acabei por não ser eu a tomar esta decisão da inscrição”, começa por contar ao “DA”.

Por se assumir “despistada”, diz não ter sido difícil que os “culpados”, amigos e colegas de trabalho, tivessem acesso aos seus dados pessoais e, assim, quando se apercebeu tinha “um email a dizer que tinha sido selecionada/convidada para ir a um casting”. “Não respondi logo, só respondi passado um mês e qualquer coisa. Li e pensei que não me fazia sentido na altura estar num programa de televisão, fazia-me sentido por toda a visibilidade que ia ter, mas havia aquele receio de, por exemplo, não chegar às provas cegas ou de nem passar delas. Não que isso fosse significativo de não ser tão boa, mas acaba sempre por afetar o psicológico da pessoa e deixa-nos um bocado mais tristes ou até mesmo frustrados”, relembra.No “final de maio”, sem saber “explicar o porquê”, voltou a abrir o email e avançou. No dia seguinte, último dia de casting, passou “logo à primeira”. “Foram uns meses duros, porque nunca deixei de trabalhar no hospital. Portanto, tinha de conseguir conciliar as duas coisas, mas eu acho que quando nós queremos muito uma coisa, quando acreditamos muito no nosso sonho e [sabemos] que ele também precisa daquilo, agarramo-nos”, refere a também enfermeira a trabalhar no Hospital Santo António dos Capuchos, em Lisboa. Ao longo dos últimos meses, e após ter passado nas provas cegas com duas cadeiras voltadas pelos mentores Sara Correia e António Zambujo, foi na equipa da fadista que seguiu o seu caminho pelo programa. A experiência “gratificante” permitiu reinventar-se, aprender e confirmar que quer “fazer vida da música”.“Foi uma experiência completamente diferente de todas aquelas que tinha tido. Foi bom e foi uma escola de aprendizagens. Acho que temos sempre alguma coisa a aprender, principalmente, quando já cantamos músicas que já cantávamos antigamente. [Por exemplo], existir uma pessoa que nos ouve pela primeira vez a cantar algo que nós já cantávamos há algum tempo é muito enriquecer, porque há sempre qualquer coisa de diferente que essa pessoa acrescentaria ou retiraria”, revela.Mafalda Vasques recorda um episódio em específico. “Aconteceu com o back vocal [coro] dizer-me: ‘Estás a cantar muito bem essa música, mas tu tens um trejeito na voz que é teu e então acho que o devias colocar, porque é teu’. Acho que isso é bonito, porque é uma pessoa que não nos conhece assim tão bem, mas que já conhece a nossa identidade e já sabe onde é que ela encaixa bem na música”. No passado dia 7, apresentou-se em palco para disputar a final do concurso, tendo alcançado o quarto lugar. Apesar de não ter entrado no pódio e, consequentemente, não ter vencido a temporada de 2023, garante ser possível retirar “vantagens” desta sua posição.“Acho que é vantajoso no sentido em que nós, neste caso em concreto, [quem vencesse o programa] estaria sempre ligado a uma editora e o vantajoso de não ter ficado em primeiro lugar é o facto de não ficar dependente dessa mesma editora e dar-me a possibilidade de escolher mais do que uma ou aquela com que eu gostaria de trabalhar, se aparecer esse contacto”. E acrescenta: “Se me aparecer, se me fizer sentido, acho que é bom abraçarmos e irmos, mas sempre com os pés assentes na terra de que pode não correr nada bem e podemos ficar exatamente no lugar onde estávamos”.

“Adoraria perceber onde é que sou feliz” Visivelmente orgulhosa do seu percurso, diz ao “DA” não se sentir, nem querer ser, uma “vedeta”, porém, admite que o facto de ser reconhecida no hospital, no supermercado ou nas ruas da capital, é uma recompensa pelo seu esforço que a deixa muito satisfeita. “Por exemplo, há pouco tempo estive a passar o fim de semana em Fátima e em Tomar e numa pastelaria houve uma senhora que não me perguntou nada, simplesmente disse-me: ‘Eu votei muito em si, fiquei muito contente que tivesse chegado à final’. E é aí que percebo que estou num sítio onde ninguém me conhece, numa pastelaria cheia de pessoas, e há uma senhora que me reconhece e, como é lógico, é muito gratificante”, indica.Desta experiência, a “vontade” e o “desejo”, que diz ser transversal a todos os concorrentes, é “ter alguém que aposte em nós, ou seja, alguma editora/agência, e que nos leve um bocadinho a percorrer este sonho de mostrar as minhas músicas e do ficar conhecida como a Mafalda”. “Sendo eu também enfermeira, que é a minha profissão principal, o que eu gostaria era que houvesse alguém que apostasse e me desse a oportunidade de fazer talvez uma pausa ou tornar a enfermagem, durante um tempo, um part-time e [fazer] música a tempo inteiro”, explica. E acrescenta: “Adoraria perceber onde é que sou feliz, porque agora, se calhar, só trocaria aqui a percentagem de tempo que me dedico a elas, invertia”.Quanto à sua carreira musical, espera não ficar rotulada a qualquer estilo de música e que o público a conheça como “a Mafalda Vasques que canta, pode cantar fado, cante ou lírico, mas é a Mafalda cantora”. “É nesse aspeto que gostaria de singrar na música, ou seja, se fossemos à FNAC [cadeia de lojas que vende produtos eletrónicos e culturais] que não existisse propriamente uma prateleira para mim e que fosse difícil encontrar-me por ser tão versátil”, diz.Atualmente, ambiciona lançar um EP (formato com menos faixas) ou um disco que, aliás, já está “todo feito”, contudo, “como entretanto passou algum tempo”, já não está “completamente como gostaria de o apresentar”. Espera para saber o que é que a participação no programa lhe reserva daqui em diante, mas, por agora, continuará a “cuidar” através da música e da enfermagem.

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