Diário do Alentejo

Acabou o IVA Zero nos produtos essenciais do cabaz alimentar. E agora?

12 de janeiro 2024 - 08:00
Pão, atum e laticínios são os bens em que a subida de preços é mais notória Foto| Ricardo Zambujo

Terminou no passado dia 4 a isenção do IVA em 46 produtos essenciais, tendo o cabaz alimentar aumentado, segundo a DECO Proteste, 7,51 euros. Embora seja ainda muito cedo para aferir as consequências reais deste acréscimo nos orçamentos familiares, comerciantes e consumidores consideram que o mês de janeiro não foi o mais adequado para a sua reintrodução.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

Foto Ricardo Zambujo

 

Segundo a organização de consumidores DECO Proteste, na segunda-feira, dia 8, quatro dias após a reintrodução do IVA (imposto sobre valor acrescentado), o cabaz alimentar “custava 149,48 euros, mais 7,51 euros do que custava a 4 de janeiro, o último dia da isenção deste imposto”, contabilizando uma “subida de 5,29 por cento”, ou seja, “ligeiramente abaixo dos seis por cento de IVA que agora acrescem aos preços de quase todos os produtos”.

A medida, que entrou em vigor em abril de 2023, teve como intuito combater os efeitos da inflação no rendimento das famílias e embora estivesse previsto o seu término para dezembro do mesmo ano o Governo aceitou, a pedido do setor da distribuição, adiar para o início de 2024. Ainda assim, o momento da reintrodução do IVA não está a ser visto com bons olhos por parte de alguns comerciantes e consumidores.

“Acho que a opção correta teria sido, na minha opinião, não vir a coincidir com o início do ano para que isto não se notasse tanto no bolso do consumidor final. Se o voltar do IVA tivesse sido no mês anterior, ou para o mês que vem, teria sido mais suave para quem faz compras. Assim, obviamente, está a notar-se mais e as pessoas estão a queixar-se imenso”. Quem o diz é Fátima Luz, proprietária da mercearia Cheiros do Campo, em Beja, que admite ao “Diário do Alentejo” (“DA”) que o início de 2024 trouxe um duplo aumento ao cabaz alimentar, com a reintrodução do IVA a coincidir com os aumentos “naturais” do começo de ano.

“Os produtos e os bem essenciais tiveram aumentos, portanto, agora notou-se um acréscimo ainda superior porque, para além de voltarmos a ter o IVA a seis por cento, voltámos também a sofrer aumentos. E agora têm-se notado bastante, principalmente, ao nível do pão e dos laticínios, como os queijos frescos”, refere.

Desde o último dia de isenção, tendo em conta os dados mais recentes disponibilizados pela DECO, as maiores subidas registaram-se nos laticínios, em especial no iogurte líquido (mais 0,52 cêntimos), no óleo alimentar (mais 0,31 cêntimos), no atum em posta de azeite (mais 0,19 cêntimos), no pão (mais 0,20 cêntimos) e na pescada fresca (mais 1,03 euros).

“Nota-se muito a subida nos produtos básicos, por exemplo, no pão, iogurtes, leite e ovos [porque] são aqueles que as pessoas compram todos os dias. O pão subiu o IVA e agora, nesta semana, está também a subir o preço do pão, [ou seja] a medida foi levantada e agora estão também a subir o preço das coisas”, afirma a responsável de loja da Quinta do Azinhal, Mariana Vieira. E acrescenta: “Eu tinha aqui, por exemplo, o pão grande a 2,30 euros. Se eu fosse pôr o aumento na percentagem que me pedem, tinha de o colocar a 2,65 euros. Acho um disparate aumentar em mais 0,35 cêntimos um pão [que se compra] todos os dias, acho que não se justifica”.

Este é talvez o produto que, segundo as comerciantes, mais tem afetado o bolso dos consumidores. Na casa de Cátia Cação, onde o consumo do pão é diário, as contas já começaram a ser feitas. “Nós compramos pão todos os dias. Mais 0,20 cêntimos multiplicados pelos 31 dias do mês dá mais 6,20 euros. Isto no final faz toda a diferença. E estou só a dar o exemplo do pão, fora o resto das coisas”, revela ao “DA”.

Por este motivo, é cada vez mais frequente que os comerciantes com pequenos negócios optem por fazer escolhas para “segurar” os clientes. Nélia Brincheiro, proprietária da Mercearia da Mouraria, em Beja, decidiu não colocar à venda no seu estabelecimento óleo e azeite, assim como “não mexer” no preço do pão pequeno, ou seja, implementou a taxa referente aos seis por cento do IVA, mas baixou a sua margem de lucro, mantendo-o a um euro.“Decidi colocar isto tudo como manda a lei, mas não aumentar os preços para ver se consigo ainda vender alguma coisa, porque se não tinha mesmo de fechar portas. Sujeito-me a não aumentar certos preços – outros não consigo porque não tenho hipótese –, para não deixar de vender, porque prefiro que o cliente continue a vir. Não consigo ter uma margem aí, tento pôr margem noutro lado”, realça.

Ainda que o levantamento da medida seja recente, a opinião é unânime: o mês de janeiro não foi a altura ideal para o regresso do IVA aos bens essenciais do cabaz alimentar, principalmente, pela dificuldade que acarreta depois de um mês de festividades.

“Este levantamento podia ter sido feito um bocadinho mais para a frente para nós termos tempo de nos orientarmos ou então de forma faseada com alguns produtos agora e depois outros. Assim não se sentia tanto. No fim de semana, quando fui às compras, vi logo: quando cheguei à caixa notei que paguei mais do que pagava anteriormente. À volta de uns 15 euros a mais”, garante ao “DA” Telma Alexandra, afirmando de seguida que, “em média”, gasta em alimentação, “mais ou menos, 500 euros” mensais.

“Acho que [a reintrodução do imposto] devia ter sido feita faseadamente e numa altura do ano menos difícil, porque no Natal as pessoas gastam sempre mais um bocadinho e depois toda a gente sabe que o janeiro é um mês complicado. É verdade que o nosso ordenado base aumentou, [também com a chegada de 2024], 60 euros, mas neste momento onde é que esse dinheiro já está? Só em bens essenciais vai-se esse dinheiro”, conclui Mariana Vieira. O IVA Zero resultou de um acordo assinado entre o Governo e os setores de produção e distribuição alimentar em março de 2023, e os produtos foram escolhidos tendo em conta o cabaz de alimentação saudável do Ministério da Saúde. A isenção do IVA foi agora “substituída” por um reforço de cinco, 5,65 e seis por cento das prestações sociais para as famílias em situação de maior vulnerabilidade económica.

Comentários