Diário do Alentejo

Coro do Carmo de Beja prepara-se para partir rumo ao 44.º Congresso Internacional de Pueri Cantores, em Roma

25 de dezembro 2023 - 20:00
habemus coroFoto | D.R.

A noite já caiu sobre a cidade. Dos lados da igreja do Carmo de Beja, um coro de vozes em processo de afinação entoa músicas do mundo. Entramos no espaço e, junto ao altar, alinhados com preceitos treinados, encontramos os elementos do Coro Juvenil do Carmo e a sua maestrina, Helena Almeida. Estamos assistindo aos ensaios do grupo. Ali aperfeiçoam-se melodias antigas e preparam-se interpretações novas. São os concertos de Natal que estão na calha, é a presença num programa de televisão e é o momento mais alto da história do coro – o privilégio de ser o único representante de Portugal no 44.º Congresso Internacional de Pueri Cantores, que se vai realizar em Roma, entre o próximo dia 28 e 1 de janeiro de 2024.

 

Texto | Luís Miguel Ricardo

 

Helena Almeida, de 49 anos, natural de Lisboa, mas que desde 1996 ciranda por terras alentejanas, primeiro para estudar Educação Musical, depois para constituir família e desenvolver a sua profissão de professora de música e de educação especial, é a mulher do leme, e é com ela que começa a visita do “Diário do Alentejo” às entranhas deste projeto musical que vai dando cartas aqui e além-fronteiras.

Um projeto, um coro que “foi fundado em 1999 e que surgiu da necessidade que havia de assegurar a música na missa das dez e meia, na paróquia de São João Batista”, começa por recordar a maestrina, partilhando os receios que sentiu aquando do convite do pároco para assumir a responsabilidade maior. Receios acrescidos pelo facto de estar ainda a terminar os estudos e de já trabalhar a tempo inteiro. Porém, já lá vão 24 anos de batuta em riste, a afinar vozes e a dar música à comunidade.

O coro integra “crianças e jovens das catequeses paroquiais de São João Batista e, desde o ano passado, de outras paróquias da cidade e, desde sempre, meninas da Fundação Manuel Gerardo de Sousa e Castro. A idade de ingresso acontece, normalmente, por volta dos oito ou nove anos, prolongando-se até aos 17 ou 18, altura em que vários elementos saem da cidade para prosseguir estudos”, explica Helena, referindo a rotatividade dos elementos, mas referindo, igualmente, o cuidado dos mais velhos na integração dos mais novos, alimentando e consolidando a coesão do grupo.

O reportório que vai entoando no espaço de ensaios é, essencialmente, música sacra, uma vez que, conforme nos elucida a timoneira, “o coro é, primeiramente, litúrgico, ou seja, está ao serviço das celebrações litúrgicas, apresentando-se aos domingos e dias santos na missa com crianças, na igreja do Carmo, assim como os concertos que dá, também acontecem, maioritariamente, em lugares sagrados”.

E é com o reportório escolhido pela maestrina, mas com o aconselhamento dos filhos que também são músicos, que os 31 elementos do coro, com idades, ocupações, perfis e sensibilidades distintas, se vão agregando em torno de uma vontade comum, em torno do gosto pela música coral e, simultaneamente, vão desenvolvendo a sua formação vocal e musical.

Francisco Baião tem 13 anos e há cinco que chegou ao coro, incitado pela irmã mais velha. Para Francisco, estar no coro é aprendizagem, é convívio e é cantar. Um trajeto semelhante ao de Inês Asper, de 16 anos, que chegou há um ano e meio, trazida pela sugestão das amigas. Chegou, experimentou e a partir daí nunca mais largou o coro. “É muito bom. Tenho aprendido e crescido muito ao longo deste tempo, e gosto muito da união que temos. Somos uma família”, partilha a jovem cantora, confessando que a sua maior dificuldade tem a ver com a leitura de algumas partituras.

Outro nome, outra voz, o mesmo vínculo emocional ao grupo. Leonor Gomes tem 15 anos e já contabiliza nove deles com ligação ao coro. Sobre o mesmo, avança, sem pejo, representar “uma segunda casa, uma segunda família”. “Não imagino como seria a minha vida sem poder cantar junto deles”, diz. Também Leonor foi persuadida pelas amigas da catequese, que lhe disseram que no coro “faziam montes de coisas giras”. E as coisas giras que ela encontrou foram tantas, que quando lhe perguntamos para referir uma, admite a dificuldade de se cingir apenas a uma, mas ainda assim lá vai avançando: “Gosto dos momentos que passamos juntos a cantar, off the record, sem ser em concertos e atuações, apenas um grupo de pessoas reunidas a fazer algo que adoram fazer juntas”.

Guilherme Lança, de 10 anos, chegou ao coro com oito e é um dos elementos mais novos do grupo. No seu caso, a chegada difere dos exemplos anteriores, pois foi a mãe de um colega do coro que o desafiou a experimentar. Mas, depois, o seu trajeto segue o mesmo trilho dos seus compinchas de cantorias: experimentou, gostou, achou fantástico pertencer ao grupo e ficou, mesmo com as dificuldades inerentes à conciliação dos horários dos ensaios e dos espetáculos com os horários de outras atividades.

Se os nove anos que Leonor leva de coro lhe dificultam a tarefa de nomear um momento mais marcante, para os elementos até agora envolvidos na reportagem, a participação no Concurso Internacional de Coros, em Provença, França, no ano de 2022, foi o eleito.

E nesta incursão pelo seio dos membros do coro, quisemos conhecer Diana Silva, quisemos conhecer o membro que tem mais anos de coro, quisemos conhecer um dos elementos mais agregador do grupo. Diana tem 26 anos e está no coro há tanto tempo que, quando é questionada sobre a idade de entrada, hesita entre os oito e os nove anos. São quase 20 anos de coro. E, no começo, fazer parte do coro, para Diana, representava ter tarefas na eucaristia, representava aprender a cantar, representava aprofundar a sua fé, representava conhecer pessoas boas e talentosas. Representações do passado, que hoje, já integrada no mercado de trabalho, a concluir um mestrado em Agronomia e a ser dirigente do Corpo Nacional de Escutas (CNE), continuam a fazer-lhe sentido, assumindo que “pertencer a este coro é uma experiência única. Nele vive-se um espírito de entreajuda, como se de uma família se tratasse”. E quando é chegada a hora de nomear os momentos mais marcantes de quase duas décadas de convivência no coro, a situação complica-se e, corrompendo o teor da pergunta, lá vai soltando momentos atrás de momentos: o momento em que deixou de ser o elemento mais novo do coro; o momento em que a maestrina lhe pediu para “tomar conta do filho Henrique”, que passou a ser o benjamim do coro, o que a fez sentir-se crescida e responsável; os momentos em que alguém da plateia se emociona a ouvir o coro cantar; os momentos em que a maestrina faz uma expressão de satisfação quando o grupo termina de apresentar uma peça; o momento em que o colega Alexandre dirigiu o coro pela primeira vez; o momento que aconteceu em França, em 2022, no Concurso Internacional de Coros, quando, depois de o coro ter tido a primeira atuação e ter obtido uma classificação menos boa, foram ensaiar para o local da segunda atuação, a maestrina deu a entrada e, assim que ela ouviu as vozes familiares, ficou tão emocionada que parou de dirigir e o coro, mesmo sem a direção dela, continuou a cantar. “Posso dizer que senti que todos ficámos a cantar com o coração na garganta. Foi muito emocionante!”, conclui Diana.

 

O apoio e a "ginástica" dos pais

 

 

Se para os cantores o coro é tudo isto, para os pais dos cantores a sua importância não é menor. Para Rosário Lourenço e para Fernando Caxias, pais de dois elementos do grupo, fazer parte, por inerência, deste projeto “é uma experiência recompensadora, sobretudo, quando os ouvimos cantar”, referem, sem deixarem de sinalizar o esforço que a família faz, em termos de articulação de horários de trabalho, escola, ensaios e atuações, de forma a proporcionar às duas filhas as experiências que emergem do viver o coro.

“Vivenciar esta experiência de pais do coro é fantástico, não só por vermos a alegria da nossa filha por estar integrada nele, mas pela oportunidade que temos de sair de nós mesmos e conhecer outros pais, conviver e partilhar vivências, tarefas, responsabilidades, que nos fazem continuar a crescer como seres humanos”. Quem o afirma é Dulce e António Gomes. Para estes, quase tudo é positivo nesta vivência musical, com destaque para as aprendizagens, socialização, concentração, cumprimento de regras e responsabilidade. Porém, e a exemplo de outros pais, a articulação de afazeres profissionais, familiares e escolares com as exigências dos ensaios e das atuações, assumem-se como os fatores mais constrangedores desta experiência, sobretudo, em momentos de maior exigência, como é aquele que se está a viver neste período.

Mudam-se os pais, mudam-se os predicados, mas permanece o fascínio pela dimensão artística e humana do projeto. “É uma experiência maravilhosa, uma mais-valia para os nossos filhos, quer a nível pessoal, quer a nível das suas aprendizagens acerca da música e da espiritualidade, uma vez que se trata de um coro de igreja”, referem Marina e Sérgio Doce, pais de mais dois elementos do coro. Estes acrescentam, ainda, aos aspetos positivos avançados pelos outros progenitores, a fomentação da autoestima, a maior capacidade para lidar com o desconhecido e com o stresse e a felicidade que emerge desta participação no coro. Os constrangimentos, esses, são os mesmos. Mas nada que uma “ginástica”, já treinada, de articulação de horários nos serviços profissionais e de articulação entre os pais do coro e a maestrina, não ajude a ultrapassar em prol da música, do coro e dos seus membros.

 

A participação no 44.º Congresso Internacional de Pueri Cantores

 

Dezembro de 2023. Uma nova página repleta de emoções está prestes a ser adicionada ao livro da vida do Coro Juvenil do Carmo. No dia 27 o coro parte para Roma, onde vai permanecer até ao dia 2 de janeiro de 2024, para participar no Congresso Internacional de Pueri Cantores. Uma participação que, conforme avança Helena Almeida, surge “na sequência da participação no congresso nacional, onde estava presente o vice-presidente da Federação Internacional de Pueri Cantores, Matthias Balzer, e que nos lançou o convite”.

Um convite distinto e honroso, mas repleto de desafios. Desafios artísticos, mas também logístico-financeiros. “As despesas são avultadas, mas não queremos deixar ninguém de fora por causa de questões financeiras”, explica a maestrina, revelando as estratégias implementadas pelo coro e pelo grupo dos pais para fazer frente aos custos inerentes a esta participação internacional. Assim, foi criado um conjunto de serviços, entre eles, takeaway aos domingos, rifas para um cabaz de Natal, café e bolos para o final das missas, conteúdos musicais para concertos, casamentos e outros eventos; e venda de produtos de produção própria, como compotas, marmelada, artesanato, entre outros.

“E, agora, para celebrarmos o aniversário do Papa Francisco, temos uma iniciativa de recolha de mensagens num mega postal e a aquisição de um bolo, que vamos levar ao Papa, onde seguirá uma mensagem pessoal. Nesta iniciativa, as pessoas contribuem com um donativo para nos ajudar a levar estas lembranças ao Santo Padre”, completa Helena Almeida, acrescentando que têm surgido outras oferendas de pessoas anónimas e de empresas, assim como a ajuda da Câmara Municipal de Beja e da União de Freguesias de Santiago Maior e São João Batista. “Felizmente, a comunidade tem sido generosa e o nosso objetivo está quase alcançado”, revela a maestrina.

Alcançado o objetivo, Roma é já ali. E é ali, em Roma, que um vasto programa aguarda os pueri cantores do Carmo. O coro vai cantar com crianças e jovens de todo o mundo e ainda terá oportunidade de cantar para o Papa Francisco, na audiência do dia 30 e na missa de Ano Novo, na basílica de São Pedro.

Para Helena Almeida, “a experiência maior e mais marcante será o facto de cantar com centenas de crianças, em que não haverá a barreira das línguas. A música é unificadora e agregadora. É esta mensagem que quero que eles retenham, e que percebam como é bom ‘louvar o Senhor ao som da cítara e da lira’. Das bocas das crianças sai o louvor perfeito! Para mim é um orgulho muito grande poder participar neste projeto e ter um grupo tão bonito e tão fantástico como este. Estes miúdos são top!”. 

Já para os “miúdos top” da maestrina Helena, alegria e responsabilidade são as emoções mais presentes no grupo. Alegria pela participação, e responsabilidade pela exigência que a mesma acarreta para toda a comitiva. “Fiquei radiante pelo coro, uma vez que é uma oportunidade única de representar Portugal num local e momento tão importantes para um coro católico. No entanto, fiquei apreensiva pelas dificuldades e desafios financeiros que isso iria representar. Mas superado esse obstáculo, as expectativas estão altíssimas. Vamos em grupo com um ambiente incrível, e vamos partilhar de uma experiência única. Tenho a certeza de que esta experiência e esta fé vão unir ainda mais o grupo”, refere Diana Silva, servindo de porta-voz dos 31 elementos do coro.

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