Diário do Alentejo

Novo álbum do cantor bejense será apresentado nos coliseus de Lisboa e Porto em fevereiro

07 de dezembro 2023 - 14:40
ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

António Zambujo lançou recentemente o seu décimo primeiro disco, “Cidade”. Um álbum “monocasta”, como lhe chamou, por ter composições de um único autor, no caso, o seu amigo Miguel Araújo, com quem tem partilhado inúmeras aventuras musicais, entre as quais os 28 coliseus (Lisboa e Porto). Uma entrevista sobre canções, solidão, a geografia do Sul e a efervescência musical de Beja.

 

Texto | Marco Monteiro Cândido

 

“CIDADE”, UM “GAJO” E A SOLIDÃO

Lisboa, último dia de novembro. O encontro deu-se num café, daqueles que tanto servem abrigo como refeições aos transeuntes que passam nas ruas da capital. Como tantos que há em Lisboa. Numa manhã chuvosa, torrencial. Numa Lisboa que já é tanto de António Zambujo como Beja o é, ou não tivesse atingido neste ano aquilo que chama de equilíbrio. E isto numa cidade solitária, que bem que podia ser o cenário que dá nome ao seu mais recente álbum.

 

Vamos começar pelo fim, o “Cidade”, um álbum “monocasta. É o primeiro de muitos?

Eu tenho ideia de fazer mais do que um, mas não sei… Já tenho mais um preparado com o João Monge, mas ainda não sabemos quando é que vai sair. Eu queria fazer com as pessoas com quem tinha mais ligação, que ao longo destes anos todos têm tido uma ligação mais próxima aos meus discos, desde o João Monge, a Maria do Rosário Pedreira, o Pedro da Silva Martins. O Miguel foi logo o primeiro, também porque coincidiu com esta fase de preparação para o Altice Arena e o Super Bock, e ele, como gosta destas empreitadas, assim que lhe lancei a ideia, começou logo a fazer as músicas e foi… Nem sei, no final de agosto, do verão, entrámos em estúdio e já tínhamos as músicas todas prontas. É como ele faz – de forma quase obsessiva –, quando se entusiasma com uma ideia, normalmente, é isso que acontece: agarra-se às coisas e não para enquanto não está feito.

 

Com todos esses autores há essa identificação? São os que falam a linguagem do António Zambujo?

Há total identificação. Eles são os grandes responsáveis. Sendo que a música, como defendo, é a poesia ajudada e a letra é a coisa mais importante que fazemos, eles são os principais responsáveis por eu ter a carreira que tenho. Porque são eles que me metem na boca as palavras que eu canto. Obviamente que esses quatro [Miguel Araújo, João Monge, Maria do Rosário Pedreira e Pedro da Silva Martins] seriam os primeiros em qualquer uma das listas. Não é por serem melhores, nem piores – por acaso acho que são dos melhores letristas –, mas pela proximidade e ligação que temos uns com os outros faz todo o sentido que seja assim.

 

E, hoje em dia, considera-se mais um cantor, um músico ou um contador de histórias?

Acima de tudo, sou um intérprete. Sou um cantor e é aquilo que eu sei fazer melhor. É a única coisinha que se aproveita nisto tudo (risos), é o jeitinho para contar, para cantar as histórias. Depois houve coisas que fui desenvolvendo, porque sempre tive uma ligação muito forte com a música, por gosto pessoal. O caso de tocar: o tocar guitarra ou outro instrumento qualquer é mais uma necessidade do que propriamente uma vontade. Foi uma defesa para eu não… por não saber o que fazer com os braços enquanto estava em cima do palco, então a cena da guitarra foi quase um escudo. A guitarra acabou por me defender disso e depois, obviamente, em função daquilo que eu vou ouvindo, dos músicos que vou seguindo, acabo por moldar e ir melhorando. Obviamente que não vou dizer que sou um tosco, porque seria falsa modéstia, mas aquilo que me sai mais naturalmente é a capacidade de cantar e de me apropriar das músicas.

 

Então o que podemos encontrar do António Zambujo neste álbum?

Tudo. Quem faz as letras, ao longo deste tempo todo, já lá vão 13 anos, vai-me conhecendo. Por exemplo, a música o “Flagrante”: às vezes digo por graça que é uma letra autobiográfica, apesar de não ter sido eu que a fiz, mas é uma letra minha. Ou a “Visita de estudo”, que foi uma história que contei à Rosário e ela transformou aquilo numa música. Mas, na verdade, é uma história minha. Portanto, existe, não uma apropriação, mas é quase como se eles estivessem a escrever já para mim. Como se estivessem a escrever no meu lugar. É um bocadinho isso. No caso deste disco [“Cidade”], é o Miguel no meu lugar a fazer um disco, a contar a história de um gajo numa cidade grande, com todas as coisas, desde o acordar, o stresse do trânsito, o fugir disso, a tentativa de fuga...

 

E como é que é um “gajo” na cidade grande?

Eu não sou o exemplo de um gajo na cidade grande porque continuo a ter características de gajo do Alentejo, apesar de neste ano ter atingido exatamente o meio: metade da vida em Beja e metade da vida em Lisboa. Faz exatamente neste ano, tanto de Beja como fora de Beja.

 

E que António Zambujo é este, agora que atinge este ponto?

Acho que é tudo igual. A única diferença é ter mais compromissos, mais filhos… Ter mais mundo. Mas essas coisas acabamos por absorver. Nós funcionamos um bocadinho como esponja: absorvemos aquilo que nos interessa e aquilo que não nos interessa… Mas, mesmo em Beja, também nem tudo nos interessa. O que me interessa em Beja, absorvo e fica. O que me interessa fora de Beja, absorvo e fica. Somos nós que fazemos essa escolha.

 

Então, ainda continua a ser um “gajo” na cidade grande que veio de Beja…

Sim. Já não tenho aquela ansiedade que tinha inicialmente, em que mal tinha um tempo livre, nem que fosse uma tarde só, saía, pegava no carro e voltava. Hoje em dia já não é assim. Aliás, as coisas já se começam a inverter: vais tendo dificuldade em encontrar coisas com que te sintas identificado. A cidade mudou muito, as gerações mudaram muito. A maior parte das pessoas da minha geração ou vive fora ou está lá, mas já tem uma vida completamente diferente. A vida de artista também é um bocadinho diferente da vida normal. Há vários fatores que fazem com que as coisas mudem, mas, na essência, acho que continua tudo igual.

 

No novo álbum há uma questão central, a solidão. Como é que o António Zambujo, de Beja, na cidade grande, vê a solidão?

Aqui é mais assustador porque é uma solidão acompanhada, meio disfarçada. Tu não tens muito a noção de que estás sozinho. Achas que estás acompanhado, mas, na verdade, não estás.

 

E é uma coisa muito vincada?

Acho que é, sente-se muito. Toda a gente sente muito isso. No outro dia estava a lembrar-me de uma cena de um filme em que várias pessoas estavam num autocarro ou numa carruagem de comboio e cada pessoa tinha a sua vozinha interior a falar, mas ninguém estava a falar. Estava toda a gente calada, mas toda a gente a falar. Ou seja, aquilo estava uma grande confusão, mas que, na verdade, era um silêncio absoluto. E é assim que as coisas funcionam, em todo o lado. As pessoas cada vez vivem mais isoladas, existe muito menos preocupação com a parte social. Acho que se sente que é uma coisa que não faz falta, quando, na verdade, acho que é o que faz mais falta. No outro dia vi um documentário, sobre a longevidade das pessoas, e os sítios onde as pessoas viviam mais tempo eram os sítios onde as pessoas tinham uma vida social mais ativa. Onde as pessoas falavam mais umas com as outras, mesmo na aldeia.

 

Valoriza muito esta questão do convívio, da parte social?

Acho fundamental. Se for pela parte do convívio, vou viver até aos 200 anos (risos).

 

É uma parte fundamental da sua vida?

É e faço muito para promover isso. Não faço tanto porque com a agenda profissional é difícil. Quando tens mais de 100 concertos por ano, que implicam viagens, muitas vezes fora de Portugal, um dia para ir e outro para voltar, não é fácil.

 

E é uma vida muito solitária, apesar de tudo?

Agora atravessei uma fase muito solitária porque andei durante dois anos a fazer a tournée do disco “Voz e violão” e era uma coisa meio solitária, apesar de ter sempre o técnico de luz, de som, o tour manager. Nunca estava sozinho.

 

Mesmo com uma equipa à volta, com a tal questão de estarmos acompanhados, mas sozinhos, a solidão é uma coisa presente?

Mas eu gosto da solidão quando sou eu que a imponho. Eu não sou um gajo de precisar, mal saia de casa, de ir logo à procura de amigos no café. Nada disso. Eu gosto de estar em casa e privilegio a minha privacidade, o estar em casa e estar sossegado. Agora, quando não sou eu que escolho e me é imposta, aí é que é pior. Por exemplo, quando acabo um concerto, gosto de estar sozinho, odeio ter gente nos camarins, odeio confusão e essas coisas todas. Faço para estar sozinho, mas depois gosto de beber uma cerveja com o resto da minha banda e aí já não gosto de estar sozinho.

 

Tem sido uma carreira de sucesso, crescente. Foi bom não ter êxito logo à primeira?

É porque não tinha que ser, não sei. Provavelmente eu disse que não era benéfico porque eu, pessoalmente, não saberia lidar com isso. Não estaria preparado. Há casos em que as coisas resultam. Temos um caso muito próximo, o Luís Trigacheiro, em que aquilo funcionou bem e está a correr muito bem. No meu caso, prefiro que tenha sido assim. Acho que na fase entre o segundo e o terceiro disco senti que já poderia ter feito um pouco mais e não fiz.

 

Em que sentido?

Mais concertos, mais tournées, mais coisas, só que coincidiu com o final do musical do Filipe La Féria e então as coisas estavam meio perdidas. Depois, a partir do “Outro sentido”, aí já…

 

Nessa altura sentiu que o rumo não seria bem esse, o da música?

Eu, saber, sabia o que queria. Mas quando estás durante tanto tempo, quatro anos, num sítio, sempre naquele sítio, sempre a fazer aquilo, todos os dias, a tua cabeça perde-se um bocadinho naquilo. Depois, quando se começa a aproximar do fim, começas a pensar: “e agora? O que é que vai acontecer?”. Há várias soluções, mas tu começas-te a focar no problema e não na solução. Nessa altura foi: deixa o tempo decidir e depois logo se vê o que vai acontecer. E assim foi.

 

No “Cidade”, a última música é “Os meus dias não são meus”. Os seus dias ainda são seus?

Às vezes. Às vezes são, outras vezes não. Outros dias não consegues que sejam teus. Uma parte mais complicada é quando sai um disco novo, por causa da promoção, da agenda, dessas coisas todas. Juntando a isso concertos, o programa que estou a fazer – o “The Voice” [na “RTP1”] –, tens alguns dias em que olhas para o sofá e pensas assim: “que bem que estava ali o dia todo”. E não consegues. Nesses casos não são teus e não há nada a fazer. Mas depois compensa. Faz parte.

 

Como é que tem sido esta participação no “The Voice Portugal”?

Tem sido boa. É uma coisa diferente, que dá muita exposição mediática.

 

Até para atingir públicos distintos?

Acho que não tem nada a ver, até porque são coisas completamente diferentes. Até porque quem vai aos meus concertos… algumas pessoas vão, obviamente. Há sempre ali alturas em que se tocam os dois públicos, mas no geral… O Miguel [Araújo] gozava um bocado com isso, mais com os miúdos. Nós, quando fizemos agora o Super Bock Arena, tínhamos muitas crianças e ele dizia: “É engraçado porque as crianças é o público que te vê no ‘The Voice’ e agora vem ver os concertos”. É tipo uma renovação do público. Tens público desde os cinco anos até aos 90 e isso é engraçado. É uma coisa com que lidas bem. Aquilo é um programa, não é? As pessoas às vezes levam aquilo demasiado a sério. Eu não levo a sério e faço questão de dizer isso aos concorrentes. O objetivo é que eles cantem bem, que seja um programa de música e que as pessoas gostem de ver. E isso tem sido, de facto, bom. É uma coisa que não me interessa muito, nunca me interessou, até me irrita um bocado, mas às vezes acho graça, sendo a “RTP” uma coisa meio por fora, não anda a correr atrás das audiências, e de repente, ao domingo à noite, tens pontos em que o “The Voice” tem mais audiência do que os outros canais e isso é uma coisa engraçada. Acho piada. Não valorizo, mas acho piada, porque os outros matam-se por aquilo e ali não. Mas tem corrido bem.

 

SUL, GEOGRAFIA E VOLTAR

Com tantos anos de Lisboa como de Beja, António Zambujo ainda volta, amiúde, à cidade que o viu nascer em 1975. A terra, a geografia, que o influenciou, moldou e que tem qualquer coisa de inexplicável, mas único. Ou, como escreveu o compositor João Monge e António Zambujo cantou no seu terceiro álbum (“Outro sentido”) no tema “Ao sul”: “Ao sul, à procura do meu norte…”

 

O que é que o leva a voltar, agora, a Beja e à região? Presumo que a família, os amigos… também o vinho, a gastronomia…

A terra. A terra tem uma energia especial. A geografia. Se bem que o mais importante e o que mais me leva lá são as pessoas: família, amigos. Mas a parte da geografia tem ali qualquer coisa que não sei explicar o que é, mas que me mantém ligado lá. É o Sul, talvez…

 

Porque essa geografia marca e molda, musicalmente, mas também na vida…

Completamente. Aliás, já não me lembro quem foi que falou nisso uma vez e que dizia que se percebe o cante alentejano mal se chega lá e se olha para aquelas planícies… Ou seja, a geografia tem influência, a cidade tem influência. Eu tenho amigos de fora, quando vim viver para Lisboa, que me diziam assim: ‘Beja? Tu já reparaste bem em Beja?’ – nós, como somos de lá, não prestamos atenção – ‘Aquilo são umas coisas em cima das outras’, a falar das civilizações. Aquilo só pode dar uma loucura muito grande.

 

Mas, para além disso tudo, agora também há mais um motivo para voltar: a Adega da Zabele.

Sim, a Adega da Zabele é mais um motivo para voltar, se bem que o vinho já me fazia voltar muitas vezes e com alguma frequência. É um espaço que criámos [em Vila de Frades, Vidigueira, com Luís Leão e João Pedro Freixial], essencialmente, como loja de vinhos, mas também como um espaço onde possamos promover e levar coisas… Inverter um bocadinho aquilo que acontece. Hoje em dia, quando falas culturalmente no Alentejo, parece que só tens que mostrar coisas que estejam ligadas, de facto, ao Alentejo. Parece que o que é de fora… o objetivo ali é fazer um bocadinho o contrário: é levar coisas de fora para as pessoas de lá. Para mostrar que, de facto, aquilo que nós temos é uma cultura muito rica, mas não é a única coisa que existe no mundo.

 

Atingido o ponto de equilíbrio de Beja e pós-Beja, como é que olha para a sua cidade e para a sua região? Como pessoa que está de fora mas mantém essa ligação.

Não tenho uma ligação suficientemente forte que me permita fazer uma análise correta da cidade. Sinto, de facto, quando vou lá, aquilo que os meus olhos veem. Sinto uma cidade mais deserta, com um centro histórico meio abandalhado. Sinto que é uma cidade com imenso potencial que não tem aquilo que mereceria. Que merecia ter. Mas isso é o que eu sinto, é o primeiro impacto. Depois, na realidade, até pode estar muito melhor, podem as coisas estar a funcionar muito melhor. Não sei como é que funcionam, mas o que sinto é isso. Esteticamente é uma cidade mais feia do que era, com menos vida.

 

Já não há aqueles bandos de miúdos a andar de bicicleta, o cante nas tabernas…

Na rua da minha avó e no largo de Santo Amaro, onde estava a nossa outra avó, havia miúdos… Quantos campeonatos de futebol… Aquilo dava para fazer uma liga. Era muita gente, muitos miúdos. E hoje vês uma cidade completamente deserta. Principalmente, aquele sítio onde nós vivemos é completamente deserto. Não sei, se calhar as casas também estão caras lá, como estão cá, em Lisboa. Também pode ser essa a razão.

 

A EFERVESCÊNCIA CULTURAL DE BEJA

 

Em termos culturais, nomeadamente, no campo musical, como é que explica que Beja tenha tantos e tão bons artistas? Há qualquer coisa, uma efervescência, que resulta no seu aparecimento, de tempos a tempos?

Eu acho que é engraçado e mesmo na altura em que vim para Lisboa tivemos o fenómeno dos Adiafa, que eram e são todos grandes músicos. Tinhas uma realidade nos UFOS [bar muito conhecido na noite bejense que promovia música ao vivo], antes de eu vir para Lisboa, promovida pelo Carlos [Lopes], que era o dono. Ele tinha sempre os instrumentos prontos a tocar, chegava sempre malta, fosse de Beja, fosse de fora, e tinha sempre um espaço para beber um copo e se lhes apetecesse tocar, tocavam, sem pressões, sem stresse. Tens o [Fernando] Pardal, que é um tipo com um talento inacreditável. Tens de facto muita gente que faz as coisas bem. Nunca entrei muito nas cenas dos movimentos, movimento de Beja, do cante, mas enquanto observador acho que há ali pessoas a fazer coisas muito boas. Já fiz coisas com o Jorge [Benvinda, dos Virgem Suta]. O Jorge é um tipo, um escritor inacreditável. Tem um talento louco, é hiperativo, é uma coisa que me enerva muito: está a falar numa coisa e já está a pensar em mais 10 coisas. Mas é um tipo talentosíssimo. O Buba [Espinho] tem e vai ter uma carreira inacreditável, vai ser espetacular, de certeza absoluta. E o Luís [Trigacheiro] também. E tudo o que for aparecendo… Há uns moços, os Bandidos do Cante, eu nunca ouvi ninguém cantar tão bem e de forma tão inovadora como estes miúdos estão a cantar agora. Acho que é quase como o cante alentejano versão 2.0. É uma coisa muito à frente. De certeza que também vai ser uma cena espetacular. Agora está a Mafalda Vasques no “The Voice”. Conheci-a na altura dos concertos com o Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento e gostei muito de a ouvir cantar. Depois ela contou-me que tinha formação clássica de canto lírico e que tinha cantado no Coro do Carmo de Beja. Mas ela tem muito talento e está a safar-se bem. E o “The Voice” faz saltar etapas. A vantagem do programa é essa.

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