Diário do Alentejo

Centro Infantil Coronel Sousa Tavares entrou em funcionamento a 8 de dezembro de 1913

07 de dezembro 2023 - 11:10
“casa”
Foto | D.R.Foto | D.R.

Há 110 anos entrou em funcionamento na cidade de Beja aquela que viria a ser uma das instituições de apoio pedagógico e acolhimento temporário de crianças e jovens de maior proeminência no distrito. À luz dos dias de hoje, o presidente da direção do Centro Infantil Coronel Sousa Tavares, Luís Amaro, descreve-a como uma “casa” de “pessoas” que ao longo dos anos se tornou uma “referência”, mas que, ultimamente, vive  com “dificuldades” financeiras cada vez mais notórias.

 

Texto | Ana Filipa Sousa de Sousa

 

“Casa”. É assim que o presidente da direção do Centro Infantil Coronel Sousa Tavares, Luís Amaro, se refere à instituição. Ao “Diário do Alentejo” (“DA”) descreve-a não como um espaço institucional que acolhe crianças e jovens nas suas seis vertentes – creche, pré-primária, centro de atividades de tempos livres (CATL), CATL “Escola”, centro de acolhimento temporário “A Buganvília” e lar de infância e juventude Casa Pia de Beja – , mas como um lugar “mais familiar” com “valores e princípios bem definidos” que têm marcado gerações.

O que começou por ser, aquando da criação da Associação Bejense Protetora das Crianças presidida pelo capitão João de Sousa Tavares, uma “resposta às necessidades da população local”, em 1913, com a falta de creches disponíveis, depressa alcançou contornos mais sociais, passando, em 1941, a receber e a alimentar “crianças de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os dois e os cinco anos, durante o dia, em regime de semi-internato, e órfãos ou filhos de pais carenciados, em regime de internato”. A missão perpetuou-se até aos dias de hoje e, atualmente, o Centro Infantil Coronel Sousa Tavares dá resposta a 266 crianças na creche e pré-escolar (116 e 150, respetivamente), a 175 crianças nos CATL (150 no CATL sede e 25 no CATL “Escola”), a 28 crianças na “Buganvília” e a 34 crianças e jovens na Casa Pia de Beja.

“Há coisas ainda do passado bem presentes. Há uma ideia de ir modernizando, questionando métodos e de acompanhar a mudança do mundo, porque este não para de mudar e nós ou reagimos ou orientamos essa mudança. Portanto, o centro infantil, neste campo, tem estado esse passo à frente, [o que tem feito com que] a instituição seja uma referência todos estes anos pela qualidade que lhe é reconhecida, quer como apoio a muitas famílias, quer também como uma entidade empregadora relevante na nossa cidade”, afirma Luís Amaro.

Qualidade essa que se tem refletido nas “listas de espera” que se formam todos os anos letivos e que “validam o bom trabalho que é feito e que passa de geração em geração”. “Somos uma referência nesse aspeto, de uma instituição consolidada, com valores e princípios bem definidos e reconhecidos pela sociedade no seu todo”.

 

“AS CASAS NÃO SÃO EDIFÍCIOS SÃO PESSOAS”

 

 

Contando com 104 funcionários, são eles, segundo o presidente, o “motor” da instituição que “fazem, dinamizam, questionam e procuram novos métodos e novas formas de chegar às nossas crianças e de apoiar estas famílias”.

“Podíamos ter este edifício todo com outras pessoas e isto seria diferente. O edifício é velho, tem muitas limitações, mas consegue-se, de alguma forma, dar uma resposta muito positiva e isso é graças a quem cá está, nem tanto das direções porque estas vão mudando, mas quem cá está e que vai passando este legado e esta responsabilidade a quem cá chega. E isso tem-nos construído enquanto casa”, realça.

O trabalho que é desenvolvido diariamente, sobretudo, nas respostas sociais de emergência, é o principal diferenciador das demais instituições e um dos motivos que poderá justificar a longevidade do centro infantil. Na creche e no pré-escolar o intuito passa por “criar um caminho” entre as diferentes salas e uma ligação “mais do que profissional, mas, sobretudo, emocional” entre o estabelecimento, os cuidadores, as crianças e as próprias famílias que, posteriormente, se mantêm nos CATL aquando da passagem para o 1.º ciclo.

“O nosso objetivo é reter, [logo] quando eles saem daqui aos cinco anos para uma outra escola queremos que haja já uma ligação a esta casa, de tal forma que a permanência na instituição e a mudança para o CATL seja algo quase natural. [E depois, defendemos que] as crianças têm de sair destas quatro paredes para irem lá para fora, têm de ir viver e experienciar, porque é assim que também acontecem as aprendizagens essenciais do respeito pelo outro, pelo espaço, pela comunidade e pelo conhecimento”, alude Luís Amaro.

No que diz respeito às respostas residenciais mantém-se o mesmo ideal de “casa”, mas tendo como intuito o “curar um bocadinho o passado, porque é muito duro”. Na “Buganvília”, que assinalou a 12 de novembro 25 anos e que acolhe crianças de ambos os sexos entre os zero e os 12 anos, tendo em conta as idades precoces, o sentimento de familiaridade para com o centro infantil é mais célere, contrariamente ao que acontece, a maioria das vezes, com os rapazes, entre os 12 e os 18 anos, acolhidos na Casa Pia de Beja.

“Nós temos de ter a noção de que eles, apesar de estarem numa casa disfuncional ou numa situação de extrema pobreza ou de maus tratos, é a casa deles, é a família deles, e de um momento para o outro vão para uma casa, onde não conhecem ninguém... são noites muito duras”, explica. Acrescentando: “Portanto, nós temos de lhes dar ferramentas para lidarem com essa frustração, tristeza e mudança e depois, sim, dar-lhes ferramentas para o presente, normalmente, para a situação escolar e da relação com os outros e, depois, para o futuro”.

Luís Amaro salienta ainda a possibilidade que é dada aos jovens acolhidos na Casa Pia de Beja de permanecerem na instituição, após completarem os 18 anos, para prosseguirem estudos, o que, no seio familiar, muitas vezes, não é exequível.

 

“JÁ NÃO ESTOU A GERIR, ESTOU TAPANDO”

 

Ainda que o balanço geral do centro infantil seja positivo, os últimos anos têm trazido dificuldades financeiras acrescidas, o que, tendo em conta o presidente da direção, “acaba por definir” o seu estado atual.

“Os custos têm subido de uma forma brutal, quer ao nível do salário mínimo, quer ao nível das matérias, e a comparticipação da Segurança Social não acompanha com a mesma agilidade essas mudanças e aumentos”, recorda.

A título de exemplo, Luís Amaro refere que em 2017, na “Buganvília”, os valores da receita rondaram os 300 mil euros, enquanto os gastos com o pessoal, sem contar com as outras despesas, custavam ao centro infantil 362 mil euros. Por sua vez, os últimos dados disponíveis, de 2022, mantêm o mesmo padrão, ou seja, 385 mil euros de receita e 407 mil euros de despesa com o pessoal.

“Vejo com muitas dificuldades a manutenção de uma casa que precisa de caridade. É uma missão do Estado, em termos de financiamento, e está muito aquém das despesas da casa. Prevejo um futuro de muitas dificuldades. Nós estamos aqui numa situação de corda ao pescoço, já não estou a gerir, estou tapando e isso desgasta e cansa”, garante.

Para o presidente, também a falta de sócios e de voluntários para assumirem direções futuras é um ponto que o preocupa. Desde o 25 de Abril que o centro infantil, após uma breve passagem à guarda do Governo Civil, foi “entregue” a “pessoas da sociedade civil”, mantendo-se essa situação até aos dias de hoje, contudo, Luís Amaro receia que ao deixar de haver essa figura dos sócios este passe a pertencer a “outrem” e perca a sua “identidade”.

“Tenho receio pela falta de participação da sociedade, porque a casa não tem um dono, pertence aos sócios. Não quero ser o último presidente da direção do centro infantil com esta identidade, porque a casa em si como está não vai deixar de existir, irá é perder-se a sua identidade senão tivermos associados com interesse em participarem e em sacrificarem o corpinho pela instituição”, afirma.Ainda assim, Luís Amaro deixa um reparo. Apesar da situação de desequilíbrio financeiro que a instituição atravessa, sobretudo, durante os meses de verão e de dezembro com o pagamento do 13.º e 14.º mês aos trabalhadores, e da instabilidade diretiva futura, ninguém irá “desistir”.

“Nós temos duas respostas únicas no concelho de Beja e, no caso da ‘Buganvília’, única no distrito, [por isso] temos a responsabilidade junto de quem de direito apelar a um equilíbrio maior destas respostas sociais”, conclui.

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