Diário do Alentejo

“Rio de lama” em Ervidel deve servir de “alerta” e de “exemplo”

19 de janeiro 2025 - 08:00
Presidente da junta de freguesia avança que os prejuízos ainda não estão contabilizados
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Bloco de Esquerda diz que “culpa” do “rio de lama” que se formou na semana passada, e que invadiu quintais e espaços públicos na baixa de Ervidel, “é tão evidente que não pode mesmo morrer solteira”. Entretanto, estava prevista para esta semana a realização de uma reunião entre a junta de freguesia e o proprietário da plantação.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Alberto Matos, dirigente do Bloco de Esquerda (BE), considera que o “rio de lama” que se formou no passado dia 5, na zona baixa de Ervidel (Aljustrel), após uma forte chuvada, e que é atribuído a um olival superintensivo plantado há cerca de um mês junto da povoação, deve servir de “alerta” e também de “exemplo”. Recorde-se que a enxurrada, com terra e plantas do olival, invadiu quintais e espaços públicos.

“Foi a primeira vez que, de forma mais notória, o perigo que representa o total cerco das populações por estas culturas intensivas, seja de olival, seja de amendoal, extravasou, até porque era uma plantação muito recente, não havia sequer árvores que fixassem a terra. É, talvez, o pináculo de um perigo que é real. Gostaria de sublinhar este aspeto de alerta. E, para além disso, pode e deve servir de exemplo do ponto de vista da responsabilização criminal dos responsáveis. A culpa, neste caso, é tão evidente que não pode mesmo morrer solteira”, diz o responsável ao “Diário do Alentejo” (“DA”), adiantando que o Bloco de Esquerda (BE) acompanhará, “até como assistente, qualquer iniciativa judicial”, caso “seja desencadeado algum processo”.

O dirigente lembra, ainda, que vários projetos de lei apresentados pelo grupo parlamentar do BE foram chumbados “pela direita e pelo Partido Socialista”, com destaque para o ex-deputado socialista eleito por Beja, Pedro do Carmo. “Teve uma responsabilidade muito direta nisso, até como presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura. Sempre defendeu intransigentemente este tipo de culturas e recusou quaisquer críticas”.

Entretanto, em comunicado de imprensa enviada ao “DA”, a coordenadora distrital de Beja do BE sublinha que “além de avultados prejuízos que devem ser assacados aos responsáveis por este desastre ambiental, a saúde pública (doenças do foro respiratório e outras) está ameaçada pela invasão descontrolada de olival superintensivo e de outras monoculturas, como o amendoal, espalhados em mancha de óleo por todo o perímetro de rega de Alqueva”.

A estrutura afirma, ainda, que “a ganância pelo lucro máximo espezinhou a segurança das populações e as mais elementares boas práticas agrícolas” e que, neste caso, “os camalhões escorrem diretamente para os quintais e para as ruas de Ervidel, em vez de seguirem um traçado paralelo ao perímetro da aldeia”. Por isso, “sem valas de escoamento das águas pluviais e de rega com fertilizantes e fitofármacos que acabam por se infiltrar nos solos”.

O BE defende que “é preciso apurar responsabilidades pelo desastre de Ervidel, obrigando a reparar os danos causados à população e às entidades públicas (autarquias, bombeiros) que estiveram na primeira linha de resposta, mas também os danos causados aos solos mobilizados por práticas agrícolas agressivas e gananciosas”. No entanto, frisa, “as responsabilidades são vastas, a começar nos governos e partidos políticos que no Parlamento rejeitaram todas as propostas de ordenamento agrícola que impunham regras”, entre outras, “avaliações de impacto ambiental sérias e independentes; carta nacional de ordenamento e instalação de culturas permanentes; área máxima contígua para os regimes intensivo e superintensivo de cada cultura; distância mínima de 500 metros a habitações e aglomerados populacionais; proibição de colheita mecanizada durante a noite e de pulverizações aéreas”.

 

Prejuízos ainda não estão contabilizados

 

A presidenta da Junta de Freguesia de Ervidel, Andreia Piassab, também em declarações ao “DA”, revelou que estava prevista, para esta semana, a realização de uma reunião com o proprietário da plantação “para tentar perceber se está a pensar tomar algumas medidas preventivas, retificativas, se está a pensar retroceder em alguma tomada de decisão”.

Ainda segundo a autarca, “está a ser elaborado o relatório para ser feita a contabilização dos prejuízos para, depois, tentar perceber junto dos advogados a quem se irá imputar essas responsabilidades”. “[Os prejuízos] são mais em termos de mão de obra, porque os bombeiros estiveram a trabalhar connosco dois dias [na limpeza], a Câmara de Aljustrel também disponibilizou trabalhadores e meios, assim como a própria junta, e isso tem custos associados, para além do transtorno que causou às pessoas e esse não sei se poderá ser medido diretamente”, refere.

Entretanto, continua a circular presencialmente e on line o abaixo-assinado “Agricultura, ambiente e saúde pública”, que será remetido para os ministérios da Agricultura e Pescas e do Ambiente, e também dado a conhecer à Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), responsável “pelo bloco de rega”, a fim de se reavaliar as “medidas que tenham em conta projetos de avaliação paisagística e sanitária no que diz respeito à instalação de culturas intensivas e superintensivas junto das populações”.

“Achamos que toda esta plantação está a ser realizada de uma forma não muito ortodoxa, nem muito normal nos procedimentos que costumamos ver noutro tipo de plantações. A questão que levantamos aqui é a proximidade da plantação às casas, porque está ali a 10 metros de algumas habitações e com tudo o que isso implica quando houver fertilização, utilização de químicos para eliminar as pragas… a população vai estar diretamente exposta a isso. E também todo o barulho [das máquinas na realização dessas tarefas]. Achamos que, estando dentro do perímetro urbano, deveria existir um pouco mais de bom senso e preocupação por parte do proprietário. E é a própria forma como o olival está plantado. Se vieram mais chuvas poderão não trazer lamas, mas trarão sempre muita água [para a baixa de Ervidel]”, sublinha a autarca.

Contactado na semana passada pelo “DA”, o proprietário do olival em causa, João de Matos, limitou-se a referir que o processo de plantação está “completamente dentro da legalidade”, escusando-se a fazer mais comentários.

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