Diário do Alentejo

Esperanças de vida no Baixo Alentejo continuam a ser das mais baixas do País

06 de outubro 2023 - 14:32
Dificuldades sentidas atualmente pela população poderão “comprometer no médio prazo um aumento desejável” dos valores, adverte investigador
Foto| José Ferrolho/ArquivoFoto| José Ferrolho/Arquivo

A esperança de vida à nascença no Baixo Alentejo, entre 2020- -2022, foi estimada em 78,30 anos, um dos valores mais baixos a nível nacional. Ainda de acordo com os dados do INE, os baixo-alentejanos de 65 anos podiam esperar viver, em média, mais 18,17 anos, também abaixo dos valores nacionais. “Devido às causas multifatoriais”, frisa a delegada de saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo, “é difícil perceber qual a causa” de na região os valores continuarem inferiores aos registados no Alentejo e no continente.

 

TEXTO NÉLIA PEDROSA

No triénio 2020-2022, o Baixo Alentejo continuava a registar, a par das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, as esperanças de vida à nascença e aos 65 anos mais baixas a nível nacional, estimadas, respetivamente, em 78,30 anos e 18,17 anos.

De acordo com a publicação “Tábuas de Mortalidade NUTS II – Esperanças de Vida NUTS III 2020-2022”, divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no final da semana passada, no referido período, a esperança de vida à nascença para Portugal foi estimada em 80,96 anos e a esperança de vida aos 65 anos em 19,61 anos, ou seja, acima dos valores apresentados pelo Baixo Alentejo. As esperanças de vida mais elevadas registaram-se no Cávado: 82,26 anos (à nascença) e 20,64 anos (aos 65 anos).

Ainda assim, relativamente a 2019-2021, assistiu-se no Baixo Alentejo a um ligeiro aumento de 0,01 anos na esperança de vida à nascença e 0,39 anos na esperança de vida aos 65 anos. Recorde-se que no triénio 2019-2021, “em resultado do aumento do número de óbitos no contexto de pandemia da doença covid-19”, sublinhava na ocasião o INE, registaram-se “reduções na esperança de vida para a maioria das regiões NUTS II e III”.

Ainda de acordo com os dados publicados pelo INE, a esperança de vida à nascença no Alentejo, no triénio 2020-2022, foi estimada em 80,09 anos – sendo 77,04 para os homens e 82,96 anos para as mulheres –, e a esperança de vida aos 65 anos em 19,17 anos – 17,36 anos para os homens e 20,56 para as mulheres (ver caixa).

 

“Conjunto de fatores influencia esperança de vida”

A delegada de saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo frisa, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que a esperança de vida “é um indicador que nos ajuda a avaliar a saúde da população”. “No início do século XIX a expectativa de vida começou a aumentar nos primeiros países industrializados, enquanto permaneceu baixa no resto do mundo. Desde 1900 a esperança média de vida a nível mundial mais do que duplicou, situando-se agora acima dos 70 anos”, adianta Sara Duarte, realçando que “a desigualdade da esperança de vida é ainda muito grande entre países e dentro de cada país”, no entanto, “essa desigualdade global diminuiu nas últimas décadas”.

A responsável refere que “existe um conjunto de fatores que influencia a esperança de vida, nomeadamente, genética, acesso aos cuidados de saúde, higiene, dieta e nutrição, exercício físico, tabaco, álcool, taxas de criminalidade”. No que ao Baixo Alentejo diz respeito, a delegada de saúde diz que, “devido às causas multifatoriais, é difícil perceber qual a causa” de na região esse valor “continuar inferior ao Alentejo e ao continente”.

 

Baixo Alentejo regista “distância crescente em relação ao Alentejo e a Portugal”

Marcos Olímpio dos Santos, sociólogo, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS. NOVA.UÉvora), sublinha, por seu turno, que, no caso da esperança de vida à nascença, o facto de o Baixo Alentejo apresentar valores inferiores ao Alentejo e a Portugal é “uma tendência identificada desde há alguns anos, nomeadamente, desde 2008”.

Entre 2008 e 2010, exemplifica o investigador, a esperança de vida à nascença no Baixo Alentejo foi estimada em 77,12 anos, enquanto no Alentejo era de 78,58 anos e em Portugal de 79,29 anos. No período 2017-2019, foi estimada em 78,67 anos, também abaixo do Alentejo (80,35 anos) e de Portugal (80,93 anos). Já no triénio 2020-2022, como referido, a esperança de vida à nascença foi estimada em 78,30 anos – 80,09 anos para o Alentejo e 80,96 para Portugal.

Marcos Olímpio dos Santos frisa que a distância entre o Baixo Alentejo e o Alentejo por um lado, e entre o Baixo Alentejo e Portugal por outro, nos três ciclos referidos, “regista gradualmente aumentos diminutos”, sendo que, em relação ao Alentejo, “a distância agravou-se em cerca de quatro meses, os quais acrescem a um ano, que se manteve entre 2008-2010 e 2020-2022”, e, em relação a Portugal, “a distância agravou-se em cerca de seis meses, que acrescem aos dois anos que se mantiveram também entre 2008- -2010 e 2020-2022”. E a esperança de vida aos 65 anos, prossegue o sociólogo, “segue a mesma tendência”. “Relativamente ao Alentejo, a distância do Baixo Alentejo era de 0,77 anos em 2008-2010 e de 1,00 em 2020-2022. Já em relação a Portugal, a distância era de 1,16 em 2008-2010 e de 1,44 em 2020-2022”, adianta, referindo que se colocam, assim, duas questões: “Para além da posição menos favorável do Baixo Alentejo, acresce também o agravamento dessa posição, que se traduz numa distância crescente (ainda que pouco expressiva) em relação ao Alentejo e a Portugal”.

De acordo com o investigador, “a explicação para que o Baixo Alentejo apresente as menores esperanças de vida referidas exige uma análise muita detalhada que não foi possível efetuar”. No entanto, diz, “é possível adiantar que uma menor esperança de vida poderá dever-se a uma mortalidade acrescida por idades (ou seja, a padrões de mortalidade específicos por idade), desde a mortalidade infantil até à mortalidade em idades mais avançadas, que podem ser afetadas por algumas doenças (por exemplo, cardiovasculares, cancro e diabetes e de outros tipos de mortes evitáveis, em particular antes dos 65 anos)”.

Marcos Olímpio dos Santos considera ainda que “não se afigura que outros fatores explicativos, tais como fatores socioeconómicos (situações de pobreza e riqueza), ambiente físico (poluição, acesso a áreas verdes, extremos climáticos, disponibilidade de áreas caminháveis, etc.) e acesso aos serviços de saúde, estes com algum impacto em outros contextos, possam influenciar (significativamente) a mortalidade e a esperança de vida no Baixo Alentejo”.

 

Adoção de estilos de vida saudáveis e reforçar apoio a idosos

Perante estas “Tábuas de Mortalidade NUTS II – Esperanças de Vida NUTS III 2020-2022”, o investigador aponta “como medidas suscetíveis de serem tomadas”, para que o Baixo Alentejo deixe de figurar nos últimos lugares da tabela, “incentivar a expansão de iniciativas que promovam estilos de vida saudáveis” e “reforçar o apoio a pessoas idosas – e outras em situação de vulnerabilidade –, para que lhes sejam garantidas condições de subsistência indispensáveis, com reflexos positivos na sua saúde, somática e mental”. Para além destas, acrescenta, “também se poderá estimular a pesquisa sobre padrões de mortalidade específicos por idade (e sobre outros fatores que conseguem, de alguma forma, influenciar a esperança de vida), pois só a partir do conhecimento das causas se poderá implementar medidas que sejam efetivas”. Medidas idênticas são avançadas pela delegada de saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo. “Em relação às medidas que poderão ser tomadas incluem-se adoção de comportamentos mais saudáveis, como não fumar, evitar a ingestão de álcool, fazer atividade física de forma regular, fazer uma alimentação equilibrada e o reforço do sistema de saúde”.A finalizar, “e como questão relevante sobre o tema”, diz Marcos Olímpio dos Santos, “fica a preocupação com os efeitos adversos decorrentes das dificuldades que a população portuguesa em geral e, a do Baixo Alentejo em particular, atravessam, o que poderá comprometer no médio prazo um aumento desejável da esperança de vida à nascença e aos 65 anos”.

 

Diferenças entre homens e mulheresO “registo mais elevado de mortes masculinas, e, por conseguinte, de uma menor esperança de vida à nascença e aos 65 anos”, frisa o investigador Marcos Olímpio dos Santos, “deve-se a vários fatores, alguns dos quais, ao interagirem, podem potenciar desfechos fatais mais precocemente”, nomeadamente, “profissões de maior risco e maior probabilidade de acidente, suicídio, homicídio, maior consumo de tabaco, álcool e estupefacientes”. Esta tendência, adianta o sociólogo, tem-se mantido “ao longo dos séculos”. Os dados do INE para o Alentejo revelam, contudo, que no triénio 2020-2022 a esperança de vida à nascença para os homens aumentou 0,38 anos comparativamente ao período 2019-2021, o dobro do aumento registado para as mulheres. Situação semelhante foi verificada na esperança de vida aos 65 anos, com os homens a aumentarem 0,4 anos em 2020-2022, quase o dobro das mulheres.

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