Compreender o território, diagnosticar as necessidades de cada comunidade cigana e trabalhar em soluções para devolver a “dignidade de que elas são titulares” foi o mote que conduziu a visita das ministras Adjunta e dos Assuntos Parlamentares e da Habitação e dos secretários de Estado da Educação e da Igualdade e Migração a Beja, na passada terça-feira. A comitiva governamental reuniu-se ainda com a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo e com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
O bairro das Pedreiras, em Beja, recebeu na manhã da passada terça-feira, dia 22, a visita da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, da ministra da Habitação, Marina Gonçalves, do secretário de Estado da Educação, António Leite, e da secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Rodrigues, a propósito da revisão da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas.
Sob o sol abrasador, a visita, guiada pelo presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC), Prudêncio Canhoto, antecedeu a reunião agendada com a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal). O bairro serviu de exemplo para sensibilizar para os problemas que têm de ser solucionados neste âmbito e que “se arrastam há muitos anos”.
Em declarações aos jornalistas, Ana Catarina Mendes afirmou que “o trabalho que o Governo está a fazer” a propósito desta estratégia surge, “precisamente, para respondermos aos problemas que existem aqui no bairro das Pedreiras, mas que há também um pouco espalhados por todo o País”.
Sem querer “prometer moinhos de vento”, no final da visita garantiu que o primeiro passo para começar é “ter aqui uma equipa multidisciplinar que possa fazer o levantamento daquilo que é a real caracterização desta população”, uma vez que “uma família não é igual a outra e as exigências não são as mesmas de família para família”.
“O estado social é mesmo esse, trabalhar com cada uma das famílias, ter projetos para cada uma das famílias e conseguirmos encontrar soluções. Não basta dizer que são 100 ou 200 crianças que vão à escola todas as semanas. Não basta dizer que as crianças são segregadas numa turma entre os sete e os 18 anos. É preciso ter dados concretos e trabalhar esses dados. É preciso trabalho de terreno [e numa lógica multidisciplinar] que agregue todas as áreas governativas, as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), as nossas autarquias e os representantes das comunidades ciganas, para que o levantamento seja mesmo feito, porque visitar por visitar não vale a pena, porque todos nós ficámos impressionados com o que assistimos”, afirmou.
“HÁ UMA COMUNHÃO DE OBJETIVOS, DE PREOCUPAÇÕES E DE VONTADES”
De seguida, a reunião que serviu para sensibilizar os autarcas dos municípios que constituem a Cimbal, que se fez representar pelo vice-presidente e pelo primeiro secretário, Paulo Arsénio e Fernando Romba, teve um “balanço positivo”, no sentido “em que há uma comunhão de objetivos, de preocupações e de vontades de querer de facto encontrar soluções que permitam devolver a dignidade às pessoas”, disse, ao “Diário do Alentejo”, a secretária de Estado para a Igualdade e Migrações.
Isabel Rodrigues esclareceu que esta primeira reunião serviu para começar a “preparar, a nível regional”, o diagnóstico já referido e, a partir daí, “desenvolver um trabalho não apenas de conceção, mas também de implementação das soluções”.
Sem querer avançar qualquer medida de atuação antes de se proceder a este reconhecimento, o vice-presidente da Cimbal, Paulo Arsénio, confirmou o estabelecimento de um grupo de trabalho, “a ser constituído já nas próximas semanas”, entre as várias autarquias, “para que se faça o quanto antes o diagnóstico da situação em cada um dos municípios desta comunidade para que depois se possa atacar o problema com a perspetiva de soluções únicas ou diversificadas”.
Os primeiros resultados desta identificação territorial deverão ser revelados “até ao final do ano”, conforme pedido pelo Governo, e, por isso, o vice-presidente prevê que os municípios comecem a “trabalhar a uma velocidade rápida” para que, posteriormente, se possa “atacar esta situação de muita fragilidade que afeta esta comunidade”.
Questionado ainda quanto à ausência da Câmara Municipal de Beja no acompanhamento da visita ao bairro das Pedreiras, o também presidente da autarquia referiu que aquela serviu de exemplo para se compreender o território numa “perspetiva mais alargada” e que “não havia necessidade do município acompanhar uma situação que conhece perfeitamente”.
Além da comitiva governamental, fizeram-se representar também na visita ao bairro das Pedreiras o Alto Comissariado para as Migrações, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana. Os governantes reuniram-se ainda, nesse mesmo dia, com a CCDR do Alentejo.
NOVO CONCEITO DE MEDIADOR ESTÁ A SER TRABALHADO
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares avançou, também, que o Governo encontra-se a “trabalhar” na “recuperação da figura do mediador” e, consequentemente, num novo conceito.
Segundo Ana Catarina Mendes, “é essencial que o mediador faça, como o próprio nome indica, esta mediação entre o bairro e os tecidos populacionais precisamente para não ficarem construídos guetos quando se fizerem reabilitações urbanas”.
"O BAIRRO DAS PEDREIRAS É UMA EXPERIÊNCIA A NÃO REPLICAR"
Visita governamental esteve em discussão na última reunião da Câmara de Beja
Texto Marco Monteiro Cândido
Quem o diz é Paulo Arsénio, presidente da Câmara Municipal de Beja (CMB), referindo-se ao facto de o bairro das Pedreiras, com o tempo, ter-se tornado num gueto, quando não seria essa a intenção inicial aquando da sua construção.
Um dia depois da visita ao bairro das Pedreiras, em Beja, o assunto esteve em discussão na reunião da CMB, que teve lugar na passada quarta-feira. Relativamente ao tema, foi o vereador da CDU na oposição, Vítor Picado, que começou por levantar algumas questões, nomeadamente, se a autarquia teria tido conhecimento da mesma, se a teria acompanhado e “que medidas concretas é que resultaram” para o espaço.
Paulo Arsénio respondeu que o executivo sabia da visita por parte dos responsáveis governamentais, sendo que “em 2018 já tinha havido uma primeira visita, na altura só com secretários de Estado”, de características similares, mas, que, agora, por ter sido o último dia em que se poderia “apresentar um conjunto de alterações ao Portugal 2030”, o executivo não pôde estar presente.
“A Câmara Municipal de Beja estar presente ou não na visita em si, de uma realidade que conhece, de uma população que conhece, de um diagnóstico social que tem bem levantado, não faria grande diferença”.
O autarca sublinhou que se vai tentar, no âmbito da Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas, que “haja algumas soluções, não de forma isolada para o bairro das Pedreiras”. Paulo Arsénio defende que deve ser uma solução integrada a nível regional, abrangendo todas as comunidades de etnia cigana, nomeadamente, em Moura, Vidigueira e Beja, entre outras.
“Naturalmente que o bairro das Pedreiras é o ponto mais complexo, mais visível, é o bairro maior (…)”.
E continuou: “Mas o que saiu dessa reunião é que vai ser formado um grupo de trabalho multidisciplinar coordenado pela secretária de Estado [da Igualdade e Migrações], Isabel Rodrigues, que vai integrar vários municípios da Cimbal e que irá preparar, presume-se, uma candidatura de âmbito europeu (…) para fazer intervenções junto destas comunidades”. Intervenção, acrescentou o presidente da CMB, não só a nível habitacional, mas também educativo e de acesso ao mercado laboral, apontando o final do ano como a expectativa para que haja “um conjunto de decisões importantes que comecem a fazer a diferença na vida destas comunidades”.
Nuno Palma Ferro, vereador da oposição da coligação “Beja Consegue”, também abordou o assunto, não tendo ficado agradado com a resposta de Paulo Arsénio, por considerar “não responder” ao que pretenderia saber.
“Não há justificação para, num assunto que pode trazer o início de uma resolução, uma mais-valia, a câmara municipal não estar representada. (…) A câmara municipal tem que estar representada aquando da visita de um ministro ao nosso concelho, ainda por cima para ver problemas que são nossos”.
Nuno Palma Ferro sustentou a sua posição referindo que, à luz da resposta de Paulo Arsénio, a autarquia nunca estaria representada “em situação nenhuma”.
“Como tem o problema bem monitorizado, bem identificado, não precisa de lá estar. Não me satisfaz essa resposta e espero que tenha outra para me dar”.
O vereador sem pelouro continuou, questionando o executivo se haveria medidas, a nível central ou local, para resolver o problema do bairro das Pedreiras, alegando que, desde que exerce funções de vereação, não viu quaisquer medidas nesse sentido.
O presidente da CMB referiu que iria estar a repetir-se, colocando a tónica naquilo que o Governo pretende fazer em relação ao bairro das Pedreiras e a outras comunidades ciganas, do concelho de Beja e da região, nomeadamente, ao nível da educação.
“No mandato anterior (…) houve uma visita semelhante, houve a criação de expectativas elevadas e houve a expectativa da comunidade de que iriam ser distribuídas casas muito rapidamente a todas as pessoas (…). Portanto, isto tem que ser tratado com muita atenção, com muita cautela e com muita ponderação, porque estamos a lidar com pessoas e com uma situação particularmente delicada do ponte de vista social no nosso concelho (…)”.