Diário do Alentejo

"Não estamos a falar de “panaceia”, nem de “remédio milagroso,” mas, sim, de mais uma “arma” terapêutica, a acrescentar às existentes, útil em indicações clínicas precisas, bem estabelecidas e regulamentadas"

16 de julho 2023 - 13:00
Foto | DRFoto | DR

Ana Matos Pires tem 59 anos e é natural de Santo Tirso. É licenciada em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, mestre em Psiquiatria e Saúde Mental pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, diretora do Departamento de Saúde Mental e do serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba), coordenadora Regional da Saúde Mental da Administração Regional de Saúde do Alentejo e membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental do Ministério da Saúde. É também feminista.

 

Recentemente foi coautora de um artigo científico publicado, na passada semana, na prestigiada revista “Nature Medicine”, com o título “Tratamentos com psicadélicos na saúde mental impõem desafios para o consentimento informado”.

 

Texto José Serrano

 

Como nos resume este artigo?

Os estudos com psicadélicos têm surgido nos últimos tempos, utilizando as regulamentações para ensaios clínicos. Os psicadélicos são drogas psicoativas, serotoninérgicas, com efeitos alucinogénios que afetam a perceção, o humor e os processos cognitivos. Os atípicos têm farmacologia diferente e determinam uma experiência subjetiva qualitativamente distinta. Ambos induzem estados alterados de consciência e são considerados fisiologicamente seguros, com potencial limitado de abuso. Devem ser administrados em combinação com algum tipo de intervenção psicológica. Antes da sua aprovação para uso clínico devemos abordar desafios éticos e regulatórios únicos que não estão previstos nos normativos dos ensaios clínicos. É esta a temática do artigo.

 

Qual a sua opinião relativamente ao uso de psicadélicos no tratamento de determinados quadros psiquiátricos?

Podem ser mais uma alternativa útil em casos clínicos bem determinados, assim estejam garantidos todos os requisitos clínicos e éticos para a sua utilização.

 

A utilização destas terapêuticas, em oposição às mais tradicionais, poderá manifestar-se decisiva em determinadas condições de saúde mental?

Não falaria em “oposição”, antes em benefícios, que mais uma estratégia de intervenção farmacológica disponível, para o tratamento de alguns quadros clínicos, trará seguramente. Não estamos a falar de “panaceia”, nem de “remédio milagroso” e substituto de todas as formas de tratamento farmacológico, físico, de neuromodulação ou psicoterapêutico, mas, sim, de mais uma “arma” terapêutica, a acrescentar às existentes, útil em indicações clínicas precisas, bem estabelecidas e regulamentadas.

 

Considera que as patologias psiquiátricas diagnosticadas no Baixo Alentejo podem beneficiar destes tratamentos?

As patologias psiquiátricas diagnosticadas na região são as mesmas que em qualquer outro lugar do mundo, por isso, a resposta só pode ser afirmativa, assim se tenha a regulamentação completa do uso.

 

Quais as reflexões que gostaria que o artigo viesse a colocar “em cima da mesa”, no âmbito da realidade do tratamento da saúde mental na região?

As reflexões são as que se colocam universalmente. Não é por acaso que o artigo foi aceite para publicação numa revista como a “Nature Medicine”. Trata-se de questões transversais ao uso destas substâncias, em que as regulamentações devem ser homogéneas. Nomeadamente, desenvolver diretrizes para consentimento informado alargado e protocolos de administração standard para terapias com psicadélicos, bem como garantir a definição de procedimentos e a qualificação e credenciação dos profissionais.

 

Comentários