Diário do Alentejo

Mudança no uso do solo coloca existência do sisão em perigo

07 de julho 2023 - 11:00
Zona de Proteção Especial do Campo Branco, em Castro Verde, é último reduto para as aves estepárias
Foto | Iván VRFoto | Iván VR

A alteração do uso da terra em vastas zonas do Alentejo está a levar à extinção do sisão, uma ave estepária que sofreu um declínio de 77 por cento desde 2006. O Campo Branco, em Castro Verde, é o seu último refúgio.

 

Texto Aníbal Fernandes *

 

Segundo um estudo realizado pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio-Biopolis) da Universidade do Porto, se não forem “implementadas medidas de emergência” a presença do sisão em Portugal pode extinguir-se “dentro de poucos anos”.

 

Como causas para este fenómeno são apresentadas as práticas agrícolas que transformaram áreas de cereal em pastagens, interferindo, assim, no ciclo reprodutivo do sisão, o que levou a que a população desta ave muito característica do Alentejo sofresse um declínio de 77 por cento a nível nacional, desde 2006.

 

A investigação – que incidiu não só nas áreas protegidas, chamadas de Zonas de Proteção Especial (ZPE) – comparou os dados atuais com censos nacionais realizados a partir de 2006 e concluiu que cerca de dois terços do declínio agora observado (60 por cento) teve lugar nos últimos seis anos e atribuiu as causas do desaparecimento ao “uso do solo, produção de gado e expansão de infraestruturas (estradas e linhas elétricas)”.

 

Fora das ZPE, onde a espécie está “quase extinta”, a conversão da agricultura, antes essencialmente cerealífera, para regadios dominados por culturas permanentes como o olival ou o amendoal “representaram uma quase total perda de habitat para esta espécie”, outrora com uma presença assinalável em todo o Alentejo.

 

Já dentro das ZPE, “o abandono do apoio dos cereais em detrimento da produção de gado, essencialmente, bovino, terá contribuído para a conversão de áreas de sequeiro para pastagens permanentes e culturas forrageiras” que, embora mais favoráveis para a nidificação, são cortadas em plena época de nidificação, destruindo ovos, crias e por vezes os adultos.

 

João Paulo Silva, o primeiro autor do estudo, acrescenta ainda que, para além do sisão, existem outras espécies altamente ameaçadas, nomeadamente, a abetarda e a águia-caçadeira, e avisa que “mesmo práticas incentivadas por medidas agroambientais não aparentam ser compatíveis com a conservação do sisão”, já que “a zona estepária mais importante do País coincidente com a região de Castro Verde com uma medida agroambiental dedicada, e com um bom nível de adesão de agricultores, registou um declínio de 45 por cento da população sisão em apenas seis anos”.

 

Rita Alcazar, coordenadora da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) em Castro Verde, onde existe a maior ZPE para aves estepárias, entrevistada pelo “Diário do Alentejo”, não se mostra optimista quanto ao futuro na região do Campo Branco e diz que a recuperação “será difícil sem medidas agroambientais que apoiem os agricultores”.

 

Neste ano entrou em vigor nova legislação resultante da nova Política Agrícola Comum (PAC), mas “ainda não conseguimos avaliar a adesão dos agricultores, uma vez que as candidaturas não terminaram”, explica a técnica da LPN. O adiamento do corte de fenos seria visto com bons olhos uma vez que, normalmente, é realizado “quando as aves estão a incubar”. No entanto, só com “medidas compensatórias aos agricultores essa medida poderá ter algum sucesso”, conclui.

 

O sisão tinha uma presença importante em todo o Alentejo, e daí ser um óptimo indicador – mas as quebras observadas foram acima de 90 por cento fora das ZPE, e mesmo nestas zonas se observaram declínios acentuados. Rita Alcazar diz que, em Castro Verde, “era garantido numa visita avistarmos a espécie, mas hoje é necessário mais tempo e, às vezes, não se consegue observar”.

 

Segundo a bióloga da LPN, a última contagem disponível aponta para a existência de 1850 machos de sisão, cerca de metade do efetivo detetado há 20 anos. Quanto à abetarda, e também apenas na ZPE de Castro Verde, entre machos e fêmeas são agora 800, o que compara com 1350 recenseados há uma década.

 

CEREAIS SUBSTITUIDOS POR PASTAGENS O estudo recorda que “a produção de cereais deixou de ser subsidiada em 2005” e foi substituída por apoios “às pastagens de gado”, dizendo os autores que, “embora já tivesse sido identificado o impacto do gado bovino” no declínio das espécies estepárias, esse impacto “continua e intensificou-se”.

 

O aumento da temperatura média e as longas ondas de calor e a seca também contribuem para o declínio das espécies, já que o habitat não apresenta as características habituais.

 

Dinis Cortes – autor da coluna “Cadernos da Biodiversidade” no “Diário do Alentejo – é um especialista na observação de pássaros e colaborador da Wildscape, uma empresa que promove a natureza e a biodiversidade.

 

“Tem sido cada vez mais difícil encontrar sisões nas nossas saídas. Em março e abril ainda foi possível identificar alguns apenas pelo seu som característico que se ouve a longa distância, mas nesta altura não conseguimos ver nenhum”, confirma, acrescentando que, em tempos não muito distantes, “entre a ponte de Serpa e Quintos, com algumas zonas de cereal, havia uma dúzia de casais”, mas, com o fim dessa cultura, “desapareceram”.

 

*com Lusa

 

“AVE SINGULAR”

Segundo o site “avesdeportugal”, o sisão é uma “ave singular, com pescoço negro e voo assobiado”. Considerado um ícone das planícies alentejanas, é visto como uma abetarda em miniatura. O macho é identificado pelo seu pescoço preto com riscas brancas; a fêmea é acastanhada.

 

“Em voo, ambos apresentam uma enorme mancha branca nas asas, com o macho que tem uma das asas primárias mais curta que as restantes, a anunciar-se com “um silvo característico”.

 

Pertence ao grupo das chamadas aves estepárias, frequentando, principalmente, campos de cereais e pastagens. É uma espécie essencialmente residente, mas no inverno pode formar bandos de várias centenas de aves.

 

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