Diário do Alentejo

“Gosto de palavras que funcionem para abrir emoções”

25 de junho 2023 - 13:00
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Vítor Encarnação tem 58 anos e é natural de Aldeia de Palheiros, no concelho de Ourique. Morou em Ourique e Castro Verde e concluiu o ensino secundário em Almada. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Vive em Ourique, onde é professor de Inglês e Alemão. É cronista de jornais e publicou livros de poesia, crónicas, contos e literatura infantil.

 

No âmbito da Feira do Livro de Beja, que decorre até domingo, foi apresentado ontem, dia 24, às 17:30 horas, no espaço Assesta (terreiro dos Valentes), o seu livro Nada mais havendo a acrescentar – livro 5. Com ilustrações de Joaquim Rosa e prefácio de Paula Santos. Esta obra reúne 104 crónicas publicadas entre maio de 2021 e maio de 2023 no jornal “Diário do Alentejo”.

 

Texto José Serrano

 

Como nos apresenta as crónicas deste seu “quinto”?

Cada crónica é o registo de uma visão, de um pensamento. Cada uma trata de assuntos que não são mais do que a frágil condição humana e de alguns subterfúgios e compensações que usamos para a combater: o amor, a amizade, a alienação, a cisma, a sobranceria, a coragem, a desistência. Cada crónica é um postal que escrevo a contar coisas sobre viagens interiores.

 

Disse, há tempos, que procura na sua escrita um “nexo relativamente à vida e a todos os seus reversos”. Continuam estas crónicas a fazer parte dessa demanda?

Sempre. Cada um dos textos é o estabelecer de uma dúvida, uma tentativa de resposta ou a afirmação plena de uma convicção, relativamente à forma como vivemos, ou não vivemos, como nos relacionamos com a nossa consciência, com os outros, com as nossas raízes e com os nossos desejos. Cada crónica é uma forma de partilhar uma certa inquietação que, parecendo que é só nossa, é, afinal, comum a tanta gente.

 

É expectável que esse “nexo relativamente à vida” se vá tornando mais percetível à medida que vamos envelhecendo ou esse mesmo nexo vai-se constantemente metamorfoseando, criando novos desafios de descodificação?

A forma como interpreto a realidade tem vindo a mudar com a idade. Há questões existenciais que deixaram de ser cavalos de batalha, amainaram. O eterno conflito entre o desejo e a natureza das coisas já não é tão acirrado. Não significa que haja uma resignação ao destino e um abandono das quimeras, mas tenho conseguido cada vez mais descobrir-me dentro do que já existe, do que sou e do que já tenho.  

 

Permite-lhe a sua condição de escritor viajar até ao que já passou e ao que está por acontecer?

A escrita é uma forma de poder regressar ao passado e antecipar o futuro, ir a sítios onde o tempo e o corpo, os dois maiores limitadores da nossa vida, não nos deixam ir. Ao longo dos anos, fui criando personagens e cada um, à sua maneira, fruto da sua circunstância, fala sobre o tempo, a infância, a saudade, a vida, a morte, a esperança, a desilusão, o Alentejo. Através delas, eu posso até fazer de conta que não tenho nada a ver com aquilo.

 

O que procura dar aos leitores do “Diário do Alentejo” através das suas histórias semanais?

Procuro essencialmente que cada texto, fruto de uma humilde tentativa de elevar as coisas comuns e banais a uma dimensão um pouco mais estética, sobreviva à espuma destes dias tão rotineiros e superficiais. Gosto de arranjar palavras que funcionem como chaves para abrir emoções. Do outro lado encontrarei certamente algumas portas que se deixam abrir. 

 

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