Diário do Alentejo

A importância de potenciar “as características das lãs alentejanas”

16 de junho 2023 - 13:00
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Rosa Pomar tem 47 anos e é natural de Lisboa. É pós-graduada em História Medieval pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e autora do blogue “A ervilha cor de rosa”, onde escreve sobre temas do património vernacular, e do livro Malhas Portuguesas, sobre a história e a técnica do tricô no País.

 

Desde 2019 que se dedica à produção de fios de tricô com lã de raças portuguesas. Neste ano criou a sua primeira peça de pronto-avestir, um casaco de malha farm to fashion, rastreável do rebanho até à peça final.

 

Recentemente, apresentou na sua retrosaria, homónima, em Lisboa, um casaco com novo fio de lã de três raças ovinas autóctones do Alentejo: campaniça (raça autóctone do Campo Branco, região que se estende pelos concelhos de Mértola, Almodôvar, Castro Verde e Ourique), merino branco e merino preto.

 

Texto José Serrano 

 

Quais as principais características das “lãs alentejanas” que a seduziram?

Apesar de me interessar por todas as lãs autóctones, confesso que a lã campaniça é a minha preferida, com características que a tornam uma matéria-prima de excelência para os meus fios. A campaniça tem também a sorte de ter uma associação de produtores interessada em valorizar a sua lã, a ACOS – Associação de Agricultores do Sul, que comigo tem vindo a colaborar.

 

Para a criação deste novo casaco de lã existiu uma articulação entre designers e produtores?

Para criar uma peça rastreável desde a origem da matéria-prima é essencial trabalhar em colaboração com todos os intervenientes no processo. Neste caso, a ACOS e a Ancorme – Associação Nacional de Criadores de Ovinos de Raça Merina foram responsáveis pela seleção da lã. O trabalho das associações é indispensável para motivar os criadores a estimarem a lã dos seus animais, valorizando-a. O meu trabalho foi o de conceber um fio que potenciasse as características das lãs alentejanas e uma peça de vestuário que pudesse ser usada por homens e mulheres.

 

É este casaco uma peça artística de vestuário pela forma como a sua conceção foi pensada?

Ao convidar seis artistas para criarem outras tantas peças únicas a partir de um casaco demos origem a peças que podemos chamar de artísticas. Essas peças tiveram um enorme sucesso junto do público. Alguns dos artistas basearam a sua peça em elementos da nossa cultura têxtil, como as camisolas poveiras ou os bordados de Castelo Branco. E a minha peça foi inspirada por um antigo alforge bordado no Baixo Alentejo.

 

Qual a importância da transformação de produtos autóctones, enquanto bens procurados por uma franja de consumidores?

Estima-se que metade da lã anualmente produzida em Portugal seja desperdiçada – é insustentável produzir matéria-prima para deitar ao lixo. Cabe a todos a responsabilidade de consumir produtos com a mínima pegada ecológica e isso inclui consumir local. Esse tipo de consumidores tem crescido ao longo dos últimos anos e pode crescer mais, à medida que nos tornarmos mais informados.

 

É este um produto de luxo, na medida da sua qualidade?

Espero que não, a não ser que usemos a palavra “luxo” como sinónimo de qualidade. O consumidor consciente opta por produtos de melhor qualidade e, por conseguinte, mais dispendiosos, mas, simultaneamente, opta por comprar menos quantidade. É esse público que quero que venha ao encontro dos meus produtos, sejam os fios ou as peças de pronto-a-vestir. Podemos ter um bom casaco de lã, que dura muitos anos, em vez de duas ou três peças de marcas baratas, feitas com fibras sintéticas, que ao fim de pouco tempo estão imprestáveis.

 

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