Diário do Alentejo

Fotovoltaica em Ferreira: autarquia com reservas e associação ZERO contra

16 de abril 2023 - 09:30
Período de consulta pública do estudo de impacte ambiental terminou na segunda-feira
Foto | José Serrano/ArquivoFoto | José Serrano/Arquivo

O projeto para a instalação de uma nova central fotovoltaica e uma linha de muito alta tensão em Ferreira do Alentejo merecem reservas do município local, com a ZERO –  Associação Sistema Terreste Sustentável a manifestar-se contra. Segunda-feira passada terminou o período de consulta pública do estudo de impacte ambiental e a bola está agora nas mãos da Agência Portuguesa do Ambiente.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Os ambientalistas da associação ZERO contestam a construção de uma nova central solar fotovoltaica em Ferreira do Alentejo, considerando que a mesma “põe em causa uma das áreas mais ricas do Baixo Alentejo” no que respeita à conservação da natureza.

 

Também o município, que participou no processo de consulta pública com um documento a que o “Diário do Alentejo” teve acesso, considera que o projeto de 750 hectares, com localização nas uniões de freguesias de Ferreira do Alentejo e Canhestros e de Alfundão e Peroguarda, salienta a importância “de se conceber uma metodologia de intervenção que sirva de forma equilibrada os interesses económicos e os interesses comuns da sociedade, sem que se percam as referências espaciais próprias”.

 

Um dos pontos negativos apontados pela Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo refere-se ao “impacte negativo ao nível do valor cénico da paisagem” que irá “ser drasticamente alterada”, tornando uma “zona de caráter rural” num “cenário artificializado”.

 

O município considera que as medidas de mitigação constantes do projeto, nomeadamente, “a plantação de uma faixa de sebes arbóreas e arbustivas, junto ao IP8, (…) “não se afiguram capazes de evitar esse impacte”, sugerindo “a não colocação de painéis solares em toda a encosta visível a partir da estrada nacional”.

 

A fauna e a flora autóctones também são uma preocupação para a autarquia, alertando para que “perante a área proposta a ser desflorestada, desmatada e decapada e consequente valor ecológico perdido”, há que acautelar a manutenção deste habitat e ter em conta “as atividades económicas locais que dependem da flora, nomeadamente a apicultura”.

 

SISTEMA HIDROGEOLÓGICO

O estudo de impacte ambiental (EIA) reconhece impactes no sistema hidrogeológico na fase de construção do projeto, incluindo a “redução no sistema de recarga das massas de água subterrâneas resultantes da compactação do solo e/ou da diminuição da área de infiltração” e a “interseção do nível freático e eventual contaminação através de derrames acidentais de substâncias poluentes”.

 

No EIA lê-se ainda que “não foi realizado nenhum estudo hidrogeológico para a área de estudo, pelo que se desconhece a profundidade do nível freático nas diversas zonas”, mas diz não ser “espectável que seja intersetado”.

 

O município chama a atenção para o facto da zona norte do projeto se localizar perto de duas captações de água pública para consumo humano dos mais de 1200 habitantes de Alfundão e Peroguarda, e que representam mais de metade das necessidades desta zona de abastecimento.

 

“Num contexto de escassez de recursos hídricos disponíveis, com períodos de seca cada vez mais acentuados, com impactes significativos no volume de água disponível para o abastecimento público, devem ser sempre salvaguardados os perímetros de proteção às captações, assim como as zonas de recarga dos aquíferos”, entende a autarquia, mostrando que uma parte do dito perímetro não é respeitada pela proposta.

 

CONTRAPARTIDAS EXIGEM-SE

Luís Pita Ameixa, presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, considera que estes projetos deviam contribuir mais para a comunidade local defendendo a criação de “mecanismos que favoreçam a fixação local das mais-valias da exploração dos recursos naturais, de modo que o saldo entre o que se produz e a riqueza ou investimento que efetivamente ficam na região não seja deficitário”.

 

O autarca pretende que seja criada uma tributação “tendo em conta o volume total de negócios gerado em cada território, permitindo que possa reverter a favor dos municípios” 2,5 por cento do volume de negócios, medida que, entre outras, é reivindicada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

 

A autarquia defende ainda “distâncias mínimas de salvaguarda em relação a perímetros urbanos, zonas de lazer, linhas de água e recursos hídricos com origens subterrâneas e superficiais, edifícios classificados e a empreendimentos turísticos, estradas nacionais, caminhos municipais e a habitações isoladas”.

 

Quanto ao património arquitetónico, a contribuição do município refere o “Forno de Farias pela sua importância e valor cultural, propondo medidas de salvaguarda e musealização na união das freguesias de Alfundão e Peroguarda”.

 

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

A associação ambientalista ZERO, em comunicado, considera que a central proposta está projetada para “uma área ímpar do Baixo Alentejo” ao nível da conservação da natureza” e que contribui para “o cumprimento da meta de proteção de 30 por cento das áreas terrestres da União Europeia até 2030, definida na Estratégia para a Biodiversidade”.

 

O projeto, promovido pelas empresas IncognitWorld Unipessoal e a Qsun Portugal 4 Unipessoal, que pretendem investir 156,4 milhões de euros na construção desta central solar fotovoltaica, será, segundo os ambientalistas, implantado “numa zona de afloramentos rochosos dos Gabros de Beja, conhecida como a serra do Paço e propõe-se atingir uma potência nominal máxima de 187 megavolt-ampere (MVA) e quase 234 quilowatts de potência de pico (kWp) instalados, permitindo produzir, em média, 451 gigawatts hora por ano (GWh/ano).

 

No comunicado, a ZERO recorda que “a riqueza desta área em termos de biodiversidade levou a que fosse considerada para a classificação como Sítio da Rede Natura 2000, ao abrigo da Diretiva Habitats (Diretiva 92/43/CEE)”, assinalando, no entanto, que o processo não foi concluído. “Só recentemente se começaram a conhecer de forma mais completa os valores botânicos em presença e que hoje se reconhecem como únicos, albergando espécies Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou em Perigo de Extinção”, disse a associação.

 

A ZERO, na sua contestação, defende que, entre a sua imensa riqueza florística, existem oito núcleos com espécies vulneráveis, criticamente em perigo ou quase ameaçadas que serão “afetadas diretamente pela implementação dos painéis, instalação da vedação, caminhos novos e faixa de gestão de combustível”, e que “dado o elevado desconhecimento que ainda existe sobre a área e a dinâmica das suas espécies, existe um elevado risco de afetação de valores atualmente não identificados”, sublinham.

Comentários