Diário do Alentejo

Embora com alguma “apreensão”, setor vinícola está em crescimento

07 de abril 2023 - 09:30
Mercado a granel caiu em valor e volume, contudo, produtores acreditam na sua “florescência”
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Regressa hoje, após três anos de interregno, o Vidigueira Vinho. Um evento que pretende promover a produção vinícola e o vinho enquanto produto de excelência do concelho. Esta é uma altura atípica, face aos “esmagadores” custos de produção, porém, os produtores esperam conseguir manter a quantidade e a qualidade dos vinhos com “o engenho e a arte” característicos da região.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Entre a vila de Vidigueira e a freguesia de Vila de Frades, a cerca de cinco quilómetros, a vista perde-se entre pequenos e grandes hectares de vinha plantada. A vindima passada, que terminou em meados de outubro, já não é uma das prioridades para os produtores; agora as atenções estão na apanha da uva que virá. Ainda que o futuro seja incerto, uma vez que “na atividade agrícola as contas fazem-se no fim”, sabe-se de antemão que não será uma campanha fácil.

 

Desde o início do século que o setor vinícola tem sofrido algumas pressões quanto ao aumento do custo de produção que, assim como a maioria das áreas, agravou com os constrangimentos causados pela pandemia de covid-19.

 

Arlindo Ruivo, antigo professor e enófilo de Vila de Frades, recorda ao “Diário do Alentejo” (“DA”) que “no final do século passado e início dos anos 2000” se cotava a uva a “200 escudos, um euro” e que, agora, “quando nos oferecem 0,35 cêntimos, ficamos satisfeitos”.

 

O último ano, ainda resfriado dos três anteriores em que o País e o resto do mundo funcionaram a meio gás, fez “triplicar e quadruplicar” as despesas da atividade económica associada ao ramo, tendo deixado o mesmo dividido em duas fases.

 

“O setor vitivinícola da região do Baixo Alentejo está neste momento em duas fases distintas: a primeira com empresas que, apesar das dificuldades dos anos de pandemia, estão a crescer em volume de vendas e em valor, especialmente, devido ao crescimento do mercado de exportação e enoturismo, e a outra, com empresas que dependiam, essencialmente, da venda de uvas e do mercado a granel, que estão a passar mais dificuldades, pois o mercado caiu em valor e em volume”, explica, por sua vez, o enólogo Luís Morgado Leão.

 

Este, segundo Arlindo Ruivo, é também um dos motivos que explica o abandono, cada vez mais frequente, das terras com vinha, o que há 20 anos “era absolutamente impensável”, e do desaparecimento de pequenos produtores.

 

“Quando passeamos pelo campo há áreas de vinha abandonadas, mas em completo abandono, e isto era absolutamente impensável há 20 anos, e uma das razões são os custos de produção. Numa atividade que se exerce em minifúndio ainda pior, porque os titulares dessas explorações de até 10 hectares não têm capacidade para responder. E se hoje o Ministério da Agricultura resolvesse retirar o apoio à renovação das vinhas, o abandono, então, seria de um dia para o outro, não havia qualquer capacidade para se revitalizar”, realça o enófilo de 82 anos.

 

Multimédia0Foto | Tiago Vale 

 

“SEMPRE OUVI DIZER QUE A ATIVIDADE AGRÍCOLA É A MANEIRA DE EMPOBRECER ALEGREMENTE”

Rosto de uma das marcas conhecidas da vila, a Geração da Talha, Arlindo Ruivo não se considera “a pessoa mais especializada” em enologia para falar sobre o setor, contudo, quem o rodeia não partilha da mesma opinião. Sabe de cor que casta precisa de utilizar para dar determinada cor, corpo ou acidez ao vinho e acredita que para o fazer “é necessário um acompanhamento muito grande e uma atividade sensorial enorme”.

 

Sabe que o vinho que produz, o tradicional vinho de talha, em conjunto com uma das netas, tem “um nicho pequeno” de consumidores face ao preço a ele aplicado, contudo, vê que nos últimos anos este tem ganho novos adeptos.

 

“Nesta terra, este vinho sempre foi feito. Não é ainda hoje o vinho mercantilizado, mas a verdade é que houve um aumento enorme de vinhas e vinhos de talha por serem artesanais. Houve, de facto, uma revivificação dos vinhos de talha que só se deveu à nossa sociedade que, mesmo involuntariamente, está consciente de que estamos a viver num mundo atolado de químicos que sujam a água, a terra e o ar e quando aparece um produto artesanal e natural a dona de casa no supermercado, mesmo que lhe digam que é mais caro, não se importa”, diz.

 

Ainda assim, o antigo professor tem noção de que o seu produto ainda não consegue concorrer de forma direta com os vinhos industrializados e que está num outro “mundo económico”.

 

“Dou este exemplo: aqui em casa uma mulher a trabalhar durante o dia é capaz de rotular 200 ou 300 garrafas, se for numa adega cooperativa engarrafa 16 mil à hora”, realça. E acrescenta: “Este vinho não se fabrica, faz-se. E antigamente é que se enganava alguém a comprar, hoje não. Hoje, quanto melhor e quanto mais apetecível for o produto, maior é a sua colocação [no mercado] ”.

 

Multimédia1Foto | Ricardo Zambujo

 

“DIZER QUE O SETOR NÃO TEM FLORESCÊNCIA NÃO É VERDADE”

Para Luís Morgado Leão, enólogo numa das maiores herdades do concelho de Vidigueira, a Quinta do Paral, em Selmes, o momento atual do setor vinícola é de “alguma apreensão”, em parte causada pelo “aumento da área de plantação da vinha imposta pelos organismos oficiais que vieram desregular os preços das uvas e dos vinhos”. Por esta razão, e pela particularidade de ser uma “atividade a céu aberto”, Arlindo Ruivo relembra também a importância dos apoios.

 

“Costumo dizer que na atividade agrícola as contas fazem-se no fim, porque quantas vezes a esperança, a ansiedade, o gosto pela atividade sucumbe a uma geada, a um tornado, a uma granizada… Como tal, é importante que esta atividade seja apoiada e que se mantenha o apoio económico para a revitalização das vinhas rentáveis, porque ao fim de 20, 30, 40 anos as vinhas estão arrumadas e é preciso que os seus detentores tenham algum estofo para o fazer”, salienta.

 

Contudo, tanto o enófilo, como Luís Morgado Leão, acreditam na “resiliência” e na “florescência” do ramo e do Baixo Alentejo.

 

“O Baixo Alentejo, uma região resiliente, tem neste momento os projetos vitivinícolas mais importantes de todo o Alentejo, com uma capacidade incrível em termos de qualidade dos seus vinhos, não só a Vidigueira como denominação de origem, como também a zona de Beja e Mértola, com empresas a crescerem e a fazerem o que de melhor se faz no mundo vinícola, a comprovar os imensos prémios internacionais ganhos pelos vinhos do Baixo Alentejo”, afirma o enólogo de 51 anos.

 

PRIMEIRA DESTILARIA DE ÁGUA ARDENTE DE VINHO DE TALHA INAUGURADA AMANHÃ

Uma das novidades do Vidigueira Vinho 2023 está agendada para amanhã, dia 8, na Adega-museu Cella Vinaria Antiqua, em Vila de Frades, com a inauguração da primeira destilaria de aguardente de vinho de talha.

 

Ao “DA”, António Honrado, proprietário da adega, diz que esta surge como um “aproveitar daquilo que sobra do vinho de talha, sendo um subproduto das massas que estão dentro das talhas”.  No total, adianta que ficarão disponíveis quatro novos produtos (aguardente bagaceira, aguardente vínica, licor abafado e medronho fermentado em potes de barro) que “poderão ser procurados, adquiridos e permitir que o turista venha aqui ao concelho”.

 

Assim, segundo o proprietário de 54 anos, “estes novos produtos são uma forma de aproveitar todo o potencial do vinho de talha, dando um novo motivo para se falar sobre este vinho”, conclui.

 

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