Diário do Alentejo

Alentejo regista ligeira descida de novos casos de tuberculose

01 de abril 2023 - 11:00
Odemira é o concelho alentejano com maior incidência
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

O número de novos casos de tuberculose tem vindo a diminuir no Alentejo, à semelhança do que se verifica a nível nacional. No caso do distrito de Beja, em 2021 foram notificados 23 casos, o mesmo número de 2020. Analisando a distribuição por concelhos no distrito, verifica-se, no entanto, que, no quinquénio 2017-2021, Odemira e Beja registaram um aumento de casos relativamente ao quinquénio 2016-2020.

 

A delegada de Saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo sublinha que, “embora uma diminuição no número de casos seja positiva, é importante notar que a tuberculose é ainda uma doença que requer atenção contínua” e diz, ainda, que a pandemia de covid-19 “poderá ter potenciado uma subnotificação de casos”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O distrito de Beja registou em 2021, pelo segundo ano consecutivo, 23 novos casos de tuberculose, de acordo com o Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal de 2022, divulgado na semana passada pelo Programa Nacional para a Tuberculose da Direção-Geral de Saúde (DGS).

 

Estes são os números mais baixos apresentados pelo distrito nos últimos cinco anos: 25 casos em 2016, 29 em 2017, 27 em 2018 e 30 em 2019. Ainda segundo o mesmo documento, o distrito apresentava em 2021 uma taxa de notificação de 15,9 casos por 100 mil habitantes (em 2020 era de 16,4), também a mais baixa dos últimos anos. Apesar disso, Beja é, dos três distritos alentejanos, o que tem vindo a registar a maior incidência de tuberculose – em 2021, Portalegre registou 13 casos  e Évora três.

 

Sara Duarte, delegada de saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo, refere, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que poderão ser vários os fatores que contribuem para que Beja seja o distrito alentejano com o maior número de casos notificados de tuberculose, nomeadamente, “condições socioeconómicas desfavoráveis: condições presentes ou passadas de riscos laborais, condições de baixa literacia em saúde, falta de suporte e proteção social; idade: população idosa, mais comorbilidades como diabetes e tabagismo;  migração: aumento do número de migrantes oriundos de países com elevadas incidências; e notificação: um maior alerta clínico para a deteção e notificação de casos pelos serviços de saúde”. 

 

A responsável frisa, no entanto, “que cada região tem as suas especificidades e que seria necessário um estudo mais aprofundado para determinar as causas exatas dos números na região”.

 

ALENTEJO COM LIGEIRO DECRÉSCIMO EM 2021

Já no conjunto das sete regiões de Portugal Continental e regiões autónomas, o Alentejo surge, em 2021, em quarto lugar, com 47 casos, menos dois do que em 2020, e uma taxa de notificação de 10 casos por 100 mil habitantes (em 2020 era de 10,6), abaixo da média nacional – 14,6 casos por 100 mil habitantes.

 

A delegada de saúde coordenadora substituta sublinha que, “embora uma diminuição no número de casos seja positiva, é importante notar que a tuberculose é ainda uma doença que requer atenção contínua”.

 

“É importante notar que a taxa de incidência da tuberculose na região do Alentejo, assim como em qualquer região do mundo, pode variar de acordo com fatores individuais e contextuais (como a idade, o sexo, o estado imunológico, o acesso aos cuidados de saúde e o tipo de acesso aos cuidados e o tipo de comunidade em que as pessoas vivem)”, esclarece.

 

Além disso, prossegue Sara Duarte, “a tuberculose é uma doença que requer especial atenção em grupos vulneráveis como crianças com menos de seis anos, reclusos, doentes com infeção HIV, alcoólicos, fumadores, sem-abrigo, utentes candidatos a terapêutica biológica ou outros tratamentos imunossupressores, toxicodependentes e imigrantes de países de elevada incidência de tuberculose”.

 

Quanto às razões que poderão explicar a ligeira diminuição do número de novos casos de tuberculose em 2021 no Alentejo, a responsável aponta “as intervenções de prevenção e diagnóstico (como é caso o rastreio de tuberculose realizado em 2022 no Centro de Diagnóstico Pneumológico – CDP de Beja a imigrantes timorenses); a realização de medidas de controlo, como a TOD – toma observada direta, em que o tratamento é realizado sob observação diária por um enfermeiro/a com uma taxa de cobertura de aproximadamente 100 por cento na área de abrangência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba); a identificação de contactos a rastrear (pessoas expostas a doentes com tuberculose bacilíferos que preenchem os critérios definidos pela DGS); e esforços para melhorar o acesso a cuidados de saúde para grupos vulneráveis”.

 

A Sara Duarte realça, ainda, que os dados do Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal de 2022 “se reportam a um período em que o País e o mundo se encontravam num momento excecional, vivido pela pandemia causada pela infeção pelo vírus SARS-CoV-2”, e que “este momento desafiante para todos, de extrema exigência para os profissionais de saúde, que estiveram durante os últimos dois anos dedicados quase em exclusivo à pandemia, poderá ter potenciado uma subnotificação de casos de tuberculose”.

 

No entanto, reforça uma vez mais, estas “são apenas hipóteses”, sendo “que seria necessário um estudo mais aprofundado para determinar com precisão os fatores que contribuíram para a diminuição dos casos de tuberculose” no Alentejo.

 

ODEMIRA E BEJA REGISTAM AUMENTO DE NOVOS CASOS 

Analisando a distribuição por concelhos no distrito de Beja, de acordo com o mesmo relatório, no quinquénio 2017-2021 Odemira foi o que registou o maior número de casos, 54, mais nove do que no quinquénio 2016-2020, correspondendo a uma taxa de notificação de 43,7 casos por 100 mil habitantes (no quinquénio 2016-2020 era de 36,6 casos por 100 mil habitantes).

 

Odemira é, igualmente, o concelho alentejano que apresenta o maior número de casos e taxa de notificação, o que já se verificava no quinquénio 2016-2020.

 

Beja surge como o segundo concelho do distrito de Beja e o terceiro do Alentejo com o maior número de casos entre 2017-2021, 35, mais cinco do que no quinquénio 2016-2020, tendo passado, assim, de uma taxa de notificação de 17,9 casos por 100 mil habitantes para 20,8 casos.

 

Aljustrel, por sua vez, o terceiro concelho do distrito com mais casos entre 2017--2021, registou um decréscimo relativamente a 2016-2020, passando de 14 para nove e de uma taxa de notificação de 33,8 casos por 100 mil habitantes para 21,8. O mesmo se observou em Ferreira do Alentejo – o quarto concelho da lista –, com oito casos entre 2017 e 2021, menos três do que no quinquénio 2016-2020 (passou de uma taxa de notificação de 28 casos por 100 mil habitantes para 20,4).

 

Os restantes concelhos do distrito registaram, no quinquénio 2017-2021, menos de seis casos cada um e taxas de notificação abaixo dos 15 casos por 100 mil habitantes – Almodôvar e Moura, cinco; Cuba, Vidigueira, Castro Verde e Serpa, três; Ourique, dois; e Alvito e Mértola (um).

 

FORMA MAIS COMUM "É A PULMONAR"

A tuberculose é uma doença infetocontagiosa, curável, causada por uma micobactéria designada Mycobacterium tuberculosis e cuja transmissão ocorre por via aérea. De acordo com a delegada de Saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo, “nem todos os doentes com tuberculose são um risco para terceiros, pois existem várias formas de tuberculose e nem todas são contagiosas”.

 

A forma mais comum “é a pulmonar (75 por cento), contudo, a doença pode ocorrer noutros locais, como nos gânglios, no rim e no intestino, entre outros”, adianta a responsável, explicando que “um doente com tuberculose pulmonar bacilífero liberta bacilos de Koch quando tosse, espirra, fala e canta” e que “os bacilos expelidos ficam em suspensão e podem ser inalados pelos indivíduos com contacto próximo com o doente”.

 

O risco de contágio, diz Sara Duarte, “depende de vários fatores, como as características do espaço onde ocorre o contacto, o tipo de contacto, o tempo de exposição, a contagiosidade do caso índice e o estado imunológico da pessoa exposta”.

 

Se o sistema imunitário “das pessoas expostas não estiver comprometido, e a pessoa for imunocompetente, o seu sistema imunológico está em condições de responder eficazmente e o bacilo é destruído pelo aparelho respiratório”.

 

Em situações em que a pessoa exposta se encontra imunocomprometida, “o bacilo pode provocar a doença ativa ou pode multiplicar-se, entrar na circulação e ficar ‘adormecido’ por períodos mais ou menos longos — infeção latente”. Os contactos que ficam infetados se não fizerem tratamento profilático (preventivo), “podem, em 10 por cento, vir a desenvolver a doença na forma ativa ao longo da vida”.

 

A delegada de saúde coordenadora substituta realça que “há pelo menos 400 gerações que a espécie humana é infetada, adoece e morre com tuberculose”. “Na verdade, a doença permanece um problema de saúde pública a nível global. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) traçou estratégias que têm como meta a sua erradicação até 2035”, diz.

 

Nesse sentido, adianta, a Unidade de Saúde Pública (USP) do Baixo Alentejo desenvolve a sua intervenção em articulação com várias unidades e serviços da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, “desde o diagnóstico até à alta dos doentes com tuberculose”. Esta articulação, considera, “é fundamental, num território tão extenso como o da área de abrangência da Ulsba”.

 

A articulação ocorre, por exemplo, “com equipas dos cuidados hospitalares, pois, muitas vezes, é ainda no hospital que a intervenção da USP se inicia com a realização do inquérito epidemiológico (IE) ao caso índice, após a notificação da doença (pois a tuberculose é uma das doenças de notificação obrigatória).

 

Os contactos com critério para realização de rastreio (definidos pelo Programa Nacional para a Tuberculose da DGS) são idenficados pela equipa da USP durante o IE e são, posteriormente, enviados à equipa do Centro de Diagnóstico Pneumológico de Beja para agendamento do rastreio do contacto e acompanhamento dos utentes.

 

O CDP está integrado na Ulsba e tem uma equipa multidisciplinar que dá cumprimento às orientações internacionais e nacionais no que respeita à prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose”, explica a responsável.

 

Segundo Sara Duarte, para “atingir os objetivos de erradicação da doença definidos pela OMS para 2035 é essencial que se mantenha um programa de luta contra a tuberculose eficaz, com recursos humanos e materiais adequados”.

 

“O diagnóstico precoce para diminuir a mediada de dias até ao diagnóstico, o tratamento adequado com fármacos de qualidade, o rastreio de contactos e o tratamento profilático (preventivo) de casos de tuberculose latente são medidas de extrema importância”, reforça, concluindo que “aspetos como formação dos profissionais e a educação da população, assim como o envolvimento de todos os profissionais de saúde, comunicação social e sociedade civil, podem permitir atingir o objetivo de um mundo sem tuberculose”.

 

OS SINTOMAS

Os “sintomas sugestivos” da doença e “que são os sinais de alerta mais comuns” são, segundo avança a delegada de saúde coordenadora substituta do Baixo Alentejo, “uma tosse que se prolonga além de duas semanas e não melhora com a medicação habitual, tosse essa que pode ser acompanhada de sudorese noturna (suar durante a noite), falta de apetite, emagrecimento, astenia (falta de forças), cansaço sem motivo, febre vespertina (ao final do dia) e por vezes hemoptises (expetoração com presença de sangue)”.

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