Diário do Alentejo

Borregos do Campo Branco afetados pela seca

31 de março 2023 - 10:00
Produtores reclamam apoios para redução dos custos dos fatores de produção
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Castro Verde recebe no fim de semana mais um Festival Sabores do Borrego. É também o início da respetiva semana gastronómica, que decorre, pela primeira vez, nos concelhos de Aljustrel, Almodôvar e Ourique, para além de Castro Verde. Tudo isto, num momento em que a seca, para além do aumento dos custos de produção, afeta o setor.

 

Texto Marco Monteiro Cândido

 

Entre Castro Verde e Casével, em pleno Campo Branco, fica a herdade da Barrigoa, na grande área da reserva mundial da biosfera, distinguida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco). O seu proprietário, António Lopes Inácio, é criador de borregos, sobejamente conhecidos pela sua qualidade, consequência da criação em extensivo, o que lhes dá características organoléticas únicas. Mas é também presidente do Agrupamento de Produtores de Carnes do Campo Branco (Apccb), um consórcio criado em 2003 e que visa assegurar a “rentabilidade das explorações agrícolas dos seus acionistas, (…) promover a concentração da oferta, a venda e a regularização dos preços dos efetivos pecuários”. 

 

O setor do borrego está a viver dias difíceis e apesar de a produção ser absorvida pelo mercado, não havendo excedentes nem problemas de escoamento, o tempo é de crise. “Não chove, não temos pastagens, os fatores de produção são caríssimos e têm aumentado que tem sido uma coisa soberba”.

 

Falta de água em terrenos pobres, em que a solução é o aproveitamento dos animais e das pastagens, em regime extensivo e de sequeiro, aliada à subida dos fatores de produção, são os ingredientes de uma tempestade quase perfeita em tempos de seca.

 

“Os preços nos animais não subiram o dobro, mas nas rações sim. Os adubos, isso, então, foi uma loucura, de 200 e poucos euros a tonelada, para 800, 800 e tal. Tudo isto subiu muito e os nossos preços não acompanham, nem podem acompanhar, porque se o fizerem, principalmente, em Portugal, com os salários que temos e com o custo de vida, as pessoas deixam de poder comprar”.

 

A herdade de António Lopes Inácio fica no coração da Zona de Proteção Especial (ZPE) de Castro Verde, uma área da maior importância para a conservação da avifauna estepária, onde se destacam a abetarda (Otis tarda) e o francelho (Falco naumannii). No entanto, essa circunstância traz uma série de constrangimentos para os produtores de borrego da região, mas também de outras fileiras e agricultores.

 

“Nós não podemos fazer um projeto com painéis solares, um projeto de sobreiros, não podemos fazer… Estamos limitados: e essas limitações não nos são pagas. E, depois, temos uma série de restrições que nós temos de cumprir, que começam a ser muito complicadas para o dia a dia da nossa agricultura. Este ano há uma nova medida em que nós temos de deixar 20 por cento da área de pastagem sem ser pastoreada entre o início de março até ao dia 15 de junho. Ora, com a crise que há, não temos pastagens mesmo tendo a área toda, e ainda vamos ter que deixar 20 por cento dessa área de pastagem?”.

 

João Pedro Lourenço, técnico zootécnico do Apccb, refere que, apesar de as condições climatéricas, principalmente, nos últimos anos, não serem as melhores, as raças de ovinos utilizadas no Campo Branco são “mais rústicas e adaptadas às condições locais, principalmente, de solos e de clima”.

 

No entanto, isso não invalida alguns cuidados a ter, como a criação de sombras nas propriedades. E nem a anunciada ligação da barragem do Monte da Rocha a Alqueva, através da barragem do Roxo, permite, no médio prazo, alterar substancialmente a realidade da região.

 

“Não estamos ainda dotados de infraestruturas e de canais de rega, de bocas de rega, para que possamos irrigar as culturas nas nossas explorações. As explorações no Campo Branco teriam de se dotar de equipamentos de rega e de infraestruturas para que pudéssemos beneficiar dessa ligação, mas isso parece-me ainda uma coisa muito longínqua”.

 

AS AJUDAS QUE POUCO AJUDAM

“Não venham dizer que as pessoas querem dinheiro. Deem ajudas nos fatores de produção. Ajudem nas rações, nos adubos, tudo isso são ajudas, agora vêm para a televisão dizer que dão x por ovelha, ou x por vaca, ou x por hectare de cereal. Isso não é verdade, não corresponde à realidade. É mentira”.

 

António Lopes Inácio vê a situação desta forma: as ajudas no setor da pecuária deveriam ser ao nível do controlo dos preços dos fatores de produção e muito menos no dinheiro que é atribuído individualmente. Até porque, na sua opinião, o cenário poderá ser o de redução de efetivos.

 

“Aqui no Campo Branco, durante pouco tempo, já foram abatidas, se calhar, quatro ou cinco mil vacas, mas de criar, não eram vacas para abate. E as ovelhas qualquer dia começam [a ser abatidas] porque as pessoas veem-se numa situação com pouco dinheiro, muitos custos, muito dinheiro a investir em alimentos. Preferem vender do que estar a sacrificar-se, a eles e aos animais. Isto está muito complicado e as ajudas são anunciadas, mas nunca chegaram cá”. 

 

Todos os setores sob a tutela do Ministério da Agricultura têm contestado, nos últimos meses, as políticas adotadas, com especial incidência nas manifestações promovidas pela Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), em que é pedida, exaustivamente, a demissão da ministra Maria do Céu Antunes.

 

Para o presidente do Apccb, não será essa a solução adequada. “A gente pede muito a demissão da ministra, mas eu acho, que apesar de a senhora não perceber nada deste setor, desta área, ela não é a culpada. Venha quem vier, temos de mudar a política. Enquanto não se mudar a política, não vale a pena, (…) porque quem resolve o problema é o primeiro-ministro e ele não quer mudar de política. Ele não gosta da agricultura, portanto, não vale a pena a gente ter ilusões”.

 

UM BORREGO DIFERENTE

Momento de excelência para promover o borrego do Campo Branco. É assim que João Pedro Lourenço, técnico zootécnico do Agrupamento de Produtores de Carnes do Campo Branco (Apccb), descreve o Fertival do Borrego, que decorre até domingo em Castro Verde, e a respetiva semana gastronómica, que se prolonga até 9 de abril.

 

“É uma oportunidade de provar este borrego que é realmente um produto de excelência da nossa região, (…) porque este borrego tem muito a ver com o maneio como é criado e com o seu maneio alimentar: mantém-se em permanência durante todo o dia e ao longo de quase todo o ano com a ovelha, com a mãe, e só é desmamado e tirado do campo na altura em que vai para abate. Animal mais natural do que este é impossível. E isto confere características organoléticas à carne deste borrego distintas do borrego que vem de fora, não tem comparação".

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