Diário do Alentejo

“Viver e trabalhar em stresse provoca a ilusão que vivemos bem”

26 de março 2023 - 12:00
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Francisco Moita Flores é natural de Moura. Tem o nome associado a uma vasta obra que se distribui pelo romance, televisão, cinema e teatro. “Ballet Rose”, “Raia dos Medos”, “O Processo dos Távora”, “A Ferreirinha”, “A Fúria das Vinhas”, “Não Há Lugar Para Divorciadas”, “Polícias sem História”, “Filhos do Vento”, “Mataram o Sidónio”, são algumas das adaptações, de autores como Aquilino Ribeiro, Eça de Queirós, Júlio Dinis, que o tornaram uma figura da dramaturgia escrita em português. É traduzido em várias línguas, premiado, em Portugal e no estrangeiro, e já foi distinguido com a condecoração de Grande Oficial da Ordem do Infante.

 

Recentemente lançou o livro "Enfarte no Alto do Parque",  um testemunho sobre uma paragem cardíaca e como prevenir uma “morte súbita”.

 

Texto José Serrano

 Como nos conta o episódio pelo qual passou, que deu origem a este livro?Era um domingo soalheiro, que fechava a Feira do Livro de Lisboa de 2022. Às cinco da tarde, estacionei o carro e desci em direção ao pavilhão da Editora LEYA para iniciar a última sessão de autógrafos. Caminhei vagarosamente para desfrutar da beleza da cidade e, antes de entrar na feira, comi uma fartura – ritual que cumpro há 40 anos. Dirigi-me à mesa que me estava destinada, vi os leitores, em fila, esperando a sua vez de lhes assinar os seus livros, cumprimentei a minha editora e… caí para o lado, inanimado.

Constitui esta obra uma prova da sua “ressuscitação”, de sublinhar que ainda não é chegada a sua hora?Vivi uma história de sucesso, apesar do sofrimento. No pavilhão LEYA estavam três médicos a comprar livros, um deles cardiologista. Percebendo a situação, de imediato se entreajudaram nas manobras de reanimação. Chamaram o INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica], pediram um desfibrilhador (felizmente a feira disponha destes aparelhos) e “ressuscitaram-me”. Fui transportado para o Hospital de Santa Marta e submetido à necessária cirurgia de urgência. Acordei 10 dias depois. Foi, então, que soube que sofrera um enfarte agudo do miocárdio, numa situação de morte súbita. A ideia de escrever este pequeno livro surgiu quase dois meses depois.

 

Pretende este livro, também, alertar para a necessidade de as pessoas se prevenirem face ao enfarte do miocárdio, adotando regras salutares?Faço parte de uma estatística nada agradável. Apenas cinco por cento de vítimas de situação de morte súbita, fora de contexto hospitalar e sem acompanhamento médico, conseguem sobreviver. Aliás, as doenças cardíacas e vasculares cerebrais são a primeira causa de morte em Portugal. É urgente que as instituições públicas, as empresas, os espaços de concentração de muitas pessoas, tenham desfibrilhadores e funcionários preparados para acudir a casos como o meu. Viver e trabalhar em stresse, com muito tabaco à mistura, provoca a ilusão que vivemos bem. Ninguém ganha tempo ao tempo e fumar é uma estupidez. Quanto aos petiscos alentejanos, nada melhor do que a sensatez para os gozar durante muitos anos. Espero que os leitores retirem estas conclusões do meu livro, em nome da sua saúde.

 

Ter “fintado” a morte permitiu-lhe encontrar uma nova perspetiva sobre a sua própria existência?Quanto a mim, já é tarde para grandes “retificações” no modo de vida. Se o enfarte tem ocorrido há 40 anos, não tenho dúvidas de que teria percorrido um caminho bem diferente. Agora, já septuagenário, tomei algumas medidas drásticas no que respeita ao tabaco e à dieta. Faço caminhadas e, já que a conheci, espero que a morte esteja afastada por mais alguns anos, pois a nossa relação não foi uma agradável surpresa.

 

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