A Associação Círculo Primaveril e a Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo têm em prática a “Escola de Anciãos”, um projeto-piloto que visa mostrar que a economia circular não é uma temática recente e que as tradições e a cultura alentejana são um exemplo de sustentabilidade. A lã, a bolota, o porco, as folhas de oliveira e o cante alentejano são algumas das práticas em análise que sustentarão os futuros projetos e o kit de replicação.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
A baixa densidade populacional, face à “clara questão do êxodo rural”, associada à elevada percentagem de população envelhecida fez com que o concelho de Cuba fosse o escolhido para dar início ao projeto-piloto “Escola de Anciãos”. Promovido pela Associação Círculo Primaveril – Associação para a Promoção da Economia Circular e da Ecoinovação Social e pela Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo, este pretende colocar em evidência a necessidade de se olhar para as tradições da região, preservando-as, e tornando-as, ao mesmo tempo, úteis e desejáveis aos dias de hoje.
Mariana Pinto e Costa, presidente da associação, refere que viu que o conhecimento ancestral “estava presente nas pessoas com mais idade e experiência, mas que, normalmente, não estava a ser passado de geração em geração”, e que era importante intervir a esse nível e fazer desse saber um motor económico e social para a região.
Desta forma, a “Escola de Anciãos” passa por mapear e categorizar as diferentes práticas, através de entrevistas ou de oficinas com o público sénior, para mais tarde implementar um “programa de empreendedorismo”, com vista ao surgimento de novos negócios e projetos aplicáveis e economicamente fiáveis que têm como base as técnicas e os conhecimentos mais antigos.
“Neste momento estamos a concluir a fase do mapeamento e em abril vamos dar início ao programa de empreendedorismo. Este terá um plano de ideação, aceleração, prototipagem/ /apoio à implementação no mercado e apoio à integração e à venda destes produtos a partir de soluções ecommerce no sentido de ajudar as pessoas a expandir [os seus negócios]”, explica.
Esta última fase, ainda que “aberta” a qualquer pessoa, tem como “prioridade” grupos em risco de exclusão social, uma vez que pretende criar oportunidades de negócio para quem, de momento, não as tem. Contudo, Mariana Pinto e Costa relembra que a intenção é formar um “grupo bastante heterogéneo” e por isso há a possibilidade de integrar empreendedores seniores, em reconversão de carreira, migrantes e associações que trabalham com públicos com deficiência.
“A VERDADEIRA ECONOMIA CIRCULAR ERA [FEITA] NA CASA DOS NOSSOS AVÓS”
Um dos propósitos deste projeto-piloto, além de salvaguardar o conhecimento ancestral e encorajar a um envelhecimento ativo, é também promover os objetivos da economia circular.
“A minha área de especialização é a economia circular e uma coisa que para mim sempre foi muito clara é que, na verdade, este conceito não é novo, mas, sim, um recuperar daquilo que já se fazia há alguns anos. Portanto, todas estas noções que a economia circular vem agora propor sempre foram utilizadas no dia a dia pelos nossos pais e avós”, revela.
Para a gestora de projetos, foram “os nossos pais e avós” que, inconscientemente, deram início “à verdadeira economia circular” quando “havia toda a questão do reparar e reutilizar”. “Por exemplo, as roupas passavam de uns irmãos para os outros e o que avariava era reparado e quando isso não era possível transformava-se [para outra funcionalidade]. Nessa altura, havia toda esta noção de que os recursos são escassos e que então tínhamos de fazer o máximo com eles”, realça.
Mariana Pinto e Costa, das cerca de 60 práticas ancestrais já mapeadas, dá o exemplo dos benefícios para a saúde das folhas de oliveira que, sendo uma área “pouco explorada”, poderá trazer a criação de bons projetos para os novos empreendedores e assim um maior aproveitamento deste recurso natural.
“A folha de oliveira, que não é muito explorada e existe em todo o lado, tem inúmeros benefícios para a saúde, como, por exemplo, para a circulação sanguínea, a retenção de líquidos e/ou o emagrecimento e poucas pessoas o sabem. Portanto, antigamente não se sabia o porquê daquilo fazer bem, mas agora, com o conhecimento científico que existe, este saber ganha um enorme potencial se for pensado e trabalhado”, comenta.
No total, e com a fase do mapeamento a terminar, o projeto, após análise, ficará com “30 a 40 práticas” divididas por categorias, sendo que estas não deverão ter “mais do que seis” atividades em cada uma. Até ao momento, e segundo Mariana Pinto e Costa, o esboço final aponta as áreas da “agricultura tradicional”, “gastronomia alentejana”, “mobiliário e decoração”, “vestuário e calçado”, “arquitetura e construção tradicional”, “serralharia e olaria” e “aquicultura” como as possíveis categorias de trabalho.
“A APRENDIZAGEM NECESSÁRIA PARA PRODUZIRMOS UM KIT DE REPLICAÇÃO PARA OUTRAS REGIÕES”
Os resultados do projeto são claros e Mariana Pinto e Costa mostra-se confiante quanto ao futuro dos mesmos.
“No âmbito deste projeto-piloto o que nós queremos é garantir a sobrevivência destes projetos e assegurar esta cultura de debater os temas [da sustentabilidade] de forma intergeracional e de incluir todos estes públicos nesta discussão, fazendo com que isto passe a ser algo comum e natural”, garante.
Contudo, as ambições de “Escola de Anciãos” vão mais longe. Ainda que pensado e estruturado para ser implementado no Alentejo, para a presidente, a diferença desta iniciativa-piloto está na sua possibilidade de replicação em qualquer zona do País.
“Por outro lado, um dos nossos grandes objetivos futuros é aprender com todo o processo e perceber o que é necessário ajustar para depois desenvolvermos um kit que permita facilmente replicar este projeto e o impacto do mesmo noutras regiões. Assim, queremos que a ‘Escola de Anciãos’ seja algo replicável e escalável, que mantenha a tradição cada vez mais viva e que seja parte essencial e crucial do desenvolvimento sustentável”, conclui.
“O PÚBLICO SÉNIOR TEM UMA IDEIA INCORRETA DE QUE OS JOVENS NÃO TÊM INTERESSE EM OUVIR AS SUAS HISTÓRIAS”
Para Mariana Pinto e Costa, esta barreira de gerações e, consequentemente, este perder de tradições e cultura que existe é o resultado de uma “ideia incorreta” que é perpetuada. Durante as oficinas notou que o público sénior acredita que “os mais jovens não têm interesse em ouvir as suas histórias e as suas experiências” e que, por isso, também não têm iniciativa de as contar e ensinar.
“E, às vezes, pode ser uma realidade no contexto em que a pessoa vive, mas não quer dizer que não existam outras pessoas de fora que não queiram realmente ouvir estas histórias e conhecer estes conhecimentos”, salienta.
A “Escola de Anciãos” vem também ela combater o estigma associado até então. Fazer perceber que, assim como o cante alentejano que é cada vez mais apreciado e valorizado pelos jovens, também há cada vez mais quem procure a olaria e o artesanato tradicional, por exemplo, para exercer profissionalmente.
“E, de facto, quando eles começam mesmo a perceber isso, e que há quem faça perguntas e está realmente interessado em ouvir, começam a ganhar muito na ótica do bem-estar e da autoestima, de sentirem que aquele conhecimento é bom e válido e que também pertencem à sociedade”, afirma a também formadora de 34 anos.
Além do valor pessoal, o projeto traz ainda potencial económico, competitividade e pessoas para a região que a dinamizam, aos níveis financeiro, social, cultural e ambiental.