Rui Nabeiro completou recentemente 80 anos de vida e a sua empresa, a Delta Cafés, acaba de celebrar 50. O empresário que transformou Campo Maior na capital ibérica do café revela ao “Diário do Alentejo” as três chaves mestras para o seu sucesso: otimismo, trabalho e exigência. Cavaleiro da Ordem do Infante desde 2006, Nabeiro censura a acomodação dos políticos portugueses e lamenta a falta de uma atitude preciosa para o crescimento do País: saber sorrir.
“Quem distribui, recebe”, ensina o empreendedor que, do zero, levantou na província mais pobre de Portugal uma empresa que hoje integra três mil colaboradores. Nabeiro diz -se otimista em relação ao futuro do Alentejo e do País. Mas é na sua região natal que deposita mais e melhores esperanças: “Aqui há amor”. O governo espanhol acaba de o nomear cônsul de Espanha no Alentejo.
Texto Paulo Barriga
Fez recentemente 80 anos, mas aparenta ser um jovem de 20, com a dinâmica e a energia que tem… O que é gostava de ser quando for grande?
Essa forma de me colocar a pergunta é curiosa. De facto nós sonhamos sempre o que queremos ser, o que queremos fazer. Sonhei sempre, porque sou filho de gente muito humilde. A minha mãe e o meu pai foram trabalhadores do campo. A minha mãe, contudo, tinha um carisma ainda mais humilde. Vemos a vida dos nossos pais e pensamos também sonhar. Sempre me vi a sonhar, pensando como seria possível fazer uma vida diferente. Em criança, realmente, cada passo que dava era um passo a sonhar.
Todos os dias acontecem na sua vida como se fosse o primeiro. Desse sonho ainda falta realizar alguma parte?
O homem nunca completa aquilo que realmente se propõe a fazer. Tenho muitas coisas que gostaria de ter feito e que possivelmente não fiz. Penso que com a idade que tenho posso continuar a sonhar e continuar a realizar. O homem pode fazer muitas coisas e pode fazer sempre mais. Estou em débito com a minha consciência, não de não realizar ou de não trabalhar. Mas porque podia ter posto ainda mais audácia ao serviço. A audácia dá-se quando o homem tem a sorte de ter a felicidade consigo próprio… e eu até a tive sempre do meu lado.
Passou por diferentes tempos históricos em Portugal. Nasceu nos anos 30, em plena Guerra Civil. Depois aconteceu a II Guerra Mundial, a época negra do Estado Novo. Passou pelo 25 Abril. Como é que um homem que viu tanta coisa acontecer neste País encara os tempos de hoje?
Eu tenho muito otimismo em viver. O homem que tem otimismo em viver consegue normalmente fazer uma leitura certa das coisas. Nasci nos 30 e esses anos trouxeram às pessoas do nosso País, e concretamente do nosso Alentejo, muitas carências. Vivia-se muito mal. Hoje é pena que ainda haja muita gente a viver mal, mas nessa altura vivíamos todos mal. Eu vivia num quarto com os meus pais e mais quatro irmãos. Hoje continua a acontecer a mesma situação que me aconteceu a mim e a muita gente. Mas agora acontece porque queremos… temos que ter otimismo e ir em frente, porque em outros tempos também se queria um bocado de terra para se plantar alguma coisa e não existia. Hoje as situações podem ser quase iguais, mas só não planta qualquer coisa quem não quer.
O que é que acha que falhou em Portugal? Terá falhado a falta de espírito empreendedor na gestão da coisa pública?
Penso que falhámos todos. Falo muito pela minha experiência própria. Eu crio emprego, invento o emprego, invento o posto de trabalho. Mentalizo os meus homens a trabalhar e eles respondem. E por que é que não respondem aos outros? Talvez por falta da gestão de quem lidera. Os governantes, sejam quem forem, têm muito para fazer e muito para nos responder. A nossa cultura não acompanhou a evolução dos tempos e isso criou-nos dificuldades.
O País está “conformado”, ao contrário dos valores que incute na sua empresa, na sua vida e até nos mais jovens, em Campo Maior. Como é que encara essa resignação nacional?
Encaro-a com muita preocupação. Penso que as pessoas têm que reagir pelos seus próprios meios e têm que exigir, tal como eu próprio exijo. Temos todos que exigir uns dos outros: de nós, dos governantes, dos administradores, dos comerciais, dos parceiros de trabalho... Temos tantos jovens preparados para a vida e os percentuais de formação intelectual são de tal forma grandes que podemos ajudar-nos todos uns aos outros. É o que faço diariamente. Penso que conseguirei fazer ainda mais. Todos os dias dou o exemplo e todos os dias tenho uma resposta positiva. O mundo vai responder!
Foi presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, antes e depois do 25 de Abril. Nestas eleições também se envolveu, de alguma forma, no terreno. É um homem atento à coisa pública, à vida política. Como é que classifica a qualidade dos nossos políticos?
Sou um homem que vende e que compra. Que anda na vida do trabalho. E sou um homem ponderado nas minhas apreciações. Acho que o nosso político, seja ele autarca ou não, não pode ser acomodado. Depois ninguém precisa de votos. Os votos chegam naturalmente, à medida que vamos caminhando e que as pessoas veem que estamos no caminho certo. Quando a vida se encontra com um sorriso não há dúvida nenhuma que tudo se torna maravilhoso. É isso que falta aos portugueses: saber sorrir. Os olhos das nossas crianças transmitem-nos, hoje, muita força e muita esperança. Têm muita atitude.
Nesta altura estão a mexer nas regalias sociais, quando há uma empresa privada que as fortalece e que as incentiva…
Desde que me conheço, sempre dividi. Trabalhei sempre em prol da comunidade, mas nunca me esquecendo de mim próprio. Só quando estou bem comigo é que consigo colocar as pessoas que estão em meu redor melhor. Trabalhamos para nós, mas temos de ter é a capacidade de saber trabalhar com os outros e de saber distribuir pelos outros. Quem distribui, recebe. E é isso que a Delta tem feito.
As vezes costumam rotulá-lo de “empresário à antiga”. Estou farto de dar voltas à cabeça e penso: é à antiga como? Não me lembro de ver muita gente ligada às empresas com o espírito de partilha que tem tido a Delta e o senhor Rui Nabeiro…
À antiga não! Nunca! Nós somos mais modernos que qualquer outra empresa. Nós somos mais vanguardistas que nenhuma outra. Desde que começámos a ser empresa sempre soubemos estar com quem estava a trabalhar connosco. Digo com muita frequência: aquilo que sou fui eu que comecei. Mas só se fez a empresa com as pessoas. Quem começou fui eu. Mas fez-se com quem nela trabalhou, com quem nela está a trabalhar hoje e far-se- á com quem vier a seguir. Só assim conseguimos manter toda esta estabilidade.
O Centro Educativo Alice Nabeiro dá a possibilidade às crianças de Campo Maior de aprenderem o significado do empreendedorismo. Isto é algo inédito em Portugal…
A nível nacional não há. Foi sempre um sonho que tive e disse que o faria assim que tivesse condições. Gostava de preparar as crianças para a vida. Creio que, passados cinco anos, as crianças que de lá saíram já são diferentes.
O lema do centro é “ter ideias para mudar o mundo”. Acha que o que falta às crianças e ao País são ideias?
Acho que sim. Esse lema foi feito pelo pessoal da casa e é extraordinariamente feliz. O nosso manual está a começar a dar passos e a nível nacional começam a ter muito interesse nele. Mas eu estou ainda mais interessado. Neste momento, já estamos a caminhar para o segundo fascículo. Atualmente temos um grupo de técnicos já a estudar o complemento deste manual.
Costuma apresentar-se como um alentejano dos cinco costados. Defende a sua região, o seu Alentejo, a sua cultura. Que futuro antevê para a nossa região e para a nossa gente?
Estamos num Alentejo onde existem condições que anteriormente não existiam. Temos água, temos eletricidade. O Alentejo tem condições turísticas, onde não existe um turismo de massa, mas sim de qualidade. Há muitos fatores para que esta região possa ser um exemplo no País. Temos muita coisa já no campo da saúde. Não sei se somos melhores que os outros, mas aqui há amor. Temos muita amizade uns pelos outros e muito respeito. Por natureza sou um otimista e, neste sentido, só posso olhar para o futuro com otimismo. Sou otimista em relação ao Alentejo e ao País.
Pretende investir mais no Baixo Alentejo?
Acho que sim, podemos investir mais, mas onde somos fortes e podemos dar as nossas cartas é no café, que é o ramo que conhecemos bem. Aqui teríamos de entrar no turismo e esse não é, de facto, o nosso setor forte.
Em tempos falou-se numa fábrica de toldos para Beja…
Isso está dentro dos propósitos que se podem fazer nestas imediações. Não temos desenvolvido o setor a esse ponto, uma vez que há muita concorrência no mercado. Quem vende e quem compra nos mais diversos pontos tem de saber dividir. Onde não há uma fábrica, há pessoas a quem compramos as coisas. Uma empresa como a nossa, que vive a nível nacional, tem também de saber ir pondo as pedras nos seus sítios, para que as pessoas saibam reconhecer o nosso carinho e a nossa dedicação. Mas a seu tempo tudo acontecerá…
Foi nomeado pelo governo de Espanha como cônsul de Espanha no Alentejo…
Já tinha sido nomeado pelo governo espanhol, através da embaixada de Lisboa, mas depois existiram formalismos entre os dois países. Levou algum tempo até que isso acontecesse. Creio que é um gesto de simpatia, proveniente também do meu percurso diário por Espanha.
"ALOMOÇO DE DOMINGO"
O escritor José Luís Peixoto mergulhou nas memórias de vida do empresário Rui Nabeiro e apoderou-se delas, fazendo-as suas e transpondo-as para o papel, num romance situado no futuro com um olhar para o passado, intitulado “Almoço de Domingo. Trata-se da história de um “homem de 90 anos, que olha para o seu passado e faz um balanço de vida a partir de episódios significativos da sua história pessoal, que em muitos aspetos tocam a do próprio País, mas tem esse outro lado que para mim foi muito desafiante que é o facto de ter como referência a história de Rui Nabeiro”, contou o escritor.
A história deste romance começou em 2019, quando o empresário Rui Nabeiro assistiu a umas entrevistas de José Luís Peixoto, que ainda não conhecia pessoalmente, e lhe propôs a escrita da sua biografia. Para o escritor, não era interessante a ideia de escrever uma biografia, por ser um texto completamente diferente do romance, e então fez uma contraproposta: escrever um romance que tomasse como ponto de partida essa experiência.
O livro está estruturado em três partes, cada uma delas é um dia e esses dias estão no futuro, embora no livro sejam o presente [aquando do lançamento da obra]. São os dias 26, 27 e 28 de março de 2021, que é o dia em que o Rui Nabeiro real e o ficcional fazem 90 anos.
Esse dia é domingo, daí esse “Almoço de Domingo” que é o título do livro e vai ser o momento em que tudo se cruza, num “final bastante apoteótico”. Em cada um desses dias, existe o tempo em que a personagem tem 89 anos e é escrito com base naquilo que é a vida dele, que é uma vida ativa e com uma agenda intensíssima. “O livro é mais constituído por memórias do que descrições do presente, e vão surgindo aleatoriamente”, de tal forma que há um recurso muito utilizado, que é o irromper de recordações específicas, quando estão a ser descritas certas situações, que no momento da leitura não se entende de onde vêm.