Diário do Alentejo

Porco alentejano com mais dificuldades

24 de março 2023 - 10:00
Depois da pandemia, a seca, a guerra e o aumento dos custos de produção colocam em causa a fileira
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Em Ourique, neste fim de semana, decorre mais uma Feira do Porco Alentejano. Um evento de promoção do setor, que vive dias de incerteza e dificuldades, e cujo futuro, atendendo ao presente, é uma incógnita, num momento em que são reclamadas políticas agrícolas adequadas.

 

Texto  Marco Monteiro Cândido

 

"Está cada vez pior e em linha descendente. A continuar assim, isto vai acabar”. É desta forma que Fernando Félix, de 66 anos e criador de porco alentejano, “toda a vida”, desde os 21, olha para a sua atividade.

 

Se no início de 2022 a seca e o custo das matérias-primas afetavam o setor, agora, juntando a esses indicadores, agravados, a guerra na Ucrânia veio complicar ainda mais a vida a quem se dedica a criar aquela raça.

 

“Esta fileira tem muitas exigências e está péssima porque não têm olhado muito por isto. Esta guerra, a seca, tudo tem contribuído para os fatores de produção serem de tal ordem que os preços [de venda] não têm acompanhado”.

 

Com menos chuva, o que afeta a produção de bolota na época da montanheira – fase de engorda em regime extensivo, no montado –, e consequente necessidade de mais suplementação alimentar com rações, um aumento de preços dos fatores de produção e pouca valorização na hora de vender, são condicionantes que constituem uma tempestade perfeita no setor, que parece não ter fim à vista.

 

Nuno Faustino, presidente da Associação de Criadores de Porco Alentejo (ACPA) e também ele criador, é perentório ao afirmar que a região Sul do Baixo Alentejo deve ser olhada de outra forma pelo Ministério da Agricultura, nomeadamente, o setor do porco alentejano, nem que seja pelas alterações climáticas, um aspeto de “diferenciação enorme”, num país em que “parece que não há uma estratégia nacional”.

 

“O Alentejo é todo um só, mas os territórios mais a sul – Ourique, Mértola, Castro Verde, Aljustrel, Odemira –, a região de sequeiro, da agropecuária extensiva, estão a braços com uma seca e alterações climáticas cada vez mais visíveis e mais fortes. Produzir aqui é cada vez mais difícil, temos que reduzir a produção e não conseguimos ter os mesmos animais que tínhamos há 10, 15 anos”.

 

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Algo que tem um impacto preponderante no ecossistema fundamental para esses animais.

 

“O montado está a morrer, consequência das alterações [climáticas]. Não houve, no último quadro comunitário, qualquer apoio para recuperação de montados ou para novas florestações com azinheiras e sobreiros. Zero. Para estas regiões altamente fustigadas pela seca, sem rendimentos, com o mercado como está, tudo se encaminha para que isto seja o que foi previsto há uns anos: um deserto. Se não são criadas condições para os produtores se manterem, forçam o abandono, e todas as políticas nestes territórios vão nesse sentido. O Governo só fala no regadio, em Alqueva, que veio resolver o problema do Alentejo… Quando disserem que há seca na zona de Évora, que lá está mau, aqui já morremos”.

 

E se em relação ao montado as medidas são inexistentes, quaisquer outros apoios são escassos e pagos tardiamente. “Não há nenhuma diferenciação positiva, leva tudo na mesma medida. A única solução é acabar, não há qualquer outra. São medidas avulsas, quando há alguma coisa extraordinária, como quem dá um rebuçado. Mas um rebuçado não mata a fome. Não basta [a classe política] falar no mundo rural, há que ter empenho na defesa dos territórios e lutar por eles junto do poder central”.

 

Fernando Félix tem sentido, como muitos criadores, a redução na produção. “Cheguei a fazer 180, 200 porcos de engorda e tinha 70 ou 80 porcas. Agora só já tenho 45 porcas, este ano fiz cento e poucos animais e para o ano vou reduzir ainda mais, vou só fazer 40 ou 50”.

 

Uma redução que, segundo o presidente da ACPA, vai ao encontro do que tem sido a tendência da fileira. “Em montanheira, em 2007/2008, no âmbito da associação, tínhamos 14 mil porcos. Houve uma redução na ordem dos 50 por cento, para seis, sete mil [atualmente], e com tendência para baixar”.

 

“Para onde caminha a fileira do porco alentejano?” é o tema/pergunta do seminário da Feira do Porco Alentejano. Quanto a isso, Nuno Faustino não tem dúvidas: “Se nada for feito, é para o fim”.

 

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