O bispo de Beja confirma que não respondeu ao primeiro inquérito da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, “por esquecimento”, mas que o fez posteriormente, a 29 de outubro de 2022.
Texto Nélia Pedrosa
Em declarações ao “Diário do Alentejo”, D. João Marcos diz, ainda, que no dia 7 deste mês também deu conhecimento dessa mesma resposta a um dos elementos que integram o Grupo de Investigação Histórica (GIH), aquando da sua deslocação a Beja, grupo esse responsável pelo trabalho de recolha nos arquivos históricos da Igreja.
A comissão independente, criada por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, começou a receber testemunhos a 11 de janeiro do ano passado.
No relatório final divulgado na segunda-feira, dia 13, é referido que “um bispo (Beja) e um administrador diocesano (Setúbal) nunca responderam às chamadas da comissão”. D. João Marcos diz não entender por que “ficou de fora [do relatório]”.
O mesmo documento avança que dos 512 testemunhos validados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, cinco dizem respeito ao distrito de Beja. A comissão aponta, por extrapolação, tendo em conta os 512 testemunhos validados, para um número mínimo de vítimas na ordem das 4815.
Segundo o bispo de Beja, dos “quatro casos” que mencionou na resposta enviada à comissão, com base em informação do arquivo diocesano e no seu próprio conhecimento, “nenhum” apresentou queixa, pelo que os cinco que são referidos no relatório final apresentado na segunda-feira “vieram através da comissão”.
“Os casos que apresentei, penso que não seriam elegíveis, tirando talvez um, para preencher as condições da comissão”, justifica, adiantando que dizem todos respeito “já ao século XXI”.
Os 512 testemunhos validados, avança o relatório, referem-me a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão. As décadas de 1960, 70 e 80 do século passado foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal. Destes 512 casos, a comissão só enviou 25 para o Ministério Publico, porque a maioria já prescreveu.
Quanto ao relatório, D. João Marcos considera que “é um trabalho extremamente bem feito, honesto, que abre portas que podem ser úteis”, mas que podem, também, “ser perigosas, no sentido em que as pessoas começam a multiplicar números, etc., etc.,”.
“Vejo que é difícil conhecermos até ao fundo quanto, como… portanto, penso que o que está feito está bem feito, mas é preciso termos cuidado daqui para frente”, reforça, sublinhando, no entanto, que, “naturalmente, um caso que fosse, como já foi dito e redito, era demasiado”.
“A Igreja é um povo de pecadores chamados a serem santos. Não somos já pessoas terminadas, pessoas perfeitas, não somos. É essa a perspetiva que deve orientar a leitura de tudo isso. O D. José Ornelas [presidente da CEP] insiste nisto também”, acrescenta, concluindo que “é uma tristeza muito grande” para a Igreja “ver como, por trás do ministério santo, sagrado, podem acontecer coisas tão horríveis”.
Para 3 de março está convocada uma assembleia plenária extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa, que congrega o conjunto dos bispos das dioceses do País, para analisar o documento.
No relatório, a comissão independente recomenda “o reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura”, designadamente, através do “cumprimento do conceito de ‘tolerância zero’ proposto pelo papa Francisco”.