Diário do Alentejo

Docentes insatisfeitos com terceira ronda negocial com o Ministério da Educação mantêm protestos

27 de janeiro 2023 - 09:00
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

José Abreu e Célia Paixão ainda não conseguiram entrar para os quadros do Ministério da Educação. Fátima Amaral efetivou-se há quatro anos, ao fim de 21 de serviço. Residem os três no distrito de Beja, mas já estiveram colocados em escolas a largos quilómetros de casa. Na semana passada o Ministério da Educação apresentou aos sindicatos uma série de propostas para “reforçar a estabilidade” da profissão docente. Os sindicatos não ficaram satisfeitos e vão continuar com os protestos.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Com o objetivo de conseguir uma maior estabilidade profissional, depois de quase 20 anos a lecionar a disciplina de Música ao segundo ciclo, muitas vezes com “horários incompletos”, José Abreu decidiu deixar a sua “área de conforto” e concorrer ao primeiro ciclo.

 

Este é o seu segundo ano letivo numa área que lhe era totalmente desconhecida, que requer muito mais trabalho – “sem qualquer tipo de desconsideração pelo trabalho que os outros colegas fazem” –, mas que muito possivelmente lhe permitirá, por ter um horário completo de 25 horas semanais, vincular-se mais rapidamente.

 

“Tirei o curso de Professor do Ensino Básico variante Educação Musical, portanto, posso dar aulas nos dois ciclos. Podia dar o exemplo de dezenas de colegas que fizeram no início da carreira o mesmo que estou a fazer agora já bastante mais tarde e que acabaram por ficar efetivos”, diz o professor de 45 anos, colocado atualmente em Entradas, no Agrupamento de Escolas de Castro Verde, vila de onde é natural.

 

José sublinha que “durante muitos, muitos anos” só apanhou “horários incompletos, de 12, 16, 17 horas, ou seja, a contagem do tempo de serviço de um ano inteiro acabava por ser sempre muito pouco”. Isto porque, “os horários de Música são muito pequenos e muito poucos”, esclarece.

 

“Infelizmente, a realidade da região é escolas com poucos alunos e a carga horária semanal da disciplina de Música também é pouca, ou seja, são necessários poucos professores ou apenas um por agrupamento, que é o caso de Ourique, de Castro e de muitas escolas aqui à volta”.

 

O docente realça que “já são raros os professores que têm o horário completo”, pelo que “muitos têm de o complementar, fazendo outras coisas”, por exemplo, dando aulas nas AEC – Atividades de Enriquecimento Curricular, como foi o seu caso.

 

Perante isto, diz, tinha de tomar uma decisão: “Tentar fazer alguma coisa da minha carreira ou ficar eternamente na zona só a concorrer a horários pequeninos incompletos, a receber mal”.

 

Pela chamada “norma travão” em vigor, uma regra de vinculação para os docentes que obtêm três contratos seguidos em horário completo e anual, José Abreu ficará efetivo no próximo ano, caso consiga novamente horário completo.

 

Mas se uma das propostas que o Governo apresentou na semana passada aos sindicatos avançar, em que será possível vincular “se acumular os três anos”, independentemente de serem ou não consecutivos, poderá entrar para o quadro já neste ano, “o que seria uma notícia muito boa”. Como contratado, salienta, “todos os anos, em agosto”, durante o seu período de férias, “há aquela constante inquietação” por não saber se será colocado e onde.

 

Como nunca quis “andar com a família e com a casa às costas, literalmente, pelo País inteiro”, tem optado nos últimos anos por agrupamentos não muito distantes da sua área de residência. O mais longe onde já esteve colocado foi Pontinha, em Odivelas, e Arrentela, Seixal, no início da carreira. Depois passou por Barrancos, Mértola, Sabóia, Colos e Vila Nova de Milfontes.

 

Quando a filha nasceu estava a dar aulas em Amareleja. Acabou por pedir para que o seu horário fosse “condensado”. Ia três vezes por semana à escola. “Era um bocado cansativo, vinha a casa todos os dias, fazia cerca de 270 quilómetros, mas também não tinha horário completo. Quando estive em Barrancos ficava lá durante a semana”.

 

Os últimos seis anos como docente de Música foram passados no agrupamento de Ourique, onde acabou também por ficar colocado no ano passado, o seu primeiro como professor do primeiro ciclo. “Por ironia do destino ou por sorte, não sei, acabei sempre por voltar a Ourique através do concurso, mas sempre com horários incompletos. E ao fim de tantos anos a lecionar Música, fiquei no mesmo agrupamento mas desta vez no primeiro ciclo”.

 

José Abreu reforça que sempre decidiu “ficar perto da família”, “nunca arriscando muito”, e continuará a ser essa a sua decisão “daqui para a frente”, até porque a filha, agora com quase nove anos, precisará “cada vez mais de ajuda”.

 

“Vou aguardar, aos pouquinhos, esperando que isto tome outro rumo, não vou colocar a minha carreira profissional à frente da minha família, nunca o fiz e não o farei agora”, diz, adiantando que “é muito desmotivador” não estar vinculado ao fim de tantos anos como professor.

 

“Chego ao final de cada ano letivo e penso que o empenho que tenho nesta profissão não é recompensado. Esta profissão é cada vez mais desvalorizada por quem manda, é cada vez menos atrativa. Eu, com 45 anos, sou dos mais novos do primeiro ciclo no agrupamento de Castro Verde. Não se vê entrar gente nova”.

 

 "REDUÇÃO DO TAMANHO DOS QUADROS DE ZONA PEDAGÓGICA ACABA POR NÃO SER VANTAJOSA"

Célia Paixão, de 44 anos e 10 no ensino público, também ainda não conseguiu entrar para os quadros do Ministério da Educação. Este ano ficou colocada no Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa, onde leciona Matemática ao 10.º na escola secundária da sede de concelho e ao 7.º na EB 2,3 de Vila Nova de São Bento.

 

Na última década passou por Moura, Vidigueira, Pias, Vila Nova de São Bento, Serpa, Beja, Aljustrel, sempre numa escola diferente a cada ano letivo. À semelhança de José Abreu, “por opção própria”, só tem concorrido a agrupamentos do distrito para que possa ficar próxima de Beja, onde vive.

 

“Se tivesse concorrido às ilhas ou até para o Algarve, já poderia estar afeta a algum quadro de zona pedagógica (QZP), no entanto, com uma filha pequena, um marido militar que está a maior parte do tempo fora, acabei por optar pela família, por ficar na minha zona de conforto, onde tenho familiares que me auxiliam”. 

 

Mesmo assim faz 100 quilómetros por dia. O que representa “um gasto ao final do mês de pelo menos 200 euros em combustível”, para além de “ter de sair muito mais cedo de casa” e “de ter menos tempo para a família, porque, para além das aulas” tem de despender “tempo para as burocracias”.

 

O marido já lhe disse “diversas vezes para pensar noutra profissão”, mas, “infelizmente ou felizmente”, Célia gosta muito do que faz. “Tinha cinco anos quando decidi que queria ser professora de Matemática e consegui concretizar o meu sonho, e agora não me estou a ver a fazer outra coisa”.

 

Pela “norma travão” ainda lhe falta “um ano completo anual para poder ficar efetiva”, tal como a José Abreu. Mas se a proposta do Governo avançar, “no próximo ano letivo” já efetivará num QZP. O problema, sublinha, é que com a passagem dos atuais 10 QZP aos 63 propostos pelo ministério, “os professores serão obrigados a concorrer a sete, e tendo o Baixo Alentejo cinco”, terá de escolher dois fora da região.

 

Se isso se vier a concretizar, provavelmente escolherá o Algarve. “Acaba por não ser vantajosa [esta redução do tamanho dos QZP], porque vai surgir o mesmo problema: pessoal que é daqui vai ter de se deslocar para muito longe e pessoal que é de longe vai ter de se deslocar para cá. Se eu, ao escolher os sete QZP, ficar colocada no do Algarve, a minha vida vai mudar toda”. A única vantagem de estar afeta a um QZP, acrescenta, “é que quando chegar a agosto não há aquela preocupação, será que para o ano vou ficar colocada? Será que para o ano vou ter trabalho?”.

 

 O PROBLEMA DAS VAGAS DE ACESSO AO 5.º E 7.º ESCALÕES

Fátima Amaral efetivou-se há quatro anos, ao fim de 21 de serviço. Integra atualmente o quadro do Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa, onde leciona Francês e Português ao terceiro ciclo na EB 2,3 de Vila Nova de São Bento. Embora goste muito da escola, os 140 quilómetros que faz diariamente começam a “pesar”, admite a professora de 47 anos residente em Vidigueira.

 

“Ainda estou relativamente longe, os custos ainda são muitos. Fazer estes quilómetros por dia tem implicações a nível económico, porque gasto à volta de trezentos e tal euros por mês em gasóleo, é uma grande fatia do orçamento familiar. Depois é o desgaste dos carros e o tempo que se despende na viagem, todos os dias duas horas. Depois tem a parte física. Todos os anos tenho de fazer fisioterapia por causa da coluna. São coisas que ano após ano acabam por pesar e quanto mais velhos ficamos mais dificuldades temos de recuperar de um ano para o outro, durante as férias”. Preocupa-a, à medida que a idade avança, reforça, que um dia queira ir trabalhar e não consiga, “porque fisicamente vai começar a haver limitações”.

 

O seu objetivo é, pois, aproximar-se o mais possível à sua área de residência, mas “depende das vagas existentes nas escolas”. “A professora que está na Vidigueira em Francês é pouco mais velha do que eu, por isso não há qualquer hipótese de, para já, ir para lá. Mas Beja, Cuba, Moura… porque entre 50 quilómetros por dia e 140 há uma diferença”.

 

Nos primeiros anos da carreira, “para conseguir ganhar anos de serviço completos”, esteve durante três anos na Guiné-Bissau. Após regressar a Portugal, deu aulas na Pampilhosa da Serra, no distrito de Coimbra, e no Pragal, em Almada.

 

Também já passou pelo Algarve, em horários de substituição, nomeadamente, em Loulé, tinha a filha mais velha “um ano e pouco”. “Foi há 14, 15 anos. Inicialmente vinha e ia todos os dias, só que depois tive de desistir porque já tinha de parar no IP2 para dormir. Para baixo ia bem, porque ia às 6 da manhã, mas quando vinha ao final da tarde, o cansaço já era muito”.

 

Acabou por chegar à conclusão que “não era viável por uma questão de segurança” e arrendou um quarto em Loulé. Passou a ir na madrugada de segunda e a regressar à quarta à tarde, para voltar no dia seguinte. “Fazia umas tentativas de permanência rápida em casa durante a semana”. Depois disso limitou “mais as escolhas”, passando a concorrer a escolas “aqui da zona, Beja, Ourique, Alvito”.

 

Fátima sublinha que o facto de estar afeta a um agrupamento lhe traz “alguma estabilidade”, porque tem de “haver horário” para si, “isso é uma garantia”. No entanto, há outras questões que a preocupam, designadamente, as vagas abertas para os escalões da carreira.

 

No seu caso, neste ano letivo irá “ter aulas assistidas para poder aceder ao quinto escalão”. Mas não bastará “ter um muito bom ou um excelente na avaliação”, porque depois depende do número de vagas, diz.

 

“Os professores que concorrem a um mesmo escalão vão ser posicionados por ordem de acordo com a avaliação que tiveram e só uma percentagem é que pode subir, os outros terão de esperar pelas vagas dos anos seguintes”.

 

Segundo a proposta que o ministro apresentou aos sindicados, a proporção de vagas que será aberta aumenta, sendo que para o 5.º escalão, passa de 50 por cento para 75 por cento dos professores em condições de progredir, e para o 7.º de 33 por cento para 58 por cento.

 

Josefa Lopes, presidente do Sindicato Democrático dos Professores do Sul (SDPS), considera que o aumento de vagas é positivo, mas diz que “não chega”. “O que queremos é que enquanto o estatuto da carreira docente não for revisto, as vagas aumentem para 100 por cento, permitindo que todos possam progredir ao escalão seguinte”.

 

A dirigente diz que a reunião realizada no dia 18 entre o ministro e os sindicatos afetos à Federação Nacional de Educação (FNE) foi “dececionante”, “muito insatisfatória”, pelo que o sindicato é obrigado “a entrar diretamente na luta”, ou seja, “com ações próprias e também em convergência com outros sindicatos, designadamente, participando na próxima manifestação do dia 11 de fevereiro e também nas greves regionais”.

 

“A reunião não nos deixou satisfeitos, designadamente, em relação às questões de carreira, a nível dos salários. O senhor ministro apenas nos falou na mudança de índice remuneratório para os docentes contratados. Concordamos com isso, devem ser valorizados, mas não achamos bem que os de carreira fiquem a ganhar o mesmo”.

 

Por outro lado, lamenta que “não haja qualquer abertura” para “recuperar o tempo de serviço que esteve congelado”. Já quanto à redução do tamanho dos QZP, Josefa Lopes sublinha que “a proposta enferma de algumas armadilhas”, porque “permite que todos os professores com insuficiência de componente letiva possam ter de ficar em dois agrupamentos diferentes e isto é totalmente inaceitável”.

 

 MINISTRO DA EDUCAÇÃO FAZ BALANÇO POSITIVO DAS NEGOCIAÇÕES 

Na sexta-feira da semana passada, em declarações aos jornalistas no final da terceira ronda negocial com os sindicatos sobre o regime de recrutamento e mobilidade de pessoal docente, o ministro da Educação fez um balanço positivo das negociações, afirmando que a tutela conseguiu “mais de 10 pontos que correspondem àquilo que têm sido as reivindicações sindicais”.

 

João Costa apelou ainda ao fim das greves em curso. “Fiz um apelo, muito claramente, ao fim da greve. Se estamos a negociar, se estamos a trabalhar em conjunto e temos pontos em que já conseguimos perceber que vamos ter acordo, não há razão para continuarmos com esta perturbação continuada no sistema”, disse, citado pela “Lusa”.

 

Manuel Nobre, presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), membro da Federação Nacional de Professores (Fenprof), uma das organizações que está a promover uma greve nacional que, distrito a distrito, por ordem alfabética, decorrerá até 8 de fevereiro, admite que, por exemplo, a redução do tamanho dos QZP, “que vai para além daquilo” que era a exigência da federação, “é de valorizar”, contudo, “ficaram muitas coisas por esclarecer, nomeadamente, como é que os professores dentro desses 63 QZP serão distribuídos”. “Na proposta do Governo será por perfil dos candidatos, nós continuamos a defender que critérios só há um: a graduação profissional”, diz Manuel Nobre.

 

O dirigente sublinha que em relação a vários problemas que se vêm arrastando há anos, e que estão a tornar a profissão “cada vez menos atrativa”, nomeadamente, questões relacionadas com aposentação, sobrecarga dos horários de trabalho, mobilidade por doença, precariedade”, “pouco avançou ou quase nada”.

 

“O ministério, aparentemente, parece estar muito preocupado com as greves sucessivas que estão a decorrer um pouco por todo o País, que já não se consegue disfarçar, mas depois parece que não está muito preocupado com a crescente falta de professores ano após ano, aqui parece uma certa contradição”.

 

Manuel Nobre frisa que “muitas matérias não têm solução de imediato” e que a Fenprof “está disponível para se encontrarem processos faseados”.

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