Diário do Alentejo

Agricultores na rua para “grito de desespero”

15 de janeiro 2023 - 10:00
CAP organiza protestos em todo o País. Ação em Beja deverá acontecer em fevereiro
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

A Confederação dos Agricul-tores de Portugal (CAP) está a organizar uma série de protestos em todo País. A contestação à política do Governo vai começar a norte e, depois, estender-se a todo o País, devendo chegar ao Baixo Alentejo durante o próximo mês de fevereiro.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

A extinção das direcções regionais de Agricultura (DRA) foi a “gota de água” que fez transbordar a paciência dos agricultores. A CAP acredita que a decisão do Governo em integrar estes organismos nas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) significa, na prática, “o desmantelamento do Ministério da Agricultura” e é fortemente contra a solução.

 

Para já está marcada para dia 26 deste mês, em Mirandela, aquela que será a primeira ação de protesto, das várias que irão ter lugar em todo o País, e a organização espera que “a adesão dos agricultores seja crescente”, perante o passar do tempo e o agravamento dos problemas.

 

Para Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, este “grito de desespero” dos agricultores resulta da “perda de peso político” do ministério que lhe viu ser “subtraída a tutela das florestas; incapaz de se bater por apoios ao setor no decurso da pandemia; inoperante na execução do Portugal 2020, com mais de 1200 milhões de euros por executar”, e que falhou nos “apoios durante a seca severa que o País atravessou”, anunciando pagamentos, mas que “reiteradamente incumpriu nos prazos” e sem “medidas capazes de mitigar o aumento brutal dos custos da energia e dos combustíveis”.

 

Para a CAP, a integração das competências das DRA nas CCDR é lesiva para agricultura portuguesa, e “não está conforme as regras da Política Agrícola Comum (PAC)” e “desconforme o Programa Estratégico que Portugal submeteu à Comissão Europeia” que não contempla “esta forma de aplicação dos fundos”.

 

Os agricultores argumentam, ainda, que esta arquitetura do setor coloca a definição da política agrícola “na alçada” de organismos que “não têm conhecimentos ou qualificações para a operacionalização de fundos que são destinados aos agricultores”.

 

Os agricultores sentem-se defraudados, pois esperavam que 2022 tivesse sido aproveitado, “de forma proativa e estratégica, para libertar o potencial agroflorestal do País, em diálogo com o setor, gerando pontes e compromissos que permitissem desenvolver, modernizar e qualificar” o setor, “reconhecendo o seu papel como motor da economia, da criação de emprego, de valor e de riqueza”. No entanto, diz a CAP em comunicado, a maioria absoluta foi usada “para fazer exatamente o contrário, prejudicando o presente e o futuro da agricultura em Portugal”.  

 

Rui Garrido, presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba), diz que o protesto em Beja ainda não tem data marcada, devendo ser antecedido por ações em Castelo Branco e Portalegre.

 

Questionado sobre se a ministra da Agricultura – perante as polémicas que surgiram na última semana com a demissão da sua secretária de Estado – dispõe de condições políticas para se manter no cargo, o também presidente da ACOS – Agricultores do Sul diz ao “Diário do Alentejo” que “tanto quanto se ouve, no interior do PS a contestação à ministra é cada vez maior, mas, nós sabemos, que, com o primeiro-ministro que temos, ela só sairá quando ele quiser”.

 

Por outro lado, Luís Mira, secretário-geral da CAP, considera que “esta instabilidade era tudo o que não era preciso quando em cima da mesa está a extinção das direções regionais e quando tem em mãos a responsabilidade de pagar 1300 milhões em atraso aos agricultores”.

 

CNA TAMBÉM PROTESTA

Também a Confederação Nacional dos Agricultores (CNA), em comunicado divulgado no passado dia 5, protesta contra a “quebra significativa no rendimento dos agricultores, os altíssimos custos de produção” e o “desmantelamento” do Ministério da Agricultura, com a “integração” das DRA nas CCDR que vai decorrer durante a aplicação do novo Plano Estratégico Nacional da Política Agrícola Comum (Pepac) que traz “mais exigências e penalizações para os pequenos agricultores”.

 

Joaquim Manuel Lopes, da direção da CNA, em declarações ao “Diário do Alentejo”, diz que há muito que a sua organização está na rua em luta contra a política do Governo, dando como exemplo uma ação de protesto realizada em Évora a meio do ano passado.

 

Posto perante a substituição da titular da pasta da Secretaria de Estado da Agricultura, este responsável diz “que, mais do que mudanças de nomes, são necessárias mudanças nas políticas para o setor”, reclamando do Governo a resolução dos problemas “que tanto afetam o setor agrícola, de forma a melhorar o rendimento dos agricultores, aumentar a produção nacional, garantir alimentos acessíveis à população e promover a soberania alimentar do País”.

 

Assim, considera Joaquim Ma-nuel Lopes, “a mudança de rostos” deve ser considerada como “uma oportunidade para mudar de política e não para, como afirmou o primeiro-ministro, insistir na mesma política”. A CNA exige ainda o retorno das florestas e do desenvolvimento rural à esfera do Ministério da Agricultura.

 

MARIA DO CÉU ANTUNES FRAGILIZADA?

E, de repente, Carla Alves, a recém-nomeada secretária de Estado da Agricultura, apenas aguentou 26 horas no cargo. Acusada na imprensa nacional de ser titular de contas bancárias arrestadas ao abrigo de um processo pendente sobre o seu marido, a breve governante colocou em maus lençóis a ministra titular da pasta.

 

António Costa – que no Parlamento defendeu acerrimamente a secretária de Estado –, depois da sua demissão, declarou o “caso encerrado” e quando interrogado se a ministra dispunha de condições para continuar em funções, respondeu com um lacónico “sim”, acrescentando: “O que disse na Assembleia da República – e posso continuar a repetir – é que a doutora Carla Alves não foi objeto de nenhuma acusação judicial.

 

Foi questionada através do meu gabinete relativamente às suas contas [bancárias] e aquilo que disse é que era titular de uma conta conjunta e tinha declarado tudo o que tinha a declarar às finanças. É um caso que está encerrado”.

 

Opinião diferente teve o Presidente da República ao afirmar que a secretária de Estado da Agricultura estava “diminuída do ponto de vista político”. Como se veio a constatar, a própria reconheceu-o e apresentou a demissão.

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