Diário do Alentejo

Número de utentes sem médico de família quase triplicou desde 2017

13 de novembro 2022 - 10:00
Na ARS Alentejo, há cinco anos, a cobertura era de 96,4 e é agora de apenas 90,2 por cento
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Em 2017, na Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, por cada 100 utentes inscritos 3,6 não tinham médico de família atribuído. Cinco anos depois, em 2021, esse número subiu para 9,8. São dados revelados pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) no Relatório de Monitorização sobre o acesso a Cuidados de Saúde Primários no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Há cinco anos, 96,4 por cento dos utentes inscritos nas Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) e Unidades de Saúde Familiar (USF) da região do Alentejo tinham médico de saúde atribuído. Esse número baixou para 90,2 em 2021.

 

Segundo a ERS, a média nacional é de 88,8 por cento, sendo que as regiões de Lisboa e Vale do Tejo (79,2 por cento) e Algarve (83,6) são os que apresentam os índices mais baixos. A região Norte, com 97,2 por cento, é aquela que consegue um acompanhamento maior dos utentes. E isso tem uma explicação.

 

“Atualmente, a nível nacional, existem 307 UCSP e 603 USF, das quais 314 são USF de modelo B”, explica o relatório que realça o facto das USF modelo B serem as que têm maior peso relativo na Administração Regional de Saúde (ARS) Norte, representando 48 por cento do conjunto do total das unidades dessa região. Ao contrário das ARS Alentejo, Centro e Algarve, em que as UCSP figuram como tipologia mais representativa, com, respetivamente, 66, 46 e 40 por cento. Na ARS de Lisboa e Vale do Tejo as USF modelo A são mais representativas.

 

O estudo conclui que o “melhor desempenho da região Norte” pode “estar associado ao facto de existirem mais USF modelo B nesta região, que contemplam um regime de incentivos financeiros aos profissionais, que não se encontram previstos nas USF modelo A e nas UCSP2”.

 

A propósito, recorde-se que as UCSP têm “uma estrutura idêntica à da USF” e prestam “cuidados personalizados, garantindo a sua acessibilidade e continuidade”, sendo que, na maioria delas, “apenas as consultas médicas são programadas”. Já nas USF isso é o que acontece com as consultas de enfermagem.

 

Acresce que “as UCSP são obrigadas a atender doentes não inscritos”, enquanto “as USF só atendem utentes inscritos nas suas listas de clínicos gerais”, explica a ERS.

 

PANDEMIA E RECLAMAÇÕES

Desde 2020 que a entidade reguladora acompanha o impacto da pandemia de covid-19 no desempenho das unidades de cuidados de saúde primários do SNS. Os efeitos desse período na sua atividade “ainda não foram totalmente suprimidos, uma vez que, em 2021, se verificou que para alguns indicadores não foram ainda recuperados os níveis de atividade pré-pandemia”.

 

Daí que o número de reclamações tenha aumentado exponencialmente. Na ARS Alentejo, esse índice, depois de ter descido em 2020 (105,6 por cada cem mil utentes), fruto da pandemia, atingiu os 165,7 em 2021, um valor acima dos registados em 2018 (122,2) e 2019 (113,7). A evolução na ARS Alentejo foi de 573, em 2018; 533, em 2019; 495, em 2020; e 777, em 2021.

 

Por tema, na região do Alentejo, foi o acesso aos cuidados de saúde que originou mais reclamações (110,3 por 100 000 utentes), seguido pelos procedimentos administrativos (62,7/100 mil) e cuidados de saúde e segurança dos doentes (49,5/100 mil).

 

A nível nacional, “embora tenham sido recebidas, pela ERS, 17 894 reclamações relativas a 2020 – o que corresponde a uma diminuição de 19 por cento face às reclamações de 2019 – foram rececionadas 25 907 reclamações referentes a 2021, o que corresponde a um aumento de, respetivamente, 45 e 18 por cento face a 2020 e 2019”.

 

CONSULTAS

Ainda segundo a ERS, depois de uma “diminuição acentuada no volume de consultas médicas presenciais realizadas em 2020 (menos 39 por cento comparativamente com o ano anterior), em 2021 observou-se um aumento de 14 por cento.

 

Na ARS Alentejo esses números são, respetivamente, de menos 32 por cento e mais 8 por cento. Esta tendência foi observada a partir de março, mas manteve-se abaixo dos valores registados nos anos pré-pandemia. As consultas ao domicílio também se mantêm abaixo dos valores de 2018.

 

MINISTRO ANUNCIA MAIS VAGAS DE INTERNATO

O ministro da Saúde anunciou, durante uma audição no Parlamento, um plano de contingência para resolver a falta de médicos nas regiões do Alentejo, Algarve e Lisboa e Vale do Tejo. Manuel Pizarro reconhece que as dificuldades são motivadas por razões diferentes, mas, no entanto, prometeu que em 2023 irão ser abertas 200 vagas para a formação de médicos especialistas em medicina geral e familiar.

 

“No que respeita ao acesso a equipa de saúde familiar, temos problemas em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve e não é pelas mesmas razões. Para cada uma das três regiões, estamos a elaborar um plano”, acrescentando que irão usar “uma panóplia de medidas diferentes e que anunciaremos quando o plano estiver pronto”.

 

Pedro Vasconcelos, presidente do Conselho Distrital de Beja da Ordem dos Médicos, mostra-se cético quanto à eficácia das medidas agora anunciadas: “pode-se abrir muitas vagas, mas se as pessoas não concorrerem, como tem acontecido até aqui, não se resolve o problema”. Mais do que abrir vagas “é necessário criar incentivos, quer ao nível da logística, quer ao nível da carreira profissional”, para que o desafio seja atrativo, considera.

 

“Fala-se muito em valorizar o interior, mas a verdade é que continua a ser desprezado”, queixa-se o representante distrital da Ordem dos Médicos. Quanto à quase inexistência de USF tipo B na região (ver texto principal), Pedro Vasconcelos diz não perceber o porquê desse facto. “Havia uma proposta para uma unidade desse tipo em Beja, mas esteve a marinar tanto tempo – mais de um ano – que, entretanto, a equipa que a integrava ficou desmembrada”.

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