“Contamos com o Alentejo que é resiliente e capaz de produzir, exportar e alimentar os portugueses devido ao Alqueva”. Esta foi uma das mensagem que a ministra da Agricultura deixou no debate que, no passado dia 9, teve lugar na Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito, e cujo tema era “O papel do Baixo Alentejo na resposta à urgência alimentar”. O encontro serviu, ainda, para dar a conhecer o núcleo distrital da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes) – que organizou o evento – e perspectivar o futuro da agricultura no Baixo Alentejo no difícil contexto internacional que atravessamos.
Texto Aníbal Fernandes
Álvaro Beleza, presidente da Sedes a nível nacional, deu início à sessão com a apresentação da organização nacional e distrital e do recente objetivo da mesma: “Como duplicar o PIB em duas décadas”.
O presidente do núcleo de Beja da Sedes, António Silvestre Ferreira, CEO do vale da Rosa, introduziu o tema, de forma breve, identificando algumas prioridades para reduzir o défice alimentar nacional: ordenamento do território, demografia, água e produção agrícola.
Três “fantasmas” pairaram sobre todo o debate, nomeadamente, o aumento dos factores de produção – com a energia à cabeça –, a guerra na Ucrânia, as alterações climáticas e a seca. O comendador defendeu “uma produção agrícola mais diversificada e ampliada”, mas também mais “investimento por parte das políticas públicas”.
Para coordenador do debate foi convidado o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Oliveira e Sousa, que considerou que Portugal está há muito tempo “em situação de emergência alimentar” e que, a juntar à guerra e à crise económica, as alterações climáticas não são apenas fruto de possíveis demandos da atividade humana.
“O planeta tem vida própria e tem passado por vários ciclos, mas isso não nos demite de assumir responsabilidades e dos nos prepararmos para o futuro”, acrescentando que é necessário “combater a desertificação” e encontrar “portas de saída” para o futuro.
Lima Santos, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), considerou que estamos perante uma situação “complexa” e, por vezes, de “interesses contraditórios”.
Querer acrescentar valor ao que produzimos; resistir aos choques económicos – com o consequente aumento na auto-suficiência em produtos críticos; e resolver a balança comercial, são objetivos que devem ser ponderados, uma vez que podem ter consequências negativas, como, por exemplo, o aumento do défice energético.
Luís Mesquita Nunes, presidente da Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur (AHSA), preferiu centrar-se naquilo que de positivo encontra no passado recente.
“O Sudoeste Alentejano soube mudar a imagem negativa” que resultou de investimentos pouco credíveis feitos na região nos anos 80 do século passado e, mais recentemente, durante a pandemia, em que teve de recuperar da situação, relatada pela comunicação social, e que denunciou as condições de habitabilidade degradantes em que os trabalhadores imigrantes subsistiam.
O presidente da AHSA reconheceu o problema, mas disse que, em conjunto com o Ministério da Agricultura, já foi possível criar condições dignas de alojamento nas quintas para cerca de dois mil trabalhadores e que esse número deverá subir para três mil nos próximos meses.
Mesquita Nunes, esclareceu que aquela sub/região teve de recorrer a mão-de-obra externa, “mas não só estrangeira” e revelou que 15 por cento dos trabalhadores contratados são “quadros altamente qualificados vindos de todo o País” e que a média dos salários – incluindo as prestações sociais – ronda os 20 mil euros por ano e por trabalhador e que contribui com 20 milhões para os cofres da Segurança Social.
Aliás, este tema mereceu particular atenção do orador que apontou várias medidas para “eliminar as redes ilegais” que continuam a operar na região, nomeadamente, sugerindo a “contratação na origem”, contando para isso com a colaboração das entidades oficiais nacionais, nomeadamente, as embaixadas nos diversos países e o Governo.
“Conseguiremos resolver o problema se os diversos produtores trabalharem de forma coordenada para dar estabilidade a quem vem para cá trabalhar” e permanecer no território “por períodos mais prolongados, sem a necessidade de ao fim de uma campanha terem de se deslocar para outros destinos”.
Mesquita Nunes apontou ainda, como ponto positivo, o “aumento exponencial do Turismo de Natureza”, o que prova “não ser impossível a convivência entre as duas realidades. O perímetro de rega já lá estava quando chegou o Parque Natural”, concluiu.
José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Cereais (Anpoc) lembrou que 2021 foi o ano com menor produção do último século e recordou que falta cumprir a Estratégia Nacional para a Produção de Cereais, lançada em 2018 pelo então ministro Capoulas Santos, e que tinha como objectivo a manutenção da atividade em todo o território nacional, a valorização da produção e contribuir para uma menor dependência das importações.
O dirigente da fileira dos cereais referiu que a pouca rentabilidade destas produções afasta os agricultores para outros produtos e defendeu uma maior ajuda da nova Política Agrícola Comum (PAC), nomeadamente, valorizando a qualidade face à qualidade, considerando que “a intensificação sustentável não pode ser apenas um sonho”.
TEMPOS DIFÍCEIS
A ministra da Agricultura encerrou o debate com um longo discurso onde começou por lembrar “os anos difíceis que atravessamos” caracterizados, primeiro pela pandemia e pela seca e, agora, pela guerra na Ucrânia.
Maria do Céu Antunes admitiu que em relação aos cereais “não temos condições para ser autossuficientes”, uma vez que produzimos apenas 20 por cento do que necessitamos, mas defendeu o empenho em criar uma reserva estratégica no mínimo para dois meses.
Em sentido contrário referiu a vinha, que produz acima das nossas necessidades totais (126 por cento) e cuja fileira conseguiu criar uma marca e acrescentar valor ao produto. Em contraponto, o azeite, que produz 187 por cento, ainda não conseguiu afirmar-se no mercado internacional e grande parte da produção é vendida a granel para o estrangeiro.
O mesmo se passa com a produção de pera (200 por cento) e de manteiga (139 por cento).
Mesmo assim, o complexo agro-alimentar nacional representa 4,2 por cento do Valor Acrescentado Bruto e 7,7 mil milhões de euros e é responsável por 473 mil empregos. A ministra disse que entre 2010 e 2022 as exportações subiram cerca de cinco por cento ao ano e as importações cresceram abaixo desse valor, o que tem um efeito positivo na nossa balança comercial.
“Vivemos momentos de excecionalidade e, portanto, são necessárias medidas excecionais” defendeu a ministra lembrando que “antes dos apoios financeiros o Governo permitiu que se usassem as terras em poisio sem perda de rendimento; que os animais em produção integrada ou biológica fossem alimentados normalmente; isentou do IVA os fertilizantes, adubos e rações, baixou o ISP do gasóleo; e apoiou financeiramente o uso da electricidade”.
Em relação à seca extrema que afeta grande parte do território da Península Ibérica, Maria do Céu Antunes lembrou que Portugal e Espanha foram pioneiros na Europa na defesa de mais medidas de apoio, mas que só agora, “em que a seca já afeta outros países”, será possível “em breve discutir esta matéria com os colegas europeus”, estando convencida que será adotada uma política comum que apelidou de ReWater.
REGADIO
A ministra, referindo-se ao regadio pediu “sistemas mais eficientes” e “melhor gestão” dos mesmos. Recordou que apesar de 80 por cento já serem considerados eficientes, apenas 30 por cento usam “as melhores ferramentas de gestão deste recurso” e anunciou a abertura de um aviso para que os agricultores se possam adaptar.
Foi mais uma vez anunciado que estão “200 milhões a concurso” para fazer a ligação de Alqueva ao Monte da Rocha, à Vigia, ao circuito Moura/Póvoa, Reguengos e Vidigueira e para a construção da “estação elevatória de Santa Clara e os respectivos reservatórios e eficiência do canal, que neste momento apresenta perdas de entre 30 e 40 por cento da água.
Maria do Céu Antunes anunciou ainda a apresentação, em breve, do estudo nacional que cruzou “as oportunidades de investimento e desenvolvimento agrícola com as capacidades do solo e a disponibilidade da água” que o Governo encomendou à Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA).
Por outro lado, “até ao fim de setembro iremos apresentar o Plano de Eficiência Hídrica do Alentejo” onde se prevê “a melhoria dos regadios antigos e obsoletos e estudar novas origens”, sendo que “a reutilização de águas residuais é muito incipiente”. No entanto, a ministra revelou que a EDIA tem em marcha, em Beja, um projeto-piloto, “mas que não é, claramente, uma solução alternativa para o Alentejo”.
Numa resposta direta a Luís Mesquita Nunes, Maria do Céu Antunes concordou que no perímetro de rega do Mira há falta de água cria uma “pressão brutal” e anunciou que o Governo pediu à empresa Águas de Portugal que estude a instalação de uma rede de dessalinizadores, um dos quais, certamente, para servir o Litoral Alentejano.
O QUE É A SEDES?
A Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) FOI criada a 4 de Dezembro de 1970, em plena Primavera Marcelista. Foi fundada por pessoas com diferentes ocupações sociais, integrados nos movimentos cívicos e associativos. Tem como valores fundamentais o humanismo, o desenvolvimento sociocultural e a democracia. Álvaro Beleza é presidente da associação há cerca de dois anos e, neste período, foram lançados alguns núcleos regionais, nomeadamente o de Beja e que foi agora apresentado. O presidente é António Silvestre Guerreiro, tendo como vice João Martins. Integram ainda a direcção Juliana Santos, Carlos Figueiredo, José Natário, José Bilau, Luís Santamaria, Manuela Figueira, Paula Mira e Tânia Soares.