O Conselho de Ministros do passado dia 15 de setembro aprovou o “Plano Extraordinário de Apoio às Empresas”, no valor de 1,4 mil milhões de euros.
No entanto, os agricultores têm mais dúvidas do que certezas e o setor da restauração e serviços diz-se esquecido nas medidas do Governo e teme “futuro negro”.
Texto Aníbal Fernandes
A situação de crise resultante do contexto geopolítico que vivemos levou o Governo, pela voz do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, a anunciar um pacote de apoios às empresas e setor social no valor de 1,4 mil milhões de euros, para mitigar o impacto do aumento de preços a que se assiste.
O ministro, em conferência de imprensa, enumerou as medidas agora aprovadas e o prolongamento de outras que vêm de trás, nomeadamente, o reforço do apoio às indústrias intensivas no consumo de gás; a criação de uma linha de crédito destinada às empresas direta ou indiretamente afetadas pelo aumento acentuado dos custos energéticos e das matérias-primas e pelas perturbações nas cadeias de abastecimento; e um apoio a medidas de eficiência e de aceleração da transição energética nos domínios industrial e agrícola.
Costa Silva anunciou ainda apoios ao emprego ativo e à formação qualificada de trabalhadores e à promoção externa e internacionalização das empresas.
O setor social também beneficiará de uma nova linha de financiamento e de uma comparticipação financeira para as instituições particulares de solidariedade social ou entidades equiparadas sem fins lucrativos que desenvolvam respostas sociais de caráter residencial.
Até ao final do ano, o ISP e a taxa de carbono sobre o gás natural utilizado na produção de eletricidade e cogeração serão suspensos.
Para o setor agrícola, em particular, o ministro da Economia e do Mar anunciou a prorrogação do mecanismo de gasóleo profissional extraordinário (GPE) e a redução temporária do ISP aplicável ao Gasóleo Agrícola, até ao final do ano e a majoração em IRC dos gastos com eletricidade e gás natural e, ainda, os gastos com fertilizantes, rações e outra alimentação para a atividade de produção agrícola.
O presidente da ACOS – Agricultores do Sul, em declarações ao “Diário do Alentejo”, disse que as medidas agora anunciadas, pouco adiantam e que “suscitam algumas dúvidas e a necessidade de esclarecimentos. A majoração dos gastos com a electricidade, gás, fertilizantes e rações é bem-vinda, mas fica por saber em quanto é a majoração.E ainda outra questão: existem empresas em nome colectivo e em nome individual. As empresas em nome individual também são abrangidas?”, questiona Rui Garrido, dizendo ser “inadmissível que uma exploração tenha esse benefício e outra ao lado não”.
A manutenção da suspensão do ISP no gasóleo agrícola é uma medida vista como positiva, mas o também presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba) pede o regresso da ajuda ao consumo de eletricidade “como houve no passado”. E avisa: “se quiserem repercutir no preço da água o aumento dos preços da energia, não o aceitaremos”.
REGANTES
A Federação Nacional de Regantes de Portugal (Fenareg) manifestou-se, esta semana, contra os “custos insuportáveis da energia” e exigiu o “reforço de apoios públicos à instalação de renováveis”.
Numa reunião com o secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Rui Martinho, a Fenareg expôs as suas preocupações com o preço da energia elétrica, “que está a ter grande impacto nos custos de distribuição da água à agricultura”.
A associação de regantes afirma que a sobretaxa da energia, criada pelo Decreto-Lei nº 33/2022, que estabelece um mecanismo temporário de ajuste dos custos de produção de energia no âmbito do mercado ibérico de eletricidade, veio agravar entre 40 a 50 por cento o custo da eletricidade e solicitou ao secretário de Estado a abertura de um novo concurso no PDR2020 para “apoio à instalação de painéis fotovoltaicos nos regadios coletivos, visando aumentar a auto-suficiência energética a partir de fontes renováveis e reduzir os custos de distribuição de água aos agricultores”.
José Núncio, presidente da Fenareg, diz que “a agricultura de regadio é um setor estratégico para a soberania alimentar do nosso país e não pode ficar para trás num momento em que o Governo anuncia um pacote de medidas de 1,4 mil milhões de euros para ajudar as empresas a enfrentar o aumento dos custos da energia. As taxas e sobretaxas que pesam sobre os regantes devem ser aliviadas e implementados os tão necessários apoios públicos à modernização do regadio coletivo, visando um uso eficiente da água e da energia e a descarbonização da agricultura”, conclui.
RESTAURAÇÃO, BEBIDAS E TURISMO
João Rosa, presidente da Associação de Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja, diz que os apoios anunciados pelo Governo “estão virados para as grandes empresas. As pequenas e médias empresas, quando estavam a sair da situação criada pela pandemia e a começar a pagar os empréstimos e as moratórias que dela resultaram estão a levar com uma crise em cima da outra. É uma situação muito complicada”, diz.
O também proprietário do BejaParque Hotel queixa-se do aumento do preço da energia que, garante, é de “60 por cento no gás e 80 por cento na electricidade”, e nos produtos alimentares.
“As empresas têm evitado mexer nos preços ao consumidor, mas é impossível continuar assim. Espero estar enganado, mas esta situação vai levar ao encerramento de muitas empresas e ao aumento do desemprego. Vejo um futuro negro”, lamenta.
Também o setor da restauração reagiu ao anúncio do Governo, através da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (Ahresp), considerando que o plano extraordinário de apoio às empresas, “embora com algumas medidas positivas, não pode deixar, também, de ser orientado para estas atividades, que como se reconhece têm um peso e um papel fundamental na recuperação que se quer para a nossa economia, sendo por isso necessárias medidas urgentes e robustas para apoiar as tesourarias das empresas”.
A Ahresp diz que “apesar da elevada procura que estas atividades têm vindo a registar na tradicional época alta de Verão”, a realidade é que as empresas do setor “ainda não conseguiram recuperar as suas tesourarias, depauperadas por dois anos de pandemia, situação muito agravada pela atual conjuntura inflacionista” e alertam para a possibilidade dos “aumentos excessivos nos custos de produção, na energia e nas matérias-primas, sobretudo alimentares, bem como a evolução das taxas de juro” estarem a reduzir “drasticamente as margens das empresas, ao ponto de colocar em risco a sua sustentabilidade e a manutenção dos seus postos de trabalho, antevendo-se que este cenário se agrave já a partir do próximo mês de outubro”.
“OS APOIOS FICAM MUITO AQUÉM DAS EXPECTATIVAS"
Para David Simão, os apoios ao setor empresarial, anunciados pelo Governo, “ficam muito aquém das expectativas” e podem contribuir para “o aumento do endividamento das empresas, que não é o desejável”. Numa curta entrevista por e-mail, ao “Diário do Alentejo”, diz, ainda, que a grande maioria das PME ficaram fora do radar das ajudas.
Como vê os apoios agora anunciados pelo Governo tendo em conta o tecido empresarial da região?
Todos os apoios que têm como principal objetivo apoiar as empresas neste período são bem-vindos, no entanto julgamos que as medidas agora anunciadas ficam muito aquém das expetativas. As medidas fiscais deixam de fora a redução do IVA da eletricidade, combustível e gás, que se assumiriam como primordiais para as empresas. O apoio às empresas que fazem um uso intensivo de gás apenas é aplicável às empresas que cumprem esse requisito, deixando de fora a grande maioria das PME. A linha de crédito com garantia mútua pode ser um mecanismo útil mas que deverá ser monitorizado com muita prudência devido à atual subida dos juros e porque poderá provocar o aumento do endividamento das empresas, que não é o desejável. Os apoios anunciados não irão ajudar muito as nossas empresas a manter os compromissos com as suas equipas, fornecedores e clientes e se não se verificar a resiliência que o tecido empresarial regional tem demonstrado nos últimos anos, com toda a certeza o próprio Estado irá debater-se com uma grave crise social.
Esta linha de crédito substitui a de “apoio à produção” no valor de 400 milhões que terminou a 30 de julho. Que impacto teve na região?
A linha de crédito de “apoio à produção” acabou por ser um instrumento que permitiu às empresas obterem maior liquidez mas que implicou uma maior exposição ao endividamento. A nível regional, a anterior linha de crédito não teve o impacto que se constatou em outras regiões, até porque as empresas alentejanas necessitavam de outro tipo de apoio, concretamente apoios diretos, como aconteceu noutros países europeus no período da pandemia.
Estes apoios são adequados para as pequenas e médias empresas?
Como já referi anteriormente é de saudar todos os apoios que visam beneficiar o tecido empresarial, no entanto julgamos que são insuficientes tendo em consideração o atual clima económico e a degradação que se adivinha para o mesmo no curto prazo. Consideramos que é importante repensar algumas das medidas apresentadas de forma a tornar o seu acesso mais universal, concretamente disponibilizando apoios a todas as empresas. Julgamos ainda que é de primordial importância tornar as medidas de apoio às empresas menos burocráticas e menos morosas. É imprescindível acelerar a implementação do PRR, iniciar a implementação do PT2030, assim como preparar um Orçamento de Estado 2023 que anteveja as dificuldades que todos iremos atravessar.