Governo vai assumir a 100 por cento os custos de reabilitação dos edifícios escolares cuja propriedade é transferida para os municípios, indo, assim, ao encontro das reivindicações dos autarcas.
Esta é uma das principais novidades do acordo de descentralização de competências para as áreas da educação e da saúde celebrado, a 22 de julho, entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), após meses de negociações.
O acordo tinha sido aprovado por maioria, em conselho geral da ANMP, quatro dias antes, com os votos a favor dos autarcas eleitos pelo PS e pelo PSD e os votos contra dos autarcas do PCP. Na ocasião, em declarações à Lusa, a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, congratulou-se com o “enorme consenso” alcançado, depois de terem trabalhado, nos últimos meses, “em articulação profunda com o Governo”, para “estabilizar regras nas áreas da educação e saúde”. “Satisfizemos o pleno das reivindicações que nos foram transmitidas [pelos autarcas] ”, disse.
Recorde-se que, segundo o Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, que “concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação”, a “construção, requalificação e modernização de edifícios escolares” competia “às câmaras municipais, em execução do planeamento definido pela carta educativa respetiva”.
A transferência de competências no domínio da saúde não se aplica ao distrito de Beja, uma vez que o processo não se coloca nas regiões onde as unidades locais de saúde são entidades públicas empresariais, como é o caso da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo.
O acordo assinado entre a ANMP e o Governo contempla ainda um mapa de escolas como prioritárias a reabilitar, sendo que, dos 451 estabelecimentos identificados, 12 dizem respeito ao distrito de Beja – dois considerados muito urgentes, nove urgentes e um prioritário. No acordo é referido, no entanto, que salvaguarda-se “a possibilidade de inclusão de escolas que, não estando referenciadas, reúnam condições para ser apoiadas, nomeadamente, através do reconhecimento da necessidade de intervenção pelo município, pela respetiva comissão de coordenação e desenvolvimento regional e pelo Ministério da Educação (…)”.
Para suportar as despesas, o Governo prevê recorrer a verbas do Portugal 2030, do Plano de Recuperação e Resiliência e Banco Europeu de Investimento, entre outras. As “escolas cuja competência de requalificação/reabilitação já era dos municípios em data anterior à assunção de competências previstas no Decreto-Lei n.º 21/2019, e que necessitem de intervenção, serão financiados no âmbito do Portugal 2030, através dos programas regionais”, refere ainda o documento.
AUTARCAS SATISFEITOS COM “AJUSTES” NA TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS
“Chegámos a bom porto, a consenso. A negociação está de parabéns. Ficámos satisfeitíssimos”, diz, ao “Diário do Alentejo”, o presidente do conselho intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) e membro do conselho geral da ANMP, António Bota.
O também presidente da Câmara de Almodôvar reforça que houve “consenso total dentro da associação nacional – com votos contra da CDU, mas não seria necessária unanimidade –, o PSD e o PS estiveram do lado do acordo, assim como autarcas independentes, portanto, foi um acordo satisfatório para todas as câmaras municipais”.
No que diz respeito à Escola Básica 2,3 e Secundária Dr. João de Brito Camacho, em Almodôvar, uma das duas do distrito classificadas como “muito urgentes”, António Bota frisa que a autarquia “tem um projeto pronto e aprovado pelo Ministério da Educação”, que “ronda os cinco milhões de euros” em termos de intervenção, sendo que, “quando a verba estiver disponível, a obra poderá avançar”. O autarca lembra que a escola “tem cerca de 35 anos” e “não tem condições”.
“As paredes são finas, o calor e o frio passam com facilidade. As janelas não garantem isolamento de som, nem de calor, nem de frio. A instalação elétrica está completamente degradada. As canalizações requerem manutenção, praticamente, todas as semanas”, detalha, adiantando que a comparticipação a 100 por cento por parte do Governo vai, “naturalmente”, agilizar o processo de reabilitação, “porque vem retirar a problemática da falta de investimento total para fazer a escola”. Mesmo assim, frisa, as obras terão de ser faseadas, dado que “não temos onde colocar os alunos”. A concluir, António Bota diz que o Governo, ao ouvir os presidentes de câmara, “está a ouvir toda a população, o que é de louvar”.
“Parece-nos que esta transferência de competências carecia, de facto, de vários ajustes. Os municípios, ao terem de assumir áreas desta dimensão e que acarretam responsabilidades acrescidas, terão de ter os apoios necessários para que possam efetuar o melhor trabalho possível junto das comunidades. E quando me refiro a apoios, refiro-me, sobretudo, a financiamentos adequados e que correspondam à realidade de cada local”, diz, por sua vez, o presidente da Câmara de Aljustrel, município que tem dois estabelecimentos no mapa de escolas divulgado pelo Governo – a Secundária e a EB 2,3 Dr. Manuel de Brito Camacho, ambas urgentes.
Carlos Teles lembra que “o município recebeu um parque escolar com várias fragilidades, com degradação acentuada e que carece de intervenção célere”, pelo que considera que esta medida, “a concretizar-se rapidamente, e a 100 por cento, se reveste da maior justeza e vem ao encontro das nossas reivindicações”. E acrescenta: “Esperamos que estas intervenções se possam realizar o quanto antes, porque são umanecessidade premente. Temos todo o interesse que as nossas crianças e jovens tenham acesso aos melhores serviços de educação. Achamos que uma escola requalificada e ajustada às necessidades atuais contribui decisivamente para melhores desempenhos escolares. Estamos expectantes e concordamos que este financiamento tenha de ser, sem dúvida, comparticipado a 100 por cento, uma vez que não temos capacidade de suportar custos tão elevados e porque as escolas deveriam de ter-nos sido entregues em bons estados de conservação”. A autarquia aguarda, agora, “por mais esclarecimentos” para que possa “começar a trilhar este caminho em conjunto com o Governo”.
“Este acordo pretendeu ir ao encontro das reivindicações dos autarcas e confiamos que tenha salvaguardado as situações expostas, de modo a que os municípios não fiquem mais sobrecarregados e com falta de meios para poder executar um trabalho que deve ser de excelência”, diz ainda.
A fim de serem esclarecidos os termos em que irá ser feita a intervenção nas escolas Secundária de Odemira, EB 2,3 de São Teotónio e EB 2,3 Damião de Odemira, classificadas como urgentes pelo ministério, o presidente da câmara, Hélder Guerreiro, reuniu-se, recentemente, com o secretário de Estado da Educação, António Leite.
Em declarações ao “DA”, o autarca de Odemira afirma que “é muito importante que tenham sido consideradas, como urgentes, estas três escolas”, mas “reforça a necessidade de uma intervenção estruturante na EB 2,3 de Sabóia”, assunto também abordado na reunião com o secretário de Estado.
“A Câmara de Odemira, atenta à evidência de que o Estado terá mais de quatro centenas de intervenções a realizar em tantas escolas, está disponível para assumir essas intervenções prioritárias”, sempre “com o financiamento de 100 por cento”, sublinha ainda Hélder Guerreiro, adiantando que consideram “muito positivos os avanços nas negociações entre a ANMP e o Governo”. “Consideramos mesmo muito importante que a ANMP tenha liderado e continue a liderar estes processos de relação/intermediação entre os municípios e o Governo”.
Para o presidente da Câmara de Serpa, município com duas escolas inscritas – Secundária (muito urgente) e Básica n.º 1 de Vila Nova de São Bento /2,3 (prioritária) – o financiamento a 100 por cento “vem dar razão à posição defendida pelos executivos da CDU, que sempre afirmaram que esta obra [da escola secundária] é da responsabilidade do estado central”.
João Efigénio Palma considera que as novas medidas que constam do acordo “são boas notícias” e que, “de alguma forma, vêm ao encontro de algumas das exigências que vinham sendo feitas”, no entanto, sublinha que “a descentralização feita desta forma não resolve o problema”. “Nós defendemos sempre a regionalização”, afirma.
À semelhança do autarca de Odemira, o presidente da Câmara de Serpa já se reuniu com o secretário de Estado da Educação com vista a esclarecer várias questões, nomeadamente, o valor do investimento na escola secundária. Da reunião realizada no passado dia 10, diz, confirma-se o empenho das partes em resolver a questão da escola, contudo, “ainda não há uma definição concreta em relação ao valor”, sendo que os 3,4 milhões de euros inicialmente definidos poderão sofrer “um aumento”.
Em relação à escola de Vila Nova de São Bento, adianta o autarca, não foram avançados pormenores na reunião. Foi dito, apenas, que irá ser intervencionada “numa terceira fase”. O autarca relembra que em 2013 a Escola Secundária de Serpa chegou a estar incluída nas intervenções definidas pela quarta fase da Parque Escolar, mas “já em 2006 se reconhecia que precisava de ser intervencionada”.
FINANCIAMENTO DE ESCOLAS JÁ EM CONSTRUÇÃO DEVERÁ SER REVISTO, DEFENDEM AUTARCAS
Para o vice-presidente da Câmara de Castro Verde, o acordo assinado entre a ANMP e o Governo “foi um avanço que era necessário”. Embora o município tenha assumido, em setembro de 2020, a transferência de competências na área da educação, “tem plena consciência de que os recursos financeiros que estavam a ser transferidos estavam aquém daquilo que entendemos que é assumir a educação com qualidade”, diz David Marques.
O autarca sublinha que a assunção de competências por parte do município foi, também, uma forma de dar “reposta mais rápida aos problemas” identificados nessa área. “Se havia responsabilidades que o município já assumia, alargou-as aos diferentes ciclos de ensino, e ao darmos esse passo conseguimos dar respostas mais céleres, mas com perfeita consciência de que o pacote financeiro tinha de ser revisto. Naturalmente congratulamo-nos com a capacidade que houve de ambas as partes chegarem a um acordo e apresentar-nos um pacote que já oferece outras condições para os municípios tirarem o devido partido desta transferência, porque entendemos que esta transferência é uma mais-valia”.
David Marques considera, ainda, “um passo muito importante” o facto de a EB 2,3 Dr. António Francisco Colaço constar do mapeamento realizado pelo Ministério da Educação, porque “é o reconhecimento da necessidade que existe de intervir”. “Estamos confiantes de que nos próximos tempos existirá evolução nessa matéria”, diz.
Relativamente à obra de requalificação da Secundária de Castro Verde, que teve início no verão do ano passado, num investimento de 3,1 milhões de euros, o vice-presidente adianta que o acordo de colaboração assinado entre o Ministério da Educação e a câmara “tem vindo a ser revisto gradualmente, quer pela dimensão da obra, quer pela necessidade de rever comparticipações de parte a parte”, e, por isso, “apesar de ser um processo anterior [ao acordo assinado em julho] não está ainda terminado, está em evolução”, pelo que estão “muito confiantes” de que o processo de negociação com o ministério “irá conduzir a um tratamento equilibrado, igual, com todos os municípios”.
Já o presidente da Câmara de Ourique revela que a autarquia solicitou ao Ministério da Educação que a EB 2,3 e Secundária de Ourique, cujas obras de requalificação arrancaram em abril deste ano, num investimento de 1,1 milhões de euros, “possa integrar a listagem” do Governo. “A nossa expetativa é que seja incluída”, reforça Marcelo Guerreiro, acrescentando que o acordo assinado entre a ANMP e o Governo “é bastante razoável e muito positivo para o processo da descentralização”.
“Não vale a pena andarmos a apregoar a descentralização se não tivermos a vontade política de ambas as partes para a executar, e a descentralização é de extraordinária importância para o País. Acima de tudo, quem fica a ganhar são as comunidades locais”, conclui.
Para além das mencionadas, o mapa de escolas divulgado pelo Governo inclui, no distrito de Beja, a EB 2,3 de Santiago Maior, em Beja, a EB 2,3 e Secundária José Gomes Ferreira, em Ferreira do Alentejo, e a Básica de Moura, as três com a classificação de urgente.
AÇÃO SOCIAL E PROTEÇÃO CIVIL GERAM PREOCUPAÇÃO
Se no domínio da educação ficam “sanadas praticamente 99 por cento das reivindicações dos autarcas”, diz o presidente do conselho intermunicipal da Cimbal, existem ainda reservas nas áreas da saúde e da ação social, sublinha. O facto de existir no distrito de Beja uma unidade local de saúde, “não significa que as câmaras não participem” na área da saúde, frisa António Bota.
“Quem faz os transportes de doentes para os centros de saúde e dos centros de saúde para fora, na maior parte das vezes, são as câmaras. Quem financia os bombeiros para o transporte também somos nós. Também pagamos as despesas de limpeza, de manutenção das extensões de saúde, e muitas vezes asseguramos os funcionários para abrirem estes espaços. E alguns municípios, como Almodôvar, pagaram para construir estas extensões, portanto, há aqui muita matéria para discussão ao nível da saúde no Baixo Alentejo”, defende. Na área da ação social, que a câmara também já assumiu, diz o autarca, “há muito a trabalhar, porque existem muitos apoios concedidos pela ação social que vão passar para a câmara e o valor que transferem para cada município ronda os três mil euros por ano, o que não é nada, não faz qualquer sentido”.
Já o presidente da Câmara de Serpa considera, ainda ao nível da educação, que existem questões que geram alguma preocupação, nomeadamente, o cálculo do rácio do pessoal não docente afeto às escolas, que ignora, por exemplo, “a tipologia das escolas”, sendo que “uma maior dispersão dos blocos escolares exige maior atenção”.
Em relação à proteção civil, acrescenta José Efigénio Palma, as autarquias “foram obrigadas a dar resposta a esse serviço”, em termos de recursos humanos e equipamentos, “e, até ao momento, não foi feita qualquer comparticipação” por parte do Governo.
NOVAS MEDIDAS NO DOMÍNIO DA EDUCAÇÃO
Entre outras novas medidas na área da educação, o acordo assinado entre a ANMP e o Governo estabelece que os valores a transferir para os municípios para conservação e manutenção dos estabelecimentos escolares terão em conta critérios como a idade do edifício; as refeições escolares passarão a ter uma comparticipação de 2,75 euros; a administração central suporta as despesas com seguros de acidentes de trabalho/serviço, higiene, segurança e medicina do trabalho dos trabalhadores transferidos para os municípios”; e continua a pagar as despesas com a ADSE e o SNS dos trabalhadores.
A legislação que regula o transporte escolar também irá sofrer alterações e serão propostos novos critérios e respetiva fórmula de cálculo para a determinação da dotação máxima de referência do pessoal não docente nas escolas.