Diário do Alentejo

Modelar o insucesso escolar. E depois?

18 de maio 2022 - 17:00
A falta de oportunidades tem condicionado os alunos que terminam curso de cerâmica em Beja

À data do primeiro aniversário do Mural de Azulejos, a professora Mariana Conduto traz um balanço da meia década de existência do Curso de Pintura e Decoração Cerâmica do Agrupamento de Escolas nº2 de Beja e perspetiva o futuro dos seus alunos.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Em 2017, por uma “conjugação de vontades”, abriu pela primeira vez o Curso de Educação e Formação (CEF) de Pintura e Decoração Cerâmica, correspondente aos 8.º e 9.º anos de escolaridade no Agrupamento de Escolas nº2 de Beja. Coordenado pela professora Mariana Conduto, tem tido como objetivo dotar alunos, com um nível de sucesso e aproveitamento escolar muito baixo, com capacidades técnicas e sociais na área. Volvidos cinco anos, o balanço feito pela docente de 61 anos é “muito positivo”, face à mudança assistida ao longo do tempo.

 

“Fazemos um balanço muito positivo, porque, apesar de tudo, o percurso compensou sempre. Ver alunos com baixa autoestima, motivados e confiantes no seu trabalho por si só, já é fantástico. Ver o reconhecimento público do seu trabalho em vários meios de comunicação e o seu sucesso aferido pelo público que os acompanha é um orgulho enorme e deixa-nos a pensar que assim vale a pena ser professor”, revela ao “Diário do Alentejo” (“DA”) a docente.

 

O curso, que tem tido uma evolução assertiva, “mas natural”, tem apresentado dinâmicas e desenvolvimentos diferentes em cada ano letivo, “dependendo dos alunos e das abordagens na vasta área de cerâmica”. Também a diretora do Agrupamento, Maria José Chagas, que abraçou o projeto desde o primeiro minuto, crê que este foi “uma aposta ganha”, sentindo uma enorme valorização “pelo trabalho desenvolvido com estes alunos”.

 

Ainda que desigual a cada ano, o início e o fim mantêm-se sempre idênticos. O primeiro ano de curso é normalmente marcado pela complexidade em “definir limites e estabelecer regras” ao mesmo tempo que se tenta motivar e incentivar os jovens. E “esta é sempre a primeira etapa e quem ultrapassar este patamar consegue ter sucesso”, confessa Mariana Conduto. Por sua vez, os finais letivos são constantemente marcados pelo “sabor amargo da despedida” e pela vontade de continuar.

 

“HÁ MUITA FALTA DE LITERACIA NESTA ÁREA DO FAZER DIFERENTE”

Contudo, o percurso do CEF de Pintura e Decoração Cerâmica tem ultrapassado alguns impasses que têm condicionado a sua prosperidade. O acesso restrito ao curso, o preconceito associado e a falta de oportunidades após a sua conclusão são os seus principais entraves.

 

“As maiores dificuldades prendem-se logo com o acesso ao curso, que limita a entrada de alunos que gostariam de o frequentar, uma vez que os mesmos têm de ter 14 ou 15 anos e duas reprovações. E com este perfil, cada vez temos menos alunos, por via das transições quase automáticas, no ensino básico”, começa por explicar a professora Mariana Contudo. Depois, por via do “estigma associado a estes cursos” há “pais que não querem que os filhos ingressem nestes percursos alternativos”, sendo muitas vezes “a desvalorização social a causa do insucesso de muitos [alunos]  que caminhando pela via dita “normal” acabam insatisfeitos e frustrados por não conseguirem atingir objetivos académicos”, refere. Para a docente “há muita falta de literacia nesta área do fazer diferente. Porque temos alunos fantásticos que não se reveem na academia, mas podem ter sucesso nas áreas do saber fazer”, remata.

 

Ainda assim, a “continuidade desta área de estudo no agrupamento e com respostas fora da escola para estes alunos, que terminam já com 18 anos” é o obstáculo mais crítico do curso. De um modo geral, esta interrupção “acaba por amputar o trabalho de dois anos em que se acumulou saber, métodos de trabalho e se adotaram novos comportamentos”, justifica. 

 

Não tem sido fácil colmatar estas adversidades, apesar do esforço dos professores e da instituição. Após o final do ano letivo os jovens são aconselhados a “não desistirem e convidamo-los a aparecerem na escola para continuarem a fazer algum trabalho, mas isto é puro lirismo”, lamenta. As soluções escasseiam e a única alternativa é encaminhar os alunos para o Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, nas Caldas da Rainha, o que, na maioria dos casos, é desde logo um bloqueio.

 

A professora Mariana Conduto admite, inclusive, que tentou junto da Câmara Municipal de Beja a abertura de um Centro Ceramista, para permitir que os estudantes não perdessem os conhecimentos adquiridos até então. Afirmando que “qualquer um de nós [professores] não se importaria de orientar, pró-bono, os alunos até estes terem maturidade para criar o seu próprio emprego, se fosse essa a sua vontade”, porém não há condições logísticas. A culpa para esta problemática não é atribuída a ninguém em especifico e sim entregue a “uma série de circunstâncias que se conjugam no sentido de não ter havido respostas até à data”. Resumidamente, para os docentes do Agrupamento nº2 de Beja faltam condições de empregabilidade na área e sobretudo apostas na criação de locais de continuidade.

 

Inevitavelmente, o feedback que têm recebido dos seus antigos alunos é que, ainda que tivessem tencionado enveredar pela cerâmica, optaram por ingressar em outros cursos, normalmente profissionais, ou a trabalharem em setores completamente diferentes, acabando por “naturalmente se afastarem”.

 

“TUDO O QUE SONHAMOS CONSEGUIMOS CONCRETIZAR”

Joana Mira, Joaquim Canhoto e Tiago Engana são três ex-alunos do CEF de Pintura e Decoração Cerâmica que, contrariamente às suas expetativas no final do curso, seguiram caminhos opostos à área. Para os jovens a vida conduziu-os para direções e prioridades contrárias às que ambicionavam e a impossibilidade de continuar e terminar o 12.º ano numa extensão complementar ao ensino básico fez com que seguissem outros cursos profissionais, como mecânica e saúde.

 

Dos dois anos em que frequentaram o CEF trouxeram, além das técnicas profissionais de desenho, construção e modelagem, um sentimento de reconhecimento pessoal de “ver a vida de perspetivas diferentes, sabendo que tudo o que sonhamos é possível de se concretizar”, conta a jovem de 21 anos. Também Joaquim Canhoto, de 19 anos, confessa ao “DA” que esta oportunidade foi “excelente” e “esplêndida” permitindo “olhar para o mundo com outros olhos e buscar coisas dentro de mim que desconhecia”. Tiago Engana partilha da mesma opinião que os seus colegas, o curso deu-lhe “confiança” para saber o que pode e consegue fazer sem impossíveis e com muita vontade.

 

Ao terminarem o curso todos garantem que levaram nas suas mochilas o sentido de responsabilidade, segurança, esforço, prática, paciência, autoestima e esperança que aprenderam durante os anos, uns agregados à minuciosidade das peças desenvolvidas e outros ao convívio diário com os seus professores. A docente Mariana Conduto não tem dúvidas que no início entram no curso “alunos votados ao insucesso e que nunca lhes foi reconhecido valor, sentindo-se os piores do mundo”, mas que saem dele “alunos recetivos à mudança e com uma vida nova a todos os níveis, como pessoas e como alunos”.

 

O futuro periclitante do CEF Pintura e Decoração Cerâmica mantém-se todos os anos uma incógnita. Atualmente com 13 alunos, o medo e a ansiedade de que nos próximos anos letivos não se consiga fechar uma turma consome toda a “equipa fantástica” que luta diariamente para “transformar alunos difíceis em alunos de sucesso”. Em permanência mantém-se o otimismo de que a situação seja remediada a favor dos jovens e que estes entrem no mercado de trabalho da área e alcancem grandes êxitos profissionais, como anseiam.

 

UM ANO DE MURAL DE AZULEJO

No dia 6 de maio de 2021 inaugurou-se o Mural de Azulejo trabalhado pelos alunos do CEF Pintura e Decoração Cerâmica do Agrupamento de Escolas nº2 de Beja. Um ano depois, a docente Mariana Conduto realça o “valor enormíssimo para todos” que este monumento significa, tanto para o sucesso dos alunos e do curso como para a importância de “reverter as situações de abandono do nosso vasto património azulejar”. Este prova ainda o mérito dos “cursos de educação e formação que podem ser de enorme qualidade, basta acreditar e trabalhar”.

 

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