Os municípios passaram a assumir, de forma obrigatória, a partir do dia 1 de abril, competências na área da educação e da saúde. Decorrido pouco mais de um mês, mostram-se preocupados com as questões financeiras associadas ao processo, mas também a nível dos recursos humanos, uma vez que consideram que os meios são insuficientes.
Texto Nélia Pedrosa
Decorrido pouco mais de um mês após a aceitação obrigatório por parte dos municípios das competências na área da educação e da saúde, no âmbito da lei-quadro da transferência do Estado, as autarquias mostram-se preocupadas, nomeadamente, com as questões financeiras associadas.
A ação social também deveria ser obrigatória a partir do passado dia 1 de abril, no entanto, após o pedido de adiamento por parte dos autarcas, o Governo aprovou a possibilidade de os municípios requerem a prorrogação do prazo para a sua transferência até ao final deste ano.
Segundo a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, na reunião realizada na semana passada, em Évora, com autarcas e comunidades intermunicipais do Alentejo, “o grande tema foi a descentralização e as questões financeiras associadas à descentralização, com enfoque em três áreas centrais, que são a educação, a saúde e a ação social”.
Recorde-se que destas três pastas, que envolvem a transferência de meios através do Orçamento do Estado, a saúde é a única que não se aplica ao distrito de Beja, uma vez que o processo não se coloca nas regiões onde as unidades locais de saúde são entidades públicas empresariais, como é o caso da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo.
O município de Aljustrel “assume, no essencial, as mesmas preocupações que têm sido relatadas, ao longo deste processo, por a grande maioria das autarquias portuguesas”, diz, ao “Diário do Alentejo”, a vereadora com o pelouro da educação e da ação social. Segundo Paula Lampreia, “em causa estão áreas da maior importância e que precisam de uma gestão rigorosa e criteriosa”.
A autarca afirma que a autarquia, para assumir “esta responsabilidade plenamente”, deve ter “ao dispor todos os meios necessários” e recorda que a câmara “apenas ainda aceitou a transferência na área da educação, e aceitou-a no limite imposto (1 de abril), nomeadamente, por não concordar com os moldes em que este processo assentou”.
“Voltamos a frisar a nossa grande preocupação em relação às questões financeiras associadas à descentralização. As exigências são muitas, as responsabilidades são ainda maiores, mas, na verdade, o quadro financeiro não acompanha estas realidades, o que nos pode causar diversos constrangimentos”.
Paula Lampreia sublinha que o município recebeu “escolas que, durante os últimos anos, não sofreram grandes intervenções”, que o “parque escolar precisa de manutenção” e que “também foram entregues materiais obsoletos”. “Estamos ainda numa fase de adaptação dos serviços à nova realidade e a inteirarmo-nos de todo o processo. A autarquia ficou com toda a parte de gestão operacional, mas sem grande poder de decisão em matérias relevantes e decisivas e que têm de ser geridas com o agrupamento de escolas, o que também deveria de ser revisto. Estamos a dar o nosso melhor, todos os dias, a alocar serviços e a dar resposta, mas com a certeza que existe ainda um longo caminho por trilhar e que pode ser de muitas dificuldades, caso o processo não contemple as justas revindicações dos municípios”.
A autarca reforça que o município “não tem qualquer representante no conselho executivo do agrupamento, onde são tomadas decisões determinantes para o funcionamento das escolas, e que implicam, inclusive, a ação da câmara, através da aplicação de recursos e meios”. Não tendo representação, “o mesmo significa que não temos qualquer poder de decisão e que temos de acarretar com as decisões que tomem por nós, o que não é correto, nem justo”.
Em relação às competências da ação social, que o município “ainda não aceitou”, adianta, irão “debater-se com um problema acrescido”, dado que não dispõem de um espaço físico onde possam realizar os atendimentos aos cidadãos, o que obrigará a a “encontrar um local e a apetrechá-lo, o que acarretará mais custos”.
AUTARQUIAS DEFEDEM CRIAÇÃO DE COMISSÕES DE ACOMPANHAMENTO
Odete Borralho, vereadora da Câmara de Serpa com o pelouro da educação, sublinha, por sua vez, que, no que toca à educação, a principal preocupação “teve a ver com o facto de o ano letivo estar em curso, pelo que, em concordância com as direções dos dois agrupamentos do concelho”, optou-se “por manter a gestão das escolas com as direções, por forma a efetuar uma transferência sem sobressaltos”. No final do ano letivo, “e sem quebrar rotinas e procedimentos, a câmara assumirá todas as responsabilidades, não sem antes efetuar um balanço das verbas transferidas pelo Ministério da Educação”.
O estado de conservação dos edifícios escolares é outra das preocupações, diz, revelando que a câmara “está a preparar vistorias técnicas no sentido de perceber as necessidades de intervenção”. No caso, por exemplo, das escolas Secundária de Serpa e EB 2, 3 de Vila Nova de São Bento, os edifícios “necessitarem, há anos, de obras profundas”.
Odete Borralho frisa que “a transferência veio acompanhada de um envelope financeiro que é manifestamente insuficiente”, o que acarreta, por exemplo, no caso da manutenção das escolas, “um acréscimo substancial para o orçamento municipal”. Por outro lado, “tendo os municípios já rececionado a primeira tranche das verbas por cada escola, é clara a insuficiência face aos gastos, como, por exemplo, da energia”.
No caso da ação social, que a câmara também ainda não assumiu, e em que, ao contrário da educação, não serão transferidos recursos humanos, a competência “será assumida sem que a autarquia tenha experiência numa área tão delicada, como são os apoios aos contratos de inserção dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção e os apoios de emergência”.
“Este processo de transferência deveria ter sido executado com muita cautela e com um levantamento exaustivo das diferentes situações e das respetivas soluções, acautelando que, do ponto de vista financeiro, o esforço que agora se exige às autarquias, assim como a celeridade com que se querem ver resolvidos os problemas, fosse exequível”, considera a vereadora, defendendo, ao nível da educação, a criação de “uma comissão de acompanhamento, que identificasse os problemas que subsistem e permitisse a sua resolução, por exemplo, através de linhas de financiamento específicas para o efeito”. E os problemas identificados ao nível dos recursos humanos nas escolas, acrescenta Odete Borralho, obrigarão os municípios “a uma gestão ainda mais eficiente, garantindo que os recursos em falta em breve estarão em exercício de funções”.
A vereadora com o pelouro da educação na Câmara de Vidigueira partilha da opinião de que é “imprescindível” criar “comissões de acompanhamento para uma monitorização do processo de transferência de competências aferindo, em diversos momentos, os recursos necessários em relação às diferentes áreas de atuação”.
Ana Patrícia Marreiros considera, ainda, “fundamental e indispensável que haja abertura do Governo para uma revisão e consequente atualização dos valores e dos critérios de atribuição das verbas que vão ser transferidas para os municípios, tendo por base os vários processos de monitorização realizados”. E destaca, em todo o processo, “a importância da união dos autarcas, porque só todos juntos poderão resolver os problemas e preocupações associados ao processo de descentralização que são iguais e transversais aos vários municípios”.
Um mês decorrido após a aceitação das competências na área da educação, a autarca adianta que “internamente ainda se está em fase de avaliação”, sendo de destacar, porém, “a correspondente insuficiência de recursos necessários, nomeadamente, financeiros e humanos”.
“Para realizar estas competências é necessário um compromisso financeiro e recursos humanos adequados às correspondentes necessidades. A nossa ‘desconfiança’ em relação a todo este processo prende-se com as condições presentes e futuras para a sua concretização. Os recursos necessários vão mudando ao longo do tempo e exigem uma monitorização e atualização constantes. O que é necessário hoje na área da educação ao nível de melhorias e renovação daqui a uns tempos será provavelmente diferente”, justifica.
Acresce a isto, diz a autarca, o facto de a transferência de competências não ser alheia “ao aumento da pressão feita pela comunidade escolar para a satisfação, por parte do município, das inúmeras condições de funcionamento das escolas e de apoio aos alunos, mesmo na ausência dos meios financeiros necessários”. Para além disso, a autarquia vê com preocupação o “aumento do risco de agravamento das assimetrias a nível nacional na área da educação, uma vez que os municípios vivem situações económicas e financeiras muito distintas”.
GOVERNO DIZ QUE MONTANTES SERÃO "ATUALIZADOS" EM "BREVE"
No final da reunião realizada no passado dia 3, em Évora, com autarcas e comunidades intermunicipais do Alentejo, a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses referiu que a associação vai “assumir a sua função de parceira de negociações” e reunir-se com responsáveis de “várias pastas ministeriais”. No dia seguinte, no Parlamento, a ministra da Coesão Territorial garantiu que a verba prevista no Orçamento do Estado “não é intocável e não está fechada” e que os montantes serão “atualizados”, em “breve”. Além dos valores gerais, Ana Abrunhosa avançou que “no próximo mês, no máximo, serão lançados avisos no valor de 100 milhões de euros para a requalificação de escolas e centros de saúde que irão ser transferidos para a esfera das autarquias”.