Diário do Alentejo

Má qualidade da água espanhola pode sobrar para Portugal

11 de maio 2022 - 16:30
Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Guadiana encontra-se em consulta pública

Uma organização ambientalista espanhola denunciou uma “extensa contaminação” das águas de várias bacias hidrográfica do país vizinho “com o herbicida glifosato”. É desconhecido qual o impacto para Portugal, nomeadamente, nos rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana, mas neste momento estão em discussão pública o 3.º ciclo dos planos de gestão das regiões hidrográficas.

 

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O grau de contaminação das águas na bacia hidrográfica do Guadiana apresenta níveis superiores aos indicados pela Diretiva Quadro Europeia da Água e à legislação Espanhola. A conclusão é de um estudo publicado em março pela Organização Não Governamental (ONG) Ecologistas En Acción e que se baseou em dados do ministério espanhol da Transição Ecológica e Desafio Demográfico.

 

As análises foram realizadas em 2019 pelas entidades gestoras de 16 bacias hidrográficas espanholas e confirmaram que os rios espanhóis – incluindo os internacionais – apresentam excesso de pesticidas, herbicidas e outras substâncias químicas, sendo que a contaminação com glifosato é considerada “extensa”.

 

No entanto, a situação pode ser ainda mais grave uma vez que, diz a ONG, o ministério espanhol “não analisa cerca de 80 por cento da contaminação por agrotóxicos atualmente utilizados nos campos.”

 

O documento refere que os químicos detetados têm diversas origens e características e encontram-se em rios, represas, lagos e também nas reservas aquíferas subterrâneas, evidenciando falhas na legislação europeia e espanhola e na gestão das bacias hídricas.

 

Segundo o jornal “Público”, o impacto desta realidade no território português não está calculado e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) não prestou esclarecimentos sobre o assunto.

 

TEJO E GUADIANA

No caso dos dois grandes rios do Sul de Portugal, no Tejo as análises a estas substâncias revelam que cerca de 30 por cento ultrapassam os valores de referência na lei espanhola, sendo a que a que é mais relevante é o herbicida glifosato. No entanto, há registo de excesso de metais pesados, nomeadamente, mercúrio e chumbo.

 

Já na bacia hidrográfica do Guadiana a contaminação é de maior dimensão, sendo que o glifosato continua a ser a substância mais poluidora, mas os níveis de mercúrio, cádmio e chumbo também ultrapassam os limites.

 

Segundo dados disponibilizado pela APA em 2019, e referentes aos anos entre 2014 e 2017, a qualidade das águas superficiais nacionais, 53 por cento encontravam-se em estado bom e 47 por cento abaixo desse parâmetro. O Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Guadiana da APA prevê que entre 2022 e 2027 seja necessário “reduzir em 50 por cento o uso de pesticidas até 2030”.

 

Como noticiámos recentemente, com base no Anuário Agrícola de Alqueva, a área agrícola ocupada com culturas permanentes e onde se pratica uma agricultura intensiva de regadio, é propícia ao aumento de substância tóxicas nas águas subterrâneas e superficiais, lê-se no mesmo plano.

 

José Paulo Martins, representante da associação ambientalista ZERO no Baixo Alentejo, confirma que “existem problemas” na região, resultantes da atividade agrícola e pecuária (poluição difusa) e que se reflete na qualidade das águas superficiais e subterrâneas. O ambientalista diz que estão a acompanhar a situação e informou que o 3.º ciclo (2022/2027) do Plano de Gestão das Bacias Hidrográficas está em consulta pública até ao final de julho.

 

José Paulo Martins diz que “é impossível não existirem problemas” e que que “não basta saber quais as substâncias que estão presentes, mas também a forma como em conjunto afetam o ambiente”. “Há muita investigação a fazer” e existem outros químicos que “não estão a ser devidamente estudados”.

 

No documento em discussão pública sobre a bacia hidrográfica do Guadiana pode ler-se que, segundo dados recolhidos entre 2014 e 2019 “as massas de água naturais da categoria rio foram maioritariamente classificadas em estado ecológico inferior a Bom, representando cerca de 57 por cento deste conjunto”.

 

Esta classificação resulta do “teor em nutrientes observado (…) bem como por elementos de qualidade biológicos”, sendo que “o parâmetro mais penalizador no que diz respeito à qualidade dos rios naturais foi o fósforo total, seguido pelo elemento biológico macroinvertebrados, bem como por fosfato, nitrato, fitobentos, azoto total, sólidos suspensos totais e nitrito, entre outros”.

 

O relatório concluiu que na Região Hidrográfica do Guadiana “a carga de nutrientes afigura-se como uma das principais condicionantes da qualidade ecológica”, verificando-se igualmente a “existência de indicadores de poluição associada com pecuária, descargas de efluentes e alterações hidromorfológicas”.

 

“Dentro das massas de água classificadas em Bom estado ecológico regista-se também a existência de duas massas de água consideradas como estando em risco de não atingir os objetivos ambientais, em resultado das pressões identificadas. Ao nível dos poluentes específicos prevalece o zinco, cenário que se verifica não só nesta região mas de forma geral a nível nacional. Este poluente é de uso muito frequente, para diferentes fins, embora possa também derivar das características geológicas locais. Detetaram-se ainda outros metais (cobre, crómio e arsénio) e produtos fitofarmacêuticos”.

 

FENAREG QUER MAIS FUNDOS PARA O REGADIO 2030

A Ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, anunciou a abertura de um concurso público de 50 milhões, no âmbito do PDR2020, para financiar quatro obras de rega em Alqueva – o circuito hidráulico Póvoa/Moura, a 2º fase do projeto de Reguengos, o plano da Vidigueira e plano de Messejana com ligação ao Monte da Rocha – e um reforço de 46 milhões de euros para apoiar a instalação de painéis fotovoltaicos nas explorações agrícolas, na agroindústria e nos aproveitamentos hidroagrícolas. As declarações da ministra foram feitas na Ovibeja durante o seminário “O Regadio no Desafio da Alimentação Mundial”, organizado pela Federação Nacional de Regantes (Fenareg) e onde reafirmou que “é prioridade do Governo avançar com segunda fase do Programa Nacional de Regadios”, admitindo a possibilidade de recorrer a múltiplos fundos comunitários e ao Banco Europeu de Investimento para financiar o regadio público. Por outro lado, os regantes afirmaram que os 421 milhões de euros de investimento público previsto para apoiar o regadio até 2030, cobrem apenas 34 por cento das necessidades – 1.254 milhões de euros estimados pelo estudo do Regadio 2030 – para desenvolver 134 000 hectares de novos regadios públicos e para modernizar as obras de rega existentes, das quais 70 000 hectares têm mais de 50 anos de existência. “As verbas atualmente previstas para apoiar os investimentos no regadio público e também privado são manifestamente insuficientes face às necessidades identificadas pelo próprio Governo e registam uma redução significativa face aos anteriores quadros comunitários”, afirmou José Núncio, presidente da Fenareg.

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