Diário do Alentejo

A necessidade de restaurar o centro histórico de Beja

06 de abril 2022 - 14:00
Responsáveis por entidades e moradores diagnosticam necessidades e avançam soluções

 “Como reabilitar o centro histórico de Beja?” foi o mote para o colóquio organizado pela coligação Beja Consegue, aberto à sociedade civil. O “Diário do Alentejo” falou, a posteriori, com alguns dos intervenientes na reunião e moradores da zona histórica, no intuito de elencar os problemas diagnosticados e as ideias para os conseguir solucionar.

 

Texto José Serrano

 

Antecipando o Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses, celebrado na passada segunda-feira, a coligação Beja Consegue promoveu, dia 24 de fevereiro, um colóquio subordinado ao tema “Como reabilitar o centro histórico de Beja?”.

 

Nuno Palma Ferro, vereador do município, eleito pela coligação organizadora do debate, justifica a pertinência do encontro, que reuniu técnicos de várias áreas e cidadãos intervenientes, pelo que considera ser o evidente estado de degradação, “em alguns locais, mesmo de abandono”, do centro histórico de Beja.

 

O vereador, considerando a situação como “um problema extraordinariamente complexo, com diversas origens, que apresenta soluções, também elas, diversificadas”, manifesta a necessidade de decisões políticas para a sua resolução, em articulação com as opiniões que possam vir a ser transmitidas pela sociedade civil, tendo por base as dificuldades e os anseios que esta poderá manifestar: “ou os cidadãos intervêm no processo de resolução ou então não se vai conseguir reabilitar o centro histórico”.

 

Nuno Palma Ferro refere que ao longo do debate “ficou absolutamente claro” que o caminho a seguir, na recuperação total do centro histórico, terá de passar pela resolução, “de forma isolada”, de cada um dos problemas identificados, “que são muitos”.

 

Classificando-o como não sendo um processo fácil, “que se faça repentinamente”, o vereador menciona, no âmbito das ações contributivas para este processo de reabilitação, a constituição de uma associação de moradores e comerciantes do centro histórico de Beja [ver caixa], ainda “numa situação muito embrionária”, organismo que pretende constituir-se como “uma força que permita a resolução de situações concretas”, em articulação com a Câmara Municipal de Beja e as diversas sinergias da cidade. Outra das ações desejadas passará “pela criação de um gabinete” exclusivamente dedicado à resolução de problemas existentes no centro histórico, nomeadamente aqueles que os seus moradores possam vir a apresentar. Nuno Palma Ferro sublinha, assim, a necessidade do estabelecimento de pontes, entre associações, a sociedade civil e o município, “para que as pessoas sintam, verdadeiramente, que a sua voz está a ser ouvida e que existe a vontade de melhorar as condições do centro histórico”.

 

Florival Baiôa, presidente da Associação de Defesa do Património de Beja (ADPBeja), considera que a “fase caótica” em que o centro histórico de Beja se encontra, “parado na sua conservação, no seu restauro e na sua revitalização”, é reveladora de “atrasos substanciais no desenvolvimento e na sustentabilidade da cidade”. O responsável da ADPBeja, diagnosticando as várias debilidades da zona histórica, realça as existentes no património edificado, com todas “as grandes obras por fazer, ícones da decadência completa de uma cidade”. Como exemplo dessas necessidades prementes, Florival Baiôa recorda o estado de degradação em que se encontra o Museu Regional de Beja, “um dos símbolos da cidade e ponto de atração turístico”, o atraso “constante, ano após ano, das obras do Fórum Romano de Beja” ou a “decadência vergonhosa” de alguns edifícios de relevância histórica e arquitetónica, “alguns deles pertencentes ao município”, no centro histórico, aconselhando aos habitantes de Beja passearem pelo centro da cidade, para que facilmente percecionem “a quantidade de prédios degradados, que ali existem”.

 

Para que a reabilitação do centro histórico de Beja possa ocorrer, o presidente da ADPBeja, para além da “necessidade de investimento por parte da autarquia, do Estado e dos privados”, considera imprescindível a criação de um Conselho do Centro Histórico, “como havia antigamente e legislado para que continue a existir”, capaz de analisar, “parcelarmente”, os vários problemas que vão surgindo. Incluir nesse processo associações, “como a ADPBeja e outras, ‘postas de lado’ por este e por outros executivos camarários”, e técnicos, “conhecedores da cidade em termos históricos, arqueológicos, arquitetónicos”, pois restaurar, sublinha, “é um processo complexo”, que necessita conhecimento abalizado – “não nos podemos esquecer que Beja é uma cidade com 2500 anos”. Por outro lado, expõe como fundamental chamar a população, até agora muito pouco “incentivada pelas instituições”, a intervir nesse processo de recuperação – “é importantíssimo que haja paixão pela cidade, pois só com a participação popular o centro histórico poderá ser devidamente restaurado e revitalizado”.

 

Florival Baiôa, deixa ainda como recomendação: “nós já perdemos mais de 20 anos, para estarmos contemporâneos com os vários movimentos europeus de preservação do património. Não estamos ainda incapacitados de trabalhar o centro histórico de Beja, utilizando os instrumentos financeiros, científicos e sociais à nossa disposição, mas é necessário, de uma vez por todas, sermos pragmáticos, mantendo as populações ao lado das instituições, que até agora não têm sido facilitadoras dessa união”.

 

 

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Rui Teixeira, militar na reserva, considera que o centro histórico de Beja, onde reside desde 2017, detém “um enorme potencial” de atração turística – pela sua ancestralidade histórica, pela sua “adequabilidade à implementação de projetos culturais”, pelas características identitárias “do seu património edificado”. Contudo, a série de limitações com que “o visitante se debate, no local” tornam a experiência “pouco agradável”, inibindo-o de recomendar a visita ou de considerar um regresso. Isto porque, manifesta, o edificado do centro histórico de Beja se encontra, “numa parte assinalável, em estado de elevada degradação” e as intervenções “que se vão fazendo” na sua recuperação, carecendo de coordenação técnica, “descaracterizam muitas vezes esse património”.

 

Acerca das dificuldades encontradas quotidianamente pelos moradores, Rui Teixeira refere a dificuldade de estacionamento automóvel, “nas estreitas artérias do centro histórico”, exclusivo para detentores do selo de ‘residente’, uma vez que, amiúde, se encontram ocupados por viaturas sem a respetiva permissão, “beneficiando da total inação das autoridades fiscalizadoras”. A recolha de resíduos domésticos, porta a porta, “tem provado ser”, diz Rui Teixeira, “uma excelente solução”, sentindo contudo, a falta “de recetáculos de lixo”, nas ruas e nos largos do centro histórico, “por exemplo, para depósito de dejetos de cães”, o que, “somado à ausência de uma política de educação e de fiscalização e de uma ineficaz atividade dos profissionais de limpeza urbana, contribuem para o péssimo estado de higiene de algumas ruas”.

 

Desta forma, o militar na reserva considera que a criação, “pela edilidade”, de um gabinete norteado para esta área da cidade, na procura “de soluções adequadas e exequíveis” para os problemas que apresenta, será uma medida certa a ser tomada. Um gabinete, esclarece, com a competência de, “em constante diálogo com a população que aí reside ou labora”, diagnosticar problemas e propor soluções que conduzam “a uma real melhoria das condições de vida desses cidadãos, à preservação do edificado e à dinamização de atividades”. Soluções passíveis de tornar o centro histórico num polo de desenvolvimento económico da cidade, através da “atração turística, da fixação de comércio e de atividades culturais”, capazes “de o transformar num espaço vivo”.

 

Simão Matos, professor de História do Ensino Básico e Secundário, morador no centro histórico de Beja desde 1999, evidencia “a ausência de um plano global e estruturado de intervenção” para a zona, realçando a “evidente degradação dos edifícios” – promotora de uma “ideia de abandono”. Por outro lado, refere, os incentivos para atrair novos moradores, ou para manter os que nele residem, “são inexistentes ou desconhecidos”, sentindo-se a ausência de comunicação e proximidade da autarquia e da junta de freguesia para com os moradores – “não faz sentido que pequenas obras de manutenção do centro histórico, como a falta de iluminação, só se efetuem após pressão nas redes sociais…”, diz.

 

Corroborando a opinião, já anteriormente referida, Simão Matos considera a necessidade de atuação, rápida, “sobre os não moradores que estacionem em lugares reservados a residentes”. Como medidas urgentes a serem tomadas no sentido da reabilitação do centro histórico de Beja, possuidor de “um enorme potencial, por aproveitar”, entende a necessidade de criação do gabinete de apoio ao centro histórico, desejável organismo com capacidade para transmitir informação e assim “agilizar processos burocráticos de licenciamento de obras”; recolher sugestões dos moradores, empresários e lojistas; promover turisticamente a zona; ajudar os residentes, “sobretudo os mais idosos”, em pequenas reparações; elaborar e aprovar, “de forma gratuita” projetos de intervenção e de arquitetura; “ceder tinta e cal para renovar as fachadas dos edifícios”. Paralelamente, considera a viabilização de uma rede municipal de museus e monumentos do centro histórico, integrando as várias instituições responsáveis e permitindo a sua visitação “com um bilhete de ingresso e horários comuns”. Refere ainda a possibilidade de serem criados roteiros temáticos (romano, medieval, barroco, azulejo, do pão, do cante e fado, das tasquinhas, dos doces conventuais…), a redução do IMI e IRC como instrumentos incentivadores à manutenção da atividade económica e a instalação, na zona, de lojas-âncora.

 

Um conjunto de hipotéticas iniciativas a implementar no desejo que o centro histórico de Beja “deixe de ser um ‘joguete’ nas mãos dos partidos políticos, que se acusam mutuamente da sua inoperância” e seja, efetivamente, valorizado, “melhorando a qualidade de vida de quem ali vive e trabalha, e se constitua como um “motivo de orgulho para todos os cidadãos da cidade”, conclui Simão Matos.

 

Paulo Monteiro, autor de banda desenhada, a viver, há uma década, no centro histórico de Beja, aprecia muito “o ambiente de bairro, de proximidade com os vizinhos”, que se vive na zona mais antiga da cidade – “gosto de ver os velhotes na conversa ou a beber um copo de vinho com os amigos, as velhotas à janela ou a passear os cães. Corresponde a uma ideia de cidade que me agrada. Há também muitos imigrantes a viver no centro histórico. Nepaleses, indianos, africanos, brasileiros… gosto desta mistura, do prazer de sentir o cheiro, ao descer a minha rua, de comidas de tantas partes do mundo”.

 

No entanto, essa visão prazerosa do local, amistosa e intercultural, de proximidade entre os vizinhos, não está isenta de constrangimentos, existindo, diz Paulo Monteiro, “muitos e variados problemas, com causas diferentes” destacando, de entre todos, a degradação e o abandono que se verifica em grande parte dos imóveis e as dificuldades financeiras de muitos dos moradores – “enquanto não se resolver esta questão, dando melhores condições de vida às pessoas, não se resolverá mais nada”, sublinha.

 

Para a reabilitação do centro histórico de Beja, Paulo Monteiro partilha da necessidade de o município criar um gabinete do centro histórico, “que pudesse sensibilizar as populações para a necessidade de preservar essa memória, dando apoio aos proprietários no sentido de candidatarem alguns edifícios a programas de recuperação e reabilitação”, coordenando e fiscalizando, ao mesmo tempo, “de forma efetiva, as intervenções que vão sendo feitas – algumas das quais bastante desastrosas”, refere.

 

“De qualquer forma, a reabilitação não se faz sem pessoas”, realça Paulo monteiro, considerando ser urgente “resolver a questão do estacionamento, que impede muita gente de ir viver para o casco antigo da cidade – em Espanha, França ou Itália resolveu-se esse problema, não é necessário inventar nada. Seria também necessário juntar algumas frações, pois boa parte das casas é muito pequena. Não é fácil, tudo isto. Em todo o caso há várias cidades que têm conseguido resolver estes problemas – basta ir a Guimarães ou a Sevilha para vermos que as cidades podem ser belas e funcionais”.

 

Paulo Monteiro manifesta o seu desejo de, futuramente, o centro histórico de Beja poder exibir, pelas suas esguias ruas, restaurantes, museus, lojas, pequenas empresas, bancos de jardim, sombras, algumas fontes. E “crianças a jogar à bola na rua, com os velhos a assistir”.

 

 

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ASSOCIAÇÃO SIM

Criada em fevereiro de 2022, a SIM – Associação de Moradores Proprietários, Comerciantes e Agentes de Desenvolvimento Económico e Cultural do Centro Histórico de Beja, de acordo com a sua cofundadora, Ágata Navarro, “resulta do movimento associativo da sociedade civil e tem o propósito de contribuir para o desenvolvimento e promoção do núcleo central histórico de Beja. A SIM defende a valorização do património arquitetónico, urbano e cultural e as suas possibilidades de empoderamento, reconhecendo os recursos humanos de qualidade significativa dos residentes, naturais e com raízes culturais na cidade de Beja. A SIM pretende, no âmbito da sua atividade, elaborar propostas nas áreas da habitação, do património arquitetónico e urbano, da mobilidade e do desenvolvimento sustentável económico e cultural, colaborando na capacidade de atração do território”. A SIM, identificando como principais debilidades do centro histórico “o mau estado de conservação do edificado e um tecido económico tradicionalmente frágil”, considera como urgente “o estabelecimento de pontes entre o conhecimento académico, as entidades gestoras do território e os cidadãos”.

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