Diário do Alentejo

Desemprego no distrito de Beja cai 13,8%

03 de dezembro 2021 - 10:30

O número de desempregados registados nos centros de emprego do distrito de Beja no final de setembro baixou em comparação homóloga. A retoma da economia após as restrições da pandemia de covid-19 é apontada como uma das justificações. Embora ainda estejam inscritas mais de cinco mil pessoas, os empresários da região debatem-se com falta de mão-de-obra, nomeadamente, nas áreas da hotelaria e restauração.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Segundo o último relatório mensal tornado público pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), no final de setembro estavam inscritos nos centros de emprego do distrito de Beja 5227 pessoas, menos 13,8 por cento do que em período homólogo de 2020 (6067 desempregados). A nível distrital, os números ainda não atingem os valores pré-pandemia de covid-19 (em setembro de 2019 estavam inscritas 5019 pessoas), no entanto, há concelhos onde isso já se verifica.

 

Destes 5227 desempregados, 54,8 por cento eram mulheres. Em metade dos 14 concelhos do distrito a percentagem de mulheres inscritas era superior a 60 por cento, observando-se o valor mais elevado em Almodôvar (71,3 por cento). Odemira é o único concelho onde há mais homens desempregados do que mulheres. Ainda de acordo com os dados de setembro, 51 por cento estavam inscritos há mais de um ano e 81,6 por cento estavam à procura de novo emprego. A faixa etária mais afetada, com 41,2 por cento, é a que se situa entre os 35 e os 54 anos, seguindo-se o grupo 55 e mais anos (23,6 por cento). Quase um quarto tinha o ensino secundário (24,5 por cento), 19,6 por cento já tinha terminado o 3.º ciclo do ensino básico e 18 por cento não tinha concluído o 1.º ciclo.

 

As estatísticas mensais referentes a 2021 revelam, ainda, que o número de inscritos tem vindo a diminuir ao longo dos meses, sendo que no primeiro trimestre do ano, de janeiro a março, contabilizaram-se 21 205 desempregados; entre abril e junho, 18 387; e, entre junho e setembro, 15 566.

 

De acordo com o delegado regional do Alentejo do IEFP, a diminuição registada no final de setembro face ao mês homólogo de 2020 pode ser explicada “em grande medida pela retoma da atividade económica verificada não só na região como no País”. “O número de desempregados inscritos nos serviços de emprego está diretamente correlacionado com o maior ou menor dinamismo do mercado de trabalho. Em 2020, devido à pandemia e às medidas sanitárias adotadas, muitas empresas suspenderam ou reduziram significativamente a sua atividade. Com a evolução da pandemia, vacinação e levantamento do estado de emergência notou-se uma forte recuperação económica e uma diminuição do número de inscritos”, explica Arnaldo Frade ao “Diário do Alentejo”. E sublinha: “Este impacto significativo pode ser comprovado na região pelo forte incremento na captação de ofertas de emprego, com um aumento na ordem dos 95 por cento neste período, acompanhado por um incremento de 45 por cento ao nível das colocações”. O responsável frisa, ainda, que a entrada em vigor de diversas medidas excecionais de combate à covid-19, nomeadamente, destinadas às empresas, “contribuíram para mitigar os efeitos da pandemia no desemprego”.

 

Realça, também, que, devido à pandemia, “e fruto das medidas adotadas na sequência da declaração do estado de emergência”, a atividade económica na região “foi afetada ao longo de quase todo o ano de 2020”, sendo que o “maior impacto” fez-se sentir nos setores do turismo e restauração e automóvel, “que estiveram praticamente sem atividade”. O setor mineiro, “consequência da baixa da cotação internacional do minério, também viu a sua atividade bastante reduzida”. Já o agrícola, “pelas suas características, foi o que menos foi afetado, mantendo uma atividade quase normal”. Assim, “em poucos meses o número de desempregados cresceu 20,8 por cento na região”.

 

Ainda em 2020, “com o ‘aliviar’ de algumas medidas sanitárias e a retoma progressiva da atividade económica, o número de desempregados inscritos começou a diminuir de forma consistente, tendência que se tem verificado ao longo de 2021, em particular nos últimos meses, em que do ponto de vista da atividade económica estamos num cenário de ‘quase normalidade’”, sublinha.

Se a pandemia “mantiver os padrões atuais”, é expectável que o número de inscritos na região continue a verificar uma tendência de estabilização/ligeira diminuição”, diz.

 

DESAJUSTAMENTO DE COMPETÊNCIAS E BAIXOS SALÁRIOS

É de notar, porém, que, apesar de haver mais de cinco mil inscritos nos centros de emprego do distrito, os empresários da região debatam-se com falta de mão de obra, nomeadamente, nas áreas da hotelaria e restauração, situação considerada preocupante.

Arnaldo Frade, segundo o qual a escassez nesses setores “não é exclusiva da região”, diz que a mesma poderá ser explicada pelo “desajustamento de competências sociais e profissionais de parte significativa dos inscritos; mesmo com dificuldades de recrutamento/escassez de mão de obra, a maioria das ofertas de emprego apresentam um baixo salário (salário mínimo nacional); no caso da hotelaria/restauração, os postos de trabalho estão muitas das vezes associados a horários repartidos e com durações elevadas (acima das 40 horas/semana média), por vezes incompatíveis com conciliação da vida familiar; e a inexistência de uma rede de transportes que responda à necessidade de deslocação dos trabalhadores entre as várias localidades numa área bastante extensa e de forma a cumprir com horários de trabalho mais exigentes”.

 

Lembrando que o turismo “é considerado um setor chave para o desenvolvimento da região, constituindo-se como um dos principais empregadores”, sublinha que “os serviços de formação profissional da região, ao longo dos anos, têm vindo a qualificar um número significativo de pessoas” nas áreas da hotelaria e restauração. Mais recentemente, diz, “foi criada, em parceria com o Instituto Politécnico de Beja, uma saída de nível 5, pós-secundário, técnico/a especialista em gestão hoteleira e alojamento”.

 

Perante a escassez de mão-de-obra, o delegado regional assegura que “há uma preocupação, constante, em melhorar as qualificações escolares e profissionais dos inscritos, nomeadamente, através do desenvolvimento de ações de formação profissional e de processos de reconhecimento e validação de competências escolares e profissionais obtidas por vias informais ao longo da vida”. Considera, ainda, fundamental “a adoção de uma política salarial ajustada às qualificações profissionais”, “a promoção da mobilidade de trabalhadores de outras regiões do País ou através do recrutamento internacional” e a “adoção de políticas transversais em áreas da educação e de transportes potenciadoras da atratividade da região e da fixação das populações”.

 

“DESEMPREGO É PREOCUPANTE”

A coordenadora da União de Sindicatos do Distrito de Beja, embora sublinhe que os últimos “dados trabalhados” de que dispõem datam do início da pandemia, considera que a diminuição de desempregados em setembro poderá dever-se a vários fatores, designadamente, ao facto de as pessoas terem “abandonado a região devido à pandemia”. Maria da Fé Carvalho aponta, como outra justificação, “o trabalho sazonal”, uma vez que, “embora em período homólogo de 2020 também se verificasse”, existiam mais restrições devido à crise pandémica.

 

No seu entender, o número de desempregados no distrito “é preocupante”, ainda mais tendo em conta que “um quarto tem mais de 55 anos, e aí reside uma grande dificuldade em encontrar emprego nas áreas que temos, e há mais pessoas com o ensino secundário, com mais qualificações, e a esse nível também não temos muita oferta”. E no que às mulheres diz respeito, “isso reflete-se mais tarde na questão das reformas, em que são muito mais baixas do que a dos homens, por terem os ordenados mais baixos ao longo dos anos e por estarem mais tempo sem emprego”. A solução para os problemas do desemprego e escassez de mão-de-obra, diz, passa por “boas condições de trabalho” e “salários atrativos”.

 

No Baixo Alentejo observa-se, atualmente, “em diferentes setores, um potencial e procura crescente nos mais diversos domínios”, revela, por sua vez, o presidente da mesa do conselho geral do Núcleo Distrital de Beja da EAPN/Rede Europeia Antipobreza. Todas as semanas, diz João Martins, “o núcleo de Beja, bem assim como outras entidades parceiras, divulgam ofertas de emprego para a região, o que é bem revelador do dinamismo económico existente”.

 

Tendo em conta não só as estatísticas oficiais, mas também “o conhecimento informal decorrente da rede de parceiros e de contactos no terreno”, considera que existem “algumas características fundamentais deste território” que, “em parte, poderão justificar os dados” de setembro. “A pandemia impactou e impacta de forma transversal quase todos os setores, sendo que o agrícola talvez tenha sido o que nunca deixou de produzir, mesmo aquando dos períodos de confinamento”. No setor da agricultura, que “tem um peso determinante e relevante no território, tendo sido um dos que mais se especializou, existem culturas a necessitar de mão de obra na quase totalidade do ano e outras que necessitam de mão de obra mais sazonal”. E a restauração, hotelaria e alojamento local “também têm ganho maior expressão no Baixo Alentejo”, dado que o Alentejo “é visto como um destino seguro”, por isso “muitos dos operadores voltaram a laborar”. Em alguns destes casos “a tipologia de trabalho exige algum grau de especialização”, pelo que pode haver “maior procura do que oferta de mão-de-obra”. O setor da construção “também tem observado um elevado dinamismo”. E a “iliteracia digital pode constituir-se como um entrave no acesso a alguns serviços públicos e à inscrição em plataformas digitais, bem como no acesso e resposta a determinadas ofertas de emprego”.

 

ESCASSEZ DE MÃO-DE-OBRA COM IMPACTOS NA QUALIDADE

A escassez de mão-de-obra verificada na hotelaria e restauração é, segundo o presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo, “preocupante”, não sendo, contudo, exclusiva da região, verificando-se “também a nível nacional e em muitos países da União Europa e até nos Estados Unidos da América”. “Portugal tinha à volta de 400 mil pessoas a trabalhar no turismo, e nestes anos de pandemia perdemos cerca de 80 mil, o que é muito”, justifica Vítor Silva, adiantando que as pessoas que saíram do setor “estão muito reticentes em voltar, porque encontraram emprego” noutras áreas e, “se calhar, a grande maioria chegou à conclusão que poderia ter, ganhando o mesmo ou menos, melhores condições de trabalho fora do setor, porque o turismo sempre foi muito exigente, nomeadamente, na hotelaria, animação, restauração, em que as pessoas muitas vezes têm horários de trabalho superiores àquilo que seria desejável, embora haja a obrigatoriedade de as entidades patronais compensarem esse trabalho a mais”.

 

O responsável sublinha que “há unidades na região, nomeadamente, na hotelaria, que não abrem portas porque não têm pessoas para trabalhar”, e outras “que estão a trabalhar com menos pessoal, com equipas desfalcadas, o que poderá ter impacto na qualidade” dos serviços prestados.

 

Vítor Silva afirma que o setor poderá melhorar, por exemplo, as condições de trabalho de forma a atrair mais pessoas, mas considera que é ao Governo que compete definir “uma política geral” que vise solucionar o problema.

“Nós afirmámo-nos no panorama nacional e internacional por uma marca, que é a marca da qualidade. Se temos menos pessoas a trabalhar, e se entra qualquer um sem qualificações, isso tem reflexos na qualidade, e construir um destino turístico pode demorar 20 ou 30 anos, mas para o destruir basta dois ou três”, conclui.

 

De acordo com o presidente da Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral (Nerbe), “há vários associados que manifestam a intenção de contratar, de aumentar os seus negócios, e que muitas vezes têm dificuldade em encontrar pessoas”, acabando, “com um custo enorme para as empresas, substituir-se às entidades formadoras no sentido de incorporar nas suas organizações trabalhadores e dar-lhes formação nessa área”. David Simão considera que se está perante um “problema sistémico” e defende que se deve, em primeiro lugar, “ao nível da educação, ter em linha de conta as necessidades do País e das empresas”; depois, “numa fase mais avançada, ter a capacidade de reconverter as pessoas que não têm emprego nas áreas para as quais estão vocacionadas e formadas para terem cabimento no mercado de trabalho”; e, por fim, “ir preparando o futuro, auscultando, de forma mais eficiente, o mercado empresarial, através do contacto com a associação empresarial, câmaras municipais, entidades civis e públicas, para perceber quais são as necessidades de hoje e as necessidades de amanhã”.

 

“Cabe ao IEFP perceber que deve não só estar junto das pessoas que estão desempregadas, mas também junto das empresas, auscultá-las”, diz, adiantando que o Nerbe está a “promover um périplo” pelo distrito, manifestando junto das câmaras as “preocupações e anseios dos empresários”.

 

Empregado de mesa, bar e empregado de andares são, segundo o presidente da Associação do Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja, as profissões em que se denota maior falta de mão de obra na região. “Se se considerarem 30/40 pessoas para a capital do distrito e 10 a 15 pessoas para cada concelho”, existirá uma carência “de cerca de 200 pessoas” para o setor da hotelaria, adianta João Rosa, frisando, no entanto, que o problema “é transversal a quase todas as atividades”. De acordo com o responsável, “é necessário e urgente as câmaras municipais criarem habitações a preços razoáveis para atrair pessoas para a região”.

 

PERFIL DE INSCRITOS MANTÉM-SE INALTERADO

A estrutura dos inscritos no final de setembro apresenta características “expectáveis em territórios de baixa densidade demográfica, com população envelhecida, com fraca mobilidade e com défices ao nível das qualificações, como é o caso do distrito de Beja”, diz Arnaldo Frade, adiantando que o perfil “é semelhante se comparado com períodos pré-pandemia”. Segundo o delegado regional, “o desemprego estrutural predominante verificado no género feminino na região é, ainda, potenciado pelas características demográficas (população envelhecida), sociais e culturais (baixas qualificações, menor mobilidade, papel da mulher enquanto cuidadora da família)”. Em Almodôvar, a proximidade à Mina de Neves Corvo, “que absorve maioritariamente mão de obra masculina, acentua esta desigualdade de género no acesso ao emprego e que se reflete nos inscritos no IEFP”. Odemira é exceção, “uma vez que é um território que recorre a mão de obra estrangeira para suprir necessidades na agricultura, essencialmente, masculina, havendo uma comunidade imigrante expressiva na região e já inscrita no serviço de emprego, pelo que em setembro de 2021 os homens representavam cerca de 52,5 por cento dos inscritos naquele município”.

 

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