Diário do Alentejo

Beja: EL Habitação “não exclui” famílias de etnia cigana

06 de outubro 2021 - 16:15

O presidente da Câmara Municipal de Beja garante que as famílias de etnia cigana “não estão excluídas nem impossibilitadas de terem acesso a habitações que vão ser construídas” no âmbito da Estratégia Local de Habitação (ELH) recentemente aprovada pela câmara e assembleia municipal. O bairro das Pedreiras, “que apresenta dificuldades significativas de habitabilidade”, é que “não terá uma intervenção específica dentro da estratégia”, diz ao “Diário do Alentejo”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

“Não há famílias definidas, nem pré-determinadas para ocupação dessas casas”, sublinha Paulo Arsénio, reforçando que “as famílias de etnia cigana têm a mesma possibilidade, de quaisquer outras, de poderem aceder a uma habitação”. O autarca refere ainda que quando a ELH foi apresentada nas reuniões da câmara e da assembleia municipal foi deixado claro que “não vai resolver todos os problemas habitacionais do concelho, vai é aliviar substancialmente a pressão que atualmente existe sobre as casas de habitação social”. E sublinha: “Não há a certeza de sermos financiados a 100 por cento; só temos garantidos 40 por cento”.

 

Recorde-se que a Câmara e a Santa Casa da Misericórdia de Beja querem investir 29 milhões de euros até 2026 em obras de recuperação e construção de casas para “aliviar a pressão sobre o parque habitacional” do concelho, ao abrigo da ELH. A estratégia será financiada pelo programa do Governo 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação.

 

Paulo Arsénio afirma, ainda, que a autarquia está disponível para, através “de programas de envolvimento com a comunidade” e com o programa Romed, melhorar as condições de habitabilidade das 50 casas existentes no bairro. “Temos noção que estão lá 50 casas, e que algumas apresentam dificuldades já significativas em termos de habitabilidade e teremos de estabelecer um plano para intervir. Mas sendo um bairro com muitas particularidades, tem de ser uma estratégia de intervenção integrada com a própria comunidade, que tem de assumir também alguma responsabilidade, embora sejam casas do município”.

 

Em relação “às 54 barracas” existentes no bairro, o presidente diz que existem duas possibilidades: “Aquelas famílias podem eventualmente ser realojadas nas casas que estão previstas dentro da ELH aprovada. Por outro lado, para a resolução do problema da comunidade no seu todo, tem de haver uma estratégia integrada no âmbito da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo que faça com que as comunidades permaneçam nos locais de residência e não se desloquem para locais onde aparentemente as coisas estão a avançar mais depressa”. E lembra que em janeiro de 2018, na sequência da visita das secretárias de Estado da Habitação e da Cidadania e Inclusão ao bairro, “se registou um grande afluxo de pessoas para Beja na expectativa de serem distribuídas casas”. “Uma expectativa errada e que não resolve o problema”.

 

Relembrando precisamente a deslocação a Beja das secretárias de Estado da Habitação e da Cidadania e Inclusão, e em que o presidente da câmara admitiu que a autarquia “por si só” não tinha meios “para resolver os problemas da habitação”, o presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC) diz não entender como é que, agora, “havendo apoio do Governo”, a Estratégia Local de Habitação não contemple o problema habitacional do bairro das Pedreiras.

 

Prudência Canhoto lembra ainda que após a reunião de trabalho entre as secretárias de Estado e o executivo houve uma visita ao bairro, tendo as governantes confirmado no local a degradação dos acessos, do espaço e das instalações.  “Todos conhecem a dimensão do problema, o Governo conhece a dimensão do problema, já lá esteve, como é que a estratégia de habitação não inclui o bairro, com tanta gente que lá está?”, questiona.

 

O presidente da AMEC sublinha que no bairro das Pedreiras vivem cerca de 800 pessoas, entre 400 e 500 nas 50 casas de tipologia T2 e as restantes em barracas e tendas. ”Sem falar das barracas, porque já sabemos como são, as casas não têm condições de habitabilidade. Têm dois quartos muito pequenos e albergam, muitas vezes, nove ou 10 pessoas. Algumas conseguem ter 13 e 14. São os pais, os filhos e os netos. Não é uma habitação digna”. Para além disso, diz, existem casas “onde chove” e não há qualquer espaço apropriado para as crianças brincarem. “Aquilo é desumano. Quando chove as crianças vão todas enlameadas para escola. Não há nada para as crianças. Brincam na terra, naquele descampado. Uma criança ali não aprende nada”.

 

Prudêncio Canhoto considera que parte da solução para os problemas do bairro passa pelo realojamento de algumas famílias de etnia cigana no centro da cidade, “dispersas pela malha urbana, porque isso é que é integração, não é fazer bairros para os ciganos”. Para além disso, “os telhados das casas do bairro deveriam ser reparados”, de modo a permitir acolher algumas das famílias que vivem nas barracas.

 

“Aquelas casas estão a ficar na última. Se não se fizer nada, passam-se os anos. Já lá vão 16 desde que foram construídas. E quantos mais anos passarem pior fica”, diz, sublinhando que “há muitos fundos comunitários, muitos dinheiros que se podem ir buscar”. A concluir, revela que a AMEC vai tentar agendar uma reunião com a câmara “para saber se existe algum plano para os problemas habitacionais” da comunidade de etnia cigana.

 

A câmara prevê recuperar 162 frações de habitação social municipal e também 60 fogos situados no centro histórico da cidade e nas freguesias rurais do concelho para arrendamento em regime de renda apoiada e acessível. Prevê ainda a construção de 84 fogos para arrendamento em regime de renda apoiada e acessível e a reabilitação de 22 casas propriedade de famílias vulneráveis e já sinalizadas pelos serviços municipais. Já a Santa Casa da Misericórdia de Beja prevê recuperar 27 e construir 40 habitações.

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