Diário do Alentejo

“É preferível morrer a gritar ‘Viva a Liberdade’ do que viver numa ditadura”

06 de agosto 2021 - 16:35

Texto José Serrano

 

Foi apresentado, recentemente, na sede do Grupo Coral Os Ceifeiros de Cuba, o livro “O Cavador que lia Livros no Tempo de Salazar”, da autoria de Francisco Cantanhede. Do que nos fala este seu livro?

 

O livro começa por desmontar a imagem do “santo” Salazar, divulgada pela propaganda da ditadura. Nos capítulos seguintes descreve a vida quotidiana daqueles que, nos latifúndios alentejanos, passavam os dias com “os corpos colados à terra”, recebendo em troca o “pão que o diabo amassou”.

 

Diria que algumas das suas inquietações, reveladas neste seu romance, nomeadamente o medo, a miséria, a indiferença, continuam contemporâneas?

 

Graças ao 25 de Abril de 1974 – é bom recordar –, foi sendo construído um Portugal novo: habitações condignas, assistência médica “tendencialmente gratuita”, direito à educação, a igualdade de género tem dado passos significativos... Contudo, o medo está de volta: medo de perder o emprego, medo de não ter dinheiro para comer ou para ir à farmácia, medo provocado pela mensagem de certas forças políticas que, travestidas de “modernidade”, não passam de herdeiras de um passado de dor, sofrimento e morte. Nas escolas existe igualdade, mas pouca equidade e a classe docente, envelhecida, está exausta. A fome voltou, envergonhada ou à vista de todos, provocada pelo desemprego, pelos ordenados e reformas miseráveis. A indiferença de parte da classe política e do cidadão comum é, por vezes, arrepiante. Veja-se o exemplo dos trabalhadores sazonais em várias regiões do país. É preciso voltar a gritar bem alto: “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, de modo a espicaçar consciências.

 

O que diria o cavador, personagem principal do seu livro, ao ouvir, hoje, alguém dizer: “Portugal precisa é de um novo Salazar”?

 

Diria, obviamente, que “os deuses devem estar loucos”. Quem esteve preso em Caxias, por se ter manifestado a pedir trabalho, preferiria perder a vida a gritar na rua “Viva a Liberdade!” do que voltar a viver numa ditadura.

 

O que mais gostaria que este livro despertasse, a quem o ler?

 

O amor pela “liberdade, igualdade, fraternidade”, os ideais dos revolucionários franceses que, em 1789, abriram as portas à democracia. Recordo que Jesus Cristo afirmou, há cerca de 2021 anos, que somos todos iguais – ricos e pobres, escravos e senhores, homens e mulheres – e que pediu: “amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei”, apelando à fraternidade entre todos os povos do mundo.

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