Diário do Alentejo

Países definem estratégias nacionais para a PAC

06 de agosto 2021 - 09:20

Desde 2018 que a nova PAC tem estado em discussão na União Europeia. Os deputados portugueses, assim como os dos outros 27 países, contribuíram em Bruxelas e Estrasburgo para que este processo fosse concluído. Agora chegou a vez de cada um dos estados membros definir as suas estratégias sem se desviar dos objetivos gerais já delineados. Isabel Estrada Carvalhais, do PS, Sandra Pereira, do PCP e Francisco Guerreiro, independente [dissidente do PAN], são alguns dos eurodeputados que dedicaram parte do seu trabalho a este dossiê.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Em declarações ao “Diário do Alentejo”, a deputada socialista diz que “a PAC tem a obrigação de contribuir para uma atividade agrícola com condições justas e dignas para os trabalhadores agrícolas e para os agricultores”. Isabel Carvalhais destaca a manutenção de “uma estrutura base de apoio ao rendimento dos agricultores, assim como dos apoios aos investimentos para promover e melhorar a competitividade das explorações agrícolas”. O objetivo defendido é “uma agricultura competitiva e sustentável em todas as suas dimensões, social, económica e ambiental”, numa perspetiva que não seja apenas de curto ou médio prazo.

 

“A sustentabilidade ambiental é pedra basilar da própria agricultura que, mais do que qualquer outra atividade, depende dos recursos naturais, do solo, da água, da biodiversidade vegetal e animal para a sua própria existência. Portanto, a gestão responsável dos recursos naturais tem de permitir que haja agricultura hoje e no futuro”, refere a deputada, advertindo que “de pouco adianta uma gestão que garanta apenas uma ou duas décadas de subsistência e de sustentabilidade” uma vez que hoje sabemos que “os impactos da nossa ação exigem uma resposta diferente e novas maneiras de agir”.

 

Quanto ao Baixo Alentejo, “uma área muito extensa e diversa que encerra no seu território diferentes sistemas agrícolas, muitos deles de elevada biodiversidade e valor ambiental, como é o caso dos sistemas de pastorícia extensiva”, Isabel Carvalhais acredita que “a PAC possui as ferramentas que permitem continuar a apoiar estes sistemas, e ajudar assim a manter um mosaico de paisagens e uma agricultura diversa, essenciais para a manutenção da biodiversidade  e equilíbrio natural, mas também para a resiliência da própria agricultura”.

 

“Os desafios que se enfrentam também devem ser uma oportunidade para desenvolver soluções inovadoras, avanços tecnológicos, que, juntamente, com o conhecimento acrescido que vamos tendo do funcionamento dos ecossistemas agrícolas, nos permita desenvolver práticas agrícolas mais eficientes e sustentáveis. Neste aspeto, penso que a nova ferramenta desta reforma, os eco-regimes, poderá ser muito útil para promover e apoiar a transição e adoção de novas técnicas mais respeitadoras do equilíbrio com a natureza”, conclui a eurodeputada socialista.

 

OPORTUNIDADE PERDIDA

 

Já Sandra Pereira tem uma opinião muito negativa sobre esta revisão da PAC. A eurodeputada do PCP diz que o seu partido apresentou várias propostas de alteração, mas que nenhuma foi aceite. “Aquilo que defendemos era no sentido de que houvesse um instrumento de regulação do mercado, essencialmente, para assegurar o direito de cada país a produzir”, sintetiza.

 

Uma das propostas rejeitadas ia no sentido de criar “um rendimento mínimo aos agricultores que fossem afetados por fenómenos meteorológicos extremos, como os incêndios, as inundações ou as secas e que são cada vez mais frequentes por causa das alterações climáticas”. Por isso, a bancada comunista defendeu “a criação de um seguro agrícola público financiado pelo orçamento da União Europeia para conferir alguma proteção a todos os agricultores”.

 

Outra questão que não vingou foi a do “princípio da preferência nacional, criando um sistema de obrigatoriedade de quotas de comercialização da produção nacional, passando as importações a ter um caráter apenas supletivo, nos casos em que um país se confrontasse com um elevado e persistente défice na balança agroalimentar que é o caso de Portugal”.

 

Sandra Pereira considera, assim, que “esta revisão da PAC foi uma oportunidade perdida”, uma vez que “continua a ausência da regulamentação de mercado que, a par com a continuidade dos acordos comerciais, vai potenciar uma maior importação de produtos agrícolas produzidos em melhores condições e com preços muito mais baixos, o que não é bom para os nossos agricultores, porque é uma competitividade para a qual não estão preparados”.

 

A deputada comunista constata que, em Portugal, “sete por cento dos agricultores recebem 70 por cento das ajudas”. Ou seja: “É o agronegócio que vai buscar as grandes ajudas e esta PAC mantém e acentua isso”. Na questão da convergência interna, critica a ministra da Agricultura por ter anunciado que “Portugal vai ter a convergência a 100 por cento, e que vai haver um número reduzido de explorações com mais de mil hectares que vai passar a receber, anualmente, mais de nove milhões de euros. São aqueles que já têm mais que conseguem ir buscar mais”.

 

Em relação ao propósito da nova PAC privilegiar um método de produção mais “verde” a avaliação também não é favorável: “É uma oportunidade perdida para alterar o sistema de produção intensiva que é insustentável, e que abusa da exploração dos recursos naturais, mas também dos direitos laborais e, no Baixo Alentejo, esta questão leva a que a agricultura não seja aliciante para a fixação das populações, já que o rendimento não é seguro nem justo”.

 

DESTRUIÇÃO MASSIVA DE RECURSOS

 

Francisco Guerreiro considera que o atual pacote da PAC “termina como começou” e é responsável pela “destruição massiva de recursos hídricos, de solos, e da biodiversidade na União Europeia”. O eurodeputado independente considera que o acordo conseguido “continua a direcionar fundos para a produção e ‘marketing’ de produtos de origem animal que têm uma elevada pegada ecológica em vez de os direcionar para a transição de culturas frutícolas ou hortícolas”, referindo como exemplo que o setor agrícola na UE, “segundo dados conservadores, é responsável por 10 por cento das emissões de gases com efeitos de estufa em que 70 por cento destes emanam do setor da pecuária”.

 

Para o deputado natural de Santiago do Cacém “um dos pontos mais controversos foi a regulamentação dos planos estratégicos nacionais” em que “20 por cento dos pagamentos diretos dos subsídios (1.º pilar), no valor de cerca de 270 mil milhões de euros, devem estar vinculados aos chamados esquemas ecológicos, ou seja, medidas ambientais originalmente destinadas a proteger o clima, a biodiversidade, aos quais o bem-estar animal e o uso reduzido de antibióticos foram adicionados”. No entanto Francisco Guerreiro aponta que o “acordo dá aos estados membros rédea quase livre para a sua implementação e estes são meramente voluntários”, acrescentando que “não deverá haver limite para os pagamentos diretos e as explorações agrícolas com as maiores áreas continuarão a receber os subsídios mais elevados”.

 

Quanto à “proliferação” de monoculturas intensivas em Portugal, particularmente no Alentejo, “verifica-se também a possibilidade destas produções receberem apoios comunitários para melhorar, por exemplo, a sua rega de precisão” o que, no entender do eurodeputado, permitirá continuar “a beneficiar os grandes produtores e um sistema que desperdiça cerca de 1/3 dos seus alimentos, focando-se também na produção excessiva para exportação, incluindo animais vivos para países fora da União Europeia”.

Comentários