Em 2020 as três estruturas de atendimento a vítimas de violência doméstica do distrito de Beja registaram, no total, 179 novas denúncias. Enquanto numa se verificou uma subida, quase o dobro, as outras registaram uma diminuição. Quer uma situação, quer outra, poderão, em parte, ser justificadas pela pandemia de covid-19.
Texto Nélia Pedrosa
O Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Domésticas do Distrito de Beja (NAV) acompanhou, em 2020, 74 novos casos de violência doméstica, mais 35 do que em 2019, ou seja, quase o dobro. Nos primeiros seis meses deste ano recebeu 29 novos casos. No total, incluindo os transitados, em 2019 foram acompanhadas 53 vítimas e, em 2020, 88. Nesses dois anos foram realizados 657 atendimentos. Entre janeiro e maio deste ano foram acompanhadas 34 vítimas e feitos 210 atendimentos.
Ana Lúcia Pestana e Patrícia Cardoso, respetivamente psicóloga e assistente social do núcleo coordenado pela Moura Salúquia – Associação de Mulheres do Concelho de Moura, dizem que “é difícil” tirar conclusões sobre a “flutuação do número de casos acompanhados”, dado que esta “se tem verificado também em outros períodos temporais”. Contudo, adiantam, se, por um lado, o aumento em 2020 poderá estar ligado ao facto de nesse ano ter sido retomado o atendimento descentralizado e a presença regular noutros concelhos da área do NAV, por outro, “existe também uma grande probabilidade de que os períodos de confinamento [devido à pandemia de covid-19] e os diversos fatores de ‘stresse’ adicional tenham agudizado algumas situações de violência doméstica”.
De acordo com as técnicas do NAV – que abrange os concelhos de Beja, Barrancos, Alvito, Cuba, Mértola, Moura, Serpa e Vidigueira –, o que “era esperado, e para o qual nos preparámos, era, de facto, um aumento das situações de violência doméstica, à semelhança do verificado noutros países atingidos” pela pandemia. “Na prática, o número de denúncias formais diminuiu, mas isto não significa que a violência tenha diminuído, porque o confinamento e o isolamento fizeram com que fosse mais difícil pedir ajuda”, dizem.
As técnicas sublinham ainda que, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), entre 2019 e 2020, verifica-se “um decréscimo de denúncias apresentadas a nível nacional de 6,3 por cento”. No entanto, no distrito de Beja, “verifica-se um aumento de 3,2 por cento, o que representou um total de 320 denúncias”, sendo que o NAV “registou esta tendência de forma ainda mais significativa, quase duplicando em 2020 os números de 2019”.
“APENAS UMA FRANJA DA REALIDADE”
Ainda assim, alertam, “dificilmente” os números que são divulgados pelas diversas estruturas com intervenção na área “correspondem à realidade”, dado que “muitas vítimas não recorrem a qualquer apoio e muitas mais não apresentam queixa”. E “há muitos fatores” que influenciam esta decisão. “Assim, apesar de significativos, os números das denúncias devem preocupar-nos visto que eles não representam a inexistência de situações de violência mas sim a sua ocultação”.
Já em Odemira, único concelho do distrito de Beja na área de intervenção do GAVA – Gabinete de Apoio à Vítima, da Taipa – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado, verificou-se o inverso, ou seja, uma diminuição nos pedidos de apoio de 2019 para 2020, e os indicadores do primeiro semestre deste ano, comparativamente a anos anteriores, indicam a mesma tendência, diz Sara Horta, coordenadora da estrutura. Em 2019 o GAVA recebeu 48 novas denúncias; em 2020, 37; e, nos primeiros seis meses deste ano, 17.
Referindo-se ao mais recente RASI, em que “as denúncias pelo crime de violência doméstica em 2020 diminuíram em cerca de seis por cento”, e tendo em conta que “grande parte dos pedidos de apoio é encaminhada pelas forças de segurança no momento em que as pessoas apresentam denúncia”, a responsável afirma que “se pode inferir que esta diminuição poderá estar relacionada com isto: menos denúncias, menos pedidos”. E afirma que, “claramente, a pandemia teve, tem e continuará a ter impacto nestes casos”.
“As vítimas estão mais controladas pelas pessoas agressoras, ficaram, muitas delas, sem os seus fatores protetores, e os fatores de risco aumentaram em razão de uma maior convivência e proximidade com as pessoas agressoras, impostas pelo confinamento. Ter a coragem para denunciar que se é vítima, para algumas pessoas, pode ser um processo longo, muitas vezes de anos, ainda mais difícil se tornará se essa pessoa vive confinada com quem a maltrata, sem ter ponto de fuga, sem poder ir para o trabalho e privado do contacto familiar ou social”, justifica.
Em 2019 o GAVA acompanhou 63 pessoas, num total de 414 atendimentos; em 2020, 39 pessoas e 227 atendimentos. De janeiro a junho deste ano foram acompanhadas 31 pessoas e do início do ano até ao fim de maio realizados 123 atendimentos.
Ao gabinete VERA – Vítimas em Rede de Apoio, da Esdime – Agência para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste, e que intervém nos concelhos de Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Ferreira do Alentejo e Ourique, chegaram, no ano passado, 68 novas situações de violência doméstica, menos uma do que em 2019. Entre janeiro e junho deste ano há registo de 43.
Marina Brito, coordenadora do gabinete, diz, por sua vez, que “os números sofrem sempre oscilações de ano para ano”, apesar de em 2029 e 2020 serem muito idênticos, “situação que não é muito comum”. Em relação a 2021, até ao momento, “verificou-se um ligeiro aumento face ao ano anterior, contudo não sabemos se é uma tendência que se irá manter ao longo do ano”, salienta.
No total, no primeiro semestre de 2021, foram atendidas 62 vítimas de violência doméstica. Entre janeiro e maio foram realizados 490 atendimentos. Em 2019 foram acompanhadas 117 pessoas, num total de 1541 atendimentos e, em 2020, 105 pessoas e efetuados 1129 atendimentos.