Diário do Alentejo

Alentejo 2020: Évora recebeu a maior fatia

30 de junho 2021 - 09:40

Os programas de fundos europeus têm como objetivo promover a coesão e ajudar ao desenvolvimento dos territórios mais pobres. Mas, no Portugal 2020, os dois concelhos mais ricos são aqueles que de mais ajudas beneficiaram. O Alentejo – um terço do País em território – recolhe apenas sete por cento destas verbas. No Alentejo Central foram investidos 600 milhões de euros. No Baixo Alentejo, 408 milhões.

 

Texto Luís Godinho, Marta Louro e Aníbal Fernandes

 

As quatro sub-regiões do Alentejo (Litoral, Baixo, Central e Norte) conseguiram ver aprovados, até ao final de março, cerca de 1,7 mil milhões de euros nos vários programas do Portugal 2020. Isto representa cerca de 7 por cento da verba total de 24,5 mil milhões de euros, apenas mais um por cento do que o município do Porto que beneficia de 1,4 mil milhões em ajudas europeias.

 

Estes são os números agora disponibilizados no portal Mais Transparência e dizem respeito às verbas disponibilizadas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), do Fundo Social Europeu (FSE), do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e Pescas (Feader). Os dados referentes ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) ainda não foram disponibilizados. Os apoios europeus visam potenciar a competitividade e a internacionalização da economia portuguesa e a sustentabilidade  e eficiência no uso dos recursos, do capital humano, da inclusão social e do emprego.

 

No Alentejo, a parte de leão dos fundos beneficia a sub-região do Alentejo Central, com 35 por cento (600 milhões / 3507,22 euro per capita); a seguir aparecem o Baixo Alentejo, com 25 por cento (408 milhões / 3501,11); o Alto Alentejo, com 21 por cento (366 milhões / 3939,61); e o Alentejo Litoral, com 18,6 por cento (315 milhões / 3368,22). Por municípios, Évora é o que recolhe mais fundos (334 milhões de euros), seguido por Beja (143 milhões de euros), Sines (94,6), Portalegre (89,5) e Elvas (66,2).

 

No Baixo Alentejo – sem Odemira que, para efeitos estatísticos, integra o Alentejo Litoral – Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Moura e Ourique, apresentam resultados ‘per capita’ inferiores à média da sub-região. O concelho de Alvito é aquele onde este valor é mais elevado. A renovação dos sistemas de abastecimento de água é o setor que mais beneficia de fundos com quatro projetos apoiados nos dez maiores do Baixo Alentejo, nomeadamente, Monte da Rocha, Guadiana Sul, subsistema do Roxo e Magra. A área da formação de adultos também é bastante apoiada.

 

Os dois projetos que recolheram mais verbas dos fundo europeus estão ambos sedeados em Évora: o Hospital Central do Alentejo, com 40 milhões de euros; e a Desiam, uma iniciativa que visa a produção de componentes para aviões de transporte comercial (23,5 milhões de euros).

 

Os fundos da coesão têm como objetivo apoiar e ajudar o desenvolvimento das regiões mais pobres, mas Lisboa e Porto, os dois municípios mais ricos do país, são aqueles que mais fundos recolhem para os seus territórios: Porto (1406 milhões de euros) e Lisboa (792 milhões de euros), sendo que a cidade invicta já apresenta um PIB ‘per capita’ superior à média europeia em 75 por cento.

 

“HÁ QUESTÕES QUE FICAM POR RESOLVER”

 

Ouvido pelo “DA”, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), Jorge Rosa, refere que o Baixo Alentejo “é uma região que carece, ainda, de bastante investimento e infraestruturação, mas o caminho faz-se caminhando, e estes 408 milhões de euros dão uma resposta importante, nomeadamente nos pequenos investimentos que muitas vezes não são tidos em conta, mas que muitas vezes são os mesmos que originam emprego, riqueza e desenvolvimento de território”.

 

“Qualquer território depende muito da dinâmica dos agentes privados para desenvolver a sua economia. O facto de existirem alguns fundos para o setor empresarial é extremamente importante para o desenvolvimento da região”, sublinha Jorge Rosa, segundo o qual “nada justifica a diferença existente entre os municípios de Évora e de Beja, se tivermos em conta investimentos de infraestruturação. Beja está talvez até mais carenciada do que Évora. A não ser que neste pacote de fundos estejam incluídos os investimentos do hospital central”. O que, de facto, sucede. “Estes 408 milhões de euros não são de todo suficientes para inverter o ciclo de atraso em relação a outras regiões. São uma ajuda e um apoio, mas não são suficientes, porque o Baixo Alentejo necessita e merece muito mais que isso”, acrescenta o presidente da Cimbal, sublinhando que o desenvolvimento económico e empresarial são fatores fundamentais para os próximos anos. “Tenho expetativa que possam existir alterações às prioridades do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que o próximo quadro comunitário possa ser importante para dar mais financiamento à região”.

 

“CONTINUAR NA MESMA SENDA”

 

Os fundos de coesão do Alentejo 2020 “acabam por continuar na mesma senda”, ou seja, “não correspondem às expectativas da população, não contribuem para a diminuição das assimetrias regionais e acima de tudo comprovam que os fundos são entregues não tendo em consideração as necessidades e as carências de cada uma das regiões, mas sim a capacidade de fixar e agarrar esses fundos”, diz o deputado João Dias, eleito pelo PCP, segundo o qual “deveria existir uma regionalização dos fundos, para que houvesse uma distribuição mais justa e equitativa dos fundos, mas a verdade é que não existe essa atenção”

 

“Os fundos são entregues em função dos projetos que são apresentados, não tendo em consideração as necessidades das populações e dos territórios. Beja continua a ser das regiões mais prejudicadas nesse aspeto, principalmente no que diz respeito aos fundos estruturais que podem levar ao desenvolvimento económico e social”, sublinha o deputado comunista, recordando que as acessibilidades “são fundamentais” para a região.

 

“INVESTIMENTOS POUCO SIGNIFICATIVOS”

 

Antigo gestor do Alentejo 2020, António Costa Silva diz que se olharmos para as necessidades de investimento do Baixo Alentejo, e para o Alentejo em geral, “verificamos que os montantes que estão disponíveis não são muito significativos”. “Ainda assim”, refere, “com esses montantes dá para resolver um conjunto de projetos e algumas infraestruturas importantes para o território e de apoio às empresas”.

 

“Contudo, o pacote de fundos está muito centralizado. Se repararmos aquilo que tem sido apontado para o PRR, observamos que grande parte dessas verbas são destinadas a zonas do litoral do país, onde há mais competitividade. Mais uma vez ficamos a perder. Quando o argumento é a competitividade, as empresas mais competitivas estão no litoral e quando o argumento é a descarbonização, mais uma vez está centrado nas zonas do litoral. Se comparamos que só para o alargamento da linha do metro de Lisboa- Loures e Porto foram destinados cerca de 300 milhões, está tudo dito”, acrescenta.

 

Já Paulo Arsénio, presidente da Câmara de Beja, frisa que “o quantitativo é interessante, mas se perguntarmos a cada um dos agentes do território, chegaríamos provavelmente à conclusão de que seria necessário mais investimento na região”. No que diz respeito, especificamente, ao município de Beja, refere que uma das “grandes capacidades” do atual mandato autárquico “foi o de aproveitar até ao limite todos os fundos europeus que estavam à disposição. Fizemos um aproveitamento útil para os munícipes, que é isso que também importa, porque não interessa só gastar o dinheiro, interessa gastá-lo bem, em coisas que sejam visíveis ou que transformem a qualidade de vida urbana e da população”.

 

“Existe sempre a tendência de olhar para Évora com desdém, mas se olhássemos para o quadro anterior verificávamos que tivemos uma diferença de muitos milhões a mais a favor do Baixo Alentejo. Essa diferença deveu-se ao Alqueva”, sublinha.

 

“ALAVANCAS DO INVESTIMENTO”

 

Ex-presidente do Núcleo Empresarial do Baixo Alentejo, Filipe Pombeiro reconhece, em declarações ao “DA”, que os fundos comunitários “são extremamente importantes para a região, uma vez que, funcionam como alavancas do investimento que são fundamentais para o desenvolvimento das regiões, sejam eles investimentos públicos ou investimentos privados”. Por isso, defende, é necessário “um pacote financeiro robusto que permita financiar parte do investimento, seja a fundo perdido ou em incentivos reembolsáveis, para continuar a crescer na cadeia de valor, ou seja, na industrialização da nossa economia regional”.

 

“A região, hoje, em algumas fileiras é já bastante competitiva. Noutros setores mais tradicionais, precisamos continuar neste caminho em que os fundos comunitários são essenciais. Para os próximos anos, as prioridades devem passar por ter um pacote financeiro robusto, para no setor público fazer os investimentos necessários, para dotar a região de boas condições à atração de investimento e para permitir ao setor privado, fazer os investimentos necessários e capacitar-se para convergir com a Europa e com o mundo”, acrescenta Filipe Pombeiro.

 

“TEMOS DE AVALIAR IMPACTOS”

 

Vítor Proença, presidente da Câmara de Alcácer do Sal e da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral (Cimal), defende que os impactos destes apoios comunitários “têm de ser avaliados do ponto de vista de políticas públicas” pois, sublinha, “não podemos despejar dinheiro em obras e não avaliar quais são os impactos que esses milhões podem ter numa região”. Nesta perspetiva, a Cimal “tem defendido a existência de políticas publicas que conduzam ao crescimento económico, que consigam atrair mais pessoas para o litoral alentejano e que conduzam a melhores acesso, como a ligação à autoestrada. Ainda hoje não existe uma ligação entre o Porto de Sines e a autoestrada, em perfil de quatro vias. Muita coisa avançou, mas há outras que marcam passo e sobretudo do ponto de vista do crescimento económico e mais investimento”.

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