Em 2009 havia no Alentejo, 29.292 produtores agrícolas singulares. No último recenseamento, a que o ‘DA’ teve acesso, são 26.657. Feitas as contas, existem menos 2.635 agricultores, o que traduz uma redução de nove por cento. Cerca de metade destes produtores têm mais de 65 anos de idade.
No distrito de Beja, em 2009, estavam recenseados 10 154 agricultores. Neste momento, são 9.952, o que representa uma diminuição de dois por cento. Esse valor é cinco vezes inferior à média regional. É em Serpa que se regista a maior quebra, passando de 2001 para 1737 Os mesmos dados mostram que esse abandono é apenas de agricultores do sexo masculino, uma vez que o número de mulheres inscritas como produtoras agrícolas, entre 2009 e 2019, aumentou, tendo passado de 6544 para 7346.
Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo, considera que o facto de existirem mais empresas pode ser uma razão para explicar esta tendência. Mas por outro lado, a redução do número de produtores agrícolas “também se deve à idade avançada de muitos agricultores – sobretudo a explorar pequenas parcelas - que por motivos de saúde são obrigados a deixar a atividade, e por norma, não existe um rejuvenescimento dos jovens neste setor”.
“Os motivos para esta redução podem ser muitos, mas, certo é, que esta diminuição tem vindo a ser clara e inequívoca ao longo dos anos, no Alentejo, como em outros pontos do país”, refere Francisco Palma, segundo o qual os dados divulgados pelo INE demonstram que a agricultura deixou de ser uma atividade direcionada apenas para os homens: “Há muitas mulheres envolvidas na agricultura, mas não se verifica um grande crescimento, pois a atividade agrícola sempre esteve mais centrada nos homens”.
O facto de o distrito de Beja ter uma redução cinco vezes inferior à média regional pode estar relacionado com a “qualidade dos solos, onde a área em média por exploração é maior”, explica o presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo. “Para isso”, prossegue, “basta pensar que a área média nacional de exploração agrícola anda por volta dos 12 ou 13 hectares. No Alentejo são 47 ou 48 hectares, o que faz com que o abandoado da atividade não seja igual em todo o país”.
Já o presidente da Associação de Agricultores de Serpa, José Damião, considera outra explicação para a diminuição do número de produtores singulares está diretamente relacionada com o surgimento de mais empresas na área agrícola. “Como somos os principais beneficiados do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva”, diz, “a profissionalização da agricultura faz com que as explorações agrícolas sejam lideradas cada vez mais por empresas”.
Esta mudança de paradigma tem aspetos positivos e negativo. Por um lado, “as entidades ao serem constituídas como empresas vão gerir as explorações agrícolas, o que vai contribuir para uma maior profissionalização da agricultura, uma maior procura por novas tecnologias e há uma maior utilização racional dos recursos, no sentido em que acaba por ser o fator económico e a experiência de gestão que lidera as atividades empresariais”. Por outro lado, com estas alterações, deixa de “haver uma ligação à terra”, sublinha.
Para José Damião, “há uma série de fatores que podem estar em jogo”, sendo difícil avaliar, neste momento, as consequências desta alteração no panorama agrícola regional. “Estas alterações estão a acontecer agora. Só talvez daqui a 10 ou 15 anos é que conseguiremos ver esse impacto, seja ele positivo, negativo ou até misto”.
No caso concreto de Serpa, assegura, “não há um abandono da terra, o que pode acontecer é um abandono da atividade dos agricultores singulares, que poderá estar relacionado com o aumento do número de empresas ou com o aglutinar das áreas. A atividade agrícola manteve-se ou aumentou”, explica.
“É DIFÍCIL SER AGRICULTOR”
Nuno Faustino, presidente a Associação de Criadores de Porco Alentejano (ACPA), diz que “é cada vez mais difícil ser agricultor, sobretudo de sequeiro e de pecuária extensiva, devido aos fatores climatéricos, mas também, porque a pandemia veio agudizar esta situação, com a quebra dos bens agrícolas que baixaram substancialmente os preços, sobretudo a parte pecuária”.
“Mas, temos de pensar que os agricultores são uma população já em idade avançada. São os mesmos há vários anos e o setor é pouco atrativo para as camadas mais jovens. Há cada vez mais burocracias associadas à atividade, e todas essas situações convergem para que o abandono da atividade seja maior por parte dos agricultores”, defende.
“O setor do porco alentejano sofreu um grande rombo com a pandemia, viu as suas produções desvalorizar na ordem dos 40 por cento e com grandes dificuldades de escoamento. Há um grande desânimo por parte dos criadores de porco alentejano, porque as vendas não cobrem as despesas. Se as coisas não se inverterem, no próximo ano, vamos ter um abandono de um número significativo de explorações”, conclui Nuno Faustino.
PEDRO DO CARMO DIZ QUE O PARADIGMA DA AGRICULTURA “MUDOU”
O presidente da Comissão Parlamenta de Agricultura e Mar, Pedro do Carmo, diz que o paradigma da agricultura “mudou” e que existe uma “alteração significativa” na forma de fazer agricultura no Baixo Alentejo. “Nos últimos anos, foram constituídas muitas sociedades agrícolas, o espírito e o conceito do agricultor tradicional mudou”. Segundo o deputado, “outro facto importante é que a agricultura é hoje muito competitiva e mecanizada, o que reduz o número de agricultores e de população empregada neste setor primário”. Tendo em conta os números do Recenseamento Agrícola, Pedro do Carmo diz constatar que “existe menos o espírito do agricultor ligado à terra e do conceito da agricultura familiar”. No entanto, acrescenta, estes números estão longe de ser “assustadores”, antes “espelhando a evolução” da agricultura na região.