Diário do Alentejo

EDIA: Estudo diz que novos olivais são sustentáveis

31 de março 2021 - 17:10

A cultura do olival em vaso ou sebe (intensivo ou superintensivo) apresenta “baixas exigências hídricas”, “aumenta a matéria orgânica no solo”, contribui para a criação de postos de trabalho diretos e indiretos e, na última década, foi responsável por um aumento significativo da receita fiscal a favor do Estado. Os pontos negativos apontados são referidos como “pontuais”, resultam ou do não cumprimento da legislação, ou podem ser alvo de medidas mitigadoras.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

A “má imagem” que a cultura do olival em vaso ou em sebe tem na opinião pública resulta de um retrato “divulgado pelos media” que não corresponde à realidade, afirma o estudo encomendado pelo Governo, coordenado pela EDIA e que contou com a colaboração da Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, o Instituto Nacional de Investimento Agrícola e Veterinária e a Direção-Geral da Agricultura e Veterinária.

 

A versão defendida pelo documento é a de que em questões como a exploração da mão-de-obra, os impactos da extração de bagaço de azeitona nas populações ou a mortandade da avifauna em resultado da colheita noturna – que foi suspensa de forma voluntária pelos proprietários dos olivais – “o que está em causa é o cumprimento da legislação existente” que não é imputável “diretamente” ao setor, pelo que o relatório optou por não os estudar.

 

Em 2018 o Alentejo era responsável por 179 mil hectares de olival, do total dos 361 mil existentes em Portugal, cerca de 9,5 por cento da área agrícola. A produção atingida foi de 725 mil toneladas de azeitona (943 em 2019), o que resultou num valor de 625 milhões de euros. As exportações atingiram 579 milhões de euros e as importações ficaram-se pelos 330 milhões de euros, um resultado que trouxe a balança comercial do setor para o positivo.

 

Desde há 25 anos que se regista um aumento da cultura do olival no Alentejo – particularmente no perímetro de rega de Alqueva – a par de um decréscimo no resto do país. No entanto, a produtividade média nacional quase quadruplicou, “impulsionada pelo acréscimo de produção” na região a sul do Tejo “fruto da introdução de grandes áreas de regadio”.

 

É, pois, sem surpresa que o olival é a grande cultura do perímetro de rega de Alqueva, primeiro através de investimento com origem em Espanha, mas rapidamente acompanhado pelos agricultores e investidores portugueses. Os recursos hídricos disponibilizados e a exigência de menos mão-de-obra temporária devido à mecanização do setor foram argumentos que contribuíram para esta aposta.

 

Refira-se que do total da área agrícola utilizada no Alentejo – 1 906 874 hectares – apenas cerca de nove por cento está ocupada pelo olival, mas no perímetro de rega do Alqueva, esta cultura ocupa 63 152 hectares, 61 por cento da área total.

 

Já no que diz respeito ao consumo de água, o olival moderno (em vaso com 200 a 600 árvores por hectare; em sebe com mil a 2500) ficam abaixo dessa percentagem (ver quadro).

 

IMPACTOS

 

Segundo o estudo, é “evidente o impacto social” do aumento da cultura do olival no Alentejo, em geral, e no Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EMFA), em particular. Desde logo na criação de postos de trabalho, “aumento da riqueza por via da produção agrícola e industrial, bem como pelo desenvolvimento de atividades a montante a jusante”.

 

É referido – de forma empírica – o aumento da empregabilidade que daqui resultou junto dos estudantes dos estabelecimentos de ensino agrícola e o “aparecimento de uma nova geração de técnicos especializados”. No entanto é difícil quantificar os impactos pois os números disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) não permitem a desagregação de dados “o que dificulta a análise desta informação”.

 

Ao nível económico ressalta, desde logo, o impacto positivo na balança de transações externas o que veio inverter uma tendência que se verificava desde os anos de 1960, em que no país era importador, para um saldo positivo de 249 milhões de euros em 2017.

 

Segundo um estudo da Olivum citado pelo documento, o rendimento bruto da atividade triplicou no espaço de oito anos”. De resto, os números são corroborados pelo INE e pela Pordata: “Aumento do volume de negócios do setor agrícola, produção animal, floresta e caça entre 2011 e 2017, nas diversas NUTS III do Alentejo, destacando-se o Baixo Alentejo (+ 121,9 por cento) e os concelhos situados na área de regadio; acréscimo de volume de negócios das empresas alentejanas, entre 2011 e 2017 (14,39 por cento), face à média nacional (9,14 por cento)” – 28,41 por cento no Baixo Alentejo.

 

O documento agora divulgado cita o “Estudo do Impacte do Projeto Alqueva na Economia Portuguesa”, realizado por Augusto Mateus, em 2016, em que o antigo ministro da Economia do XIII Governo Constitucional liderado por António Guterres, “estima” um aumento das receitas fiscais na ordem dos 200 milhões de euros, o que daria uma projeção de 70 milhões de euros anuais com origem na cultura do olival.

 

Quanto ao emprego, o estudo recorreu a duas fontes de informação. Segundo o INE, na região do Alentejo Central e Baixo Alentejo existiam, em 2017, 1967 unidade de trabalho anual (UTA); já segundo informação proveniente dos roteiros técnicos, na região de Alqueva, diretamente ligados à atividade nos olivais existem 3602 UTA. Não são contabilizados outros empregos a montante e jusante, nomeadamente, “fornecedores de fatores de produção, prestadores de serviços de empresas de rega” e assessorias ligadas à transformação nos lagares.

 

Segundo um estudo da Universidade de Jaen, em Espanha, “o total de postos de trabalho criados no olival de regadio” e em outras a atividades ligadas ao setor, é de 16 pessoas por cada 100 hectares, o que no caso em análise daria cerca de 9 600 postos de trabalho.

 

Como se constata os valores são díspares, mas o documento coordenado pela EDIA conclui que “no que diz respeito ao olival de regadio de Alqueva, a sua implementação tem um impacto positivo na criação de emprego, não só na produção como também nas atividades associadas a montante e a jusante”.

 

Acresce, como já se viu, que o olival tem “baixas exigência hídricas”, é “resiliente à irregularidade climática”, resiste bem a pragas, o que leva à pouca utilização de fitofármacos, e “o enrelvamento das entrelinhas aumenta a matéria orgânica no solo”. É fulcral no “combate à desertificação” criando uma “barreira verde” que capta grande quantidades de CO2, garantem.

 

MÁ IMAGEM

 

No entanto, a perceção de “parte da população” perante o aumento da área de olival é negativa. A começar pelas grandes manchas de olival e a consequente “pressão paisagística” e alteração da paisagem tradicional e, em “casos pontuais”, a instalação de novos olivais “onde não foram cumpridas as melhores práticas e a legislação”. Para além disso, são referidas “lacunas na identificação dos impactes na fauna, flora, solo” e nos aquíferos”.

 

Para combater a má imagem, o estudo sugere ações de “sensibilização junto dos proprietários para a adesão a práticas mais equilibradas” e fomentar a economia circular, nomeadamente, através da valorização dos resíduos (compostagem). Já para responder aos impactes ambientais, a EDIA identificou “diferentes medidas de minimização e compensação”, estando o seu sucesso dependente do grau de adesão dos agricultores.

 

É reconhecido que na fase inicial do EMFA “houve algumas situações menos corretas”, designadamente na “afetação das linhas de água e respetivas galerias ripícolas, de charcos mediterrânicos e de sítios patrimoniais”, ou na “proximidade a áreas urbanas e inexistência de descontinuidade na paisagem, com grandes áreas ocupadas com culturas intensivas”. No entanto, o estudo garante que atualmente a prática tem assumido “uma postura corretiva e pedagógica, de modo a que todos evoluam na curva de conhecimento associada à vivência desta rica experiência de transformação e revitalização de uma região outrora deprimida, envelhecida e com riscos sérios de desertificação física e despovoamento”.

 

Assim é sugerida a instalação de sebes de compartimentação que irão servir de “quebra vento”, protegendo a cultura de ventos adversos, e desta forma as plantas, o solo e a água. Mas também são propostas medidas para minimizar a erosão dos solos, promovendo a infiltração da água das chuvas, estabelecer a continuidade entre ecossistemas diversos, atuando como corredores para espécies, proteger da pulverização de produtos químicos das explorações vizinhas e atrair fauna auxiliar permitindo o combate biológico das principais pragas.

 

Também se aponta para a reabilitação da vegetação ripária com vista à “retenção dos sedimentos da erosão hídrica, limitando assim a perda de solo e de nutrientes por arrastamento e consequente assoreamento das linhas de água; regulação microclimática, por exemplo através incremento da humidade relativa do ar pela evapotranspiração; da regulação da temperatura; e à produtividade biológica e manutenção de zonas de abrigo e de corredores essenciais à fauna.

 

Em relação ao montado, “enquanto ecossistema de origem antropogénica” e que é “um dos habitats mais relevantes no que respeita à manutenção da biodiversidade, ao combate às alterações climáticas e ao equilíbrio dos valores naturais com a ação humana”, o estudo diz que “têm sido na sua grande maioria excluídas das áreas de bloco de forma a fomentar a sua salvaguarda”, sendo defendido a “sensibilização” para a “possibilidade” de “compatibilização dos exemplares de sobro e azinho com os projetos agrícolas”.

 

OLIVICULTORES APLAUDEM, AMBIENTALISTAS CRITICAM

 

“Sustentável e eficiente na gestão dos recursos hídricos”. É como a Olivum tem descrito a cultura do “olival moderno” – em modo intensivo ou superintensivo – e que diz ver agora confirmado no estudo da EDIA. Exemplo de “más práticas no cultivo”, contrapõe José Paulo Martins, da associação ambientalista ZERO, afirmando que só não vê quem não quer: “basta andar pelo terreno”.

 

Para Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Olivum, o estudo agora divulgado comprova que “o olival está perfeitamente adaptado à região do Alqueva”, tratando-se de uma cultura “com baixas exigências hídricas”. Em comunicado, a Olivum defende que “a evidência científica demonstra que o olival em copa e em sebe não promove mais pressões ambientais do que outras culturas regadas”. Antes pelo contrário: “os indicadores apontam o olival moderno como uma das culturas menos potenciadoras de impactos negativos no solo”, um dos mitos que, segundo este representante dos olivicultores é necessário combater e que este estudo “oficialmente” reconhece.

 

Do ponto de vista económico, Gonçalo Almeida Simões assinala que “o olival tem permitido uma rentabilização dos investimentos públicos no Alqueva, ao proporcionar uma rápida e grande adesão dos agricultores ao regadio”, ao apresentar esta cultura como geradora de “uma considerável mais-valia” económica, social e laboral. “O setor do olival impacta mais de 32 mil pessoas e, continuou sempre ativo desde o início da pandemia, sem recorrer a ‘lay-off’ ou a despedimentos”, sublinha, acrescentando que o estudo, “vem, de forma irrefutável, dar resposta a muitas questões tantas vezes postas em causa”.

 

José Paulo Martins, representante da associação ambientalista ZERO em Beja, refere que a própria EDIA “reconhece insuficiência numa série de aspetos” e diz que, apesar de o documento assegurar que “são uma exceção”, basta andar no terreno para constatar que “são muitos mais casos. Há uma quantidade de irregularidades com linhas de água, zonas de montado e instalações em declive. Não me venham dizer que são coisas pontuais”, critica.

 

O ambientalista considera ainda que é “um absurdo” defender o olival no Alentejo como “a grande barreira verde contra a desertificação” e sustentou que, para travar esse processo, é necessário, isso sim, “combater a erosão e a perda de solo”. Segundo refere, “os olivais instalados com os camalhões orientados na direção das linhas de água” permitem que “quando há uma chuvada, só se vê terra a vir por ali abaixo e as entrelinhas todas gretadas. Nesses casos, a cultura tinha de ser adequada a esse espaço e, se calhar, não podia ser superintensivo, mas apenas intensivo”. Mas também existem propostas com que concorda.

 

José Paulo Martins aprova, por exemplo, a criação de uma entidade única que faça a “avaliação prévia” das instalações para “ver se estão a ser respeitados esses condicionalismos de ordenamento e boas práticas” e, acima de tudo, “fiscalizar”. Mas lembra que “a própria EDIA fez, há tempos, um guia de boas práticas. Isso é o que não falta, mas se não forem obrigatórias”… Sobre a parte económica, “obviamente muito valorizada”, o ambientalista não nega “a importância” que o olival teve para a região, mas lembra que “muito do emprego criado é precário” e prefere focar-se na questão da regulamentação da aplicação dos fitofármacos. “Uma distância de 30 metros [das casas], ou 15 se existirem sebes, parece-nos muito pouco. Basta estar no terreno para ver que, se estiver um pouco de vento, a nuvem espalha-se e chega junto das pessoas”, exemplificou.

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