Diário do Alentejo

Baixo Alentejo com mais "chumbos" no básico

17 de janeiro 2021 - 14:40

Só um em cada três estudantes completa sem ‘chumbos’ o percurso entre o 2.º e o 9.º ano de escolaridade. A fraca expectativa das famílias face à escola e a rede de transportes ajudam a explicar casos de insucesso

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

O Baixo Alentejo é a região do país com as maiores taxas de retenção de alunos do ensino básico, de acordo com o relatório "Estado da Educação em Portugal", agora publicado pelo Conselho Nacional de Educação.

 

Segundo o mesmo estudo, logo no 2º ano do ensino básico, a taxa de retenção nas escolas do Baixo Alentejo que, para efeitos estatísticos, corresponde ao distrito de Beja sem integrar o concelho de Odemira, é de 12,6 por cento. Seguem-se o 7º ano, no qual 12 por cento dos alunos acabam retidos, o 9º ano com 9,4 por cento de retenções e o 8º ano com 8,9 por cento, uma taxa de retenção ligeiramente superior à do 5º ano que é de 8,4 por cento. O estudo mostra também que o Baixo Alentejo é a região do país onde uma menor percentagem de alunos realiza um percurso de pleno sucesso no ensino básico: apenas um em cada três estudantes, 33 por cento, completa o trajeto do 5º ao 9º ano sem qualquer chumbo.

 

Para Júlio Silva, diretor do Agrupamento de Escolas de Mértola, a existência de “fracas expectativas dos alunos e respetivas famílias em relação à escola”, aliada à “falta de hábitos e de métodos de trabalho” e a uma rede de transportes “manifestamente insuficiente, que condiciona a flexibilização dos horários dos alunos e a possibilidade de criar espaços para apoio e reforço das aprendizagens”, são razões que ajudam a explicar as elevadas retenções de alunos nas escolas do Baixo Alentejo. Acresce que a oferta formativa, sendo de âmbito nacional, “não tem em consideração as especificidades dos territórios de baixa densidade”.

 

Filipe Sousa, professor de História do 3º ciclo do ensino básico e secundário, no Agrupamento de Escolas N.º 1 de Beja, sublinha que os anos iniciais de ciclo [5.º e 7.º] “são, por vezes, de “difícil adaptação”, pois os estudos tornam-se mais exigentes. “Deparamo-nos, de facto, com alunos que demonstram resistência em apreender novos conhecimentos e novos processos de abordagem das matérias, vendo-se “aflitos” para acompanhar a complexificação inerente. Para que o consigam, têm de empreender um esforço que requer uma enorme atenção nas aulas e o cumprimento integral das atividades, tanto na aula, como em casa, seja nos trabalhos ou na preparação para os momentos específicos de avaliação: testes e apresentações”.

 

Ainda de acordo com Filipe Sousa, “os professores sentem alguma pressão, não institucional, mas generalizada, para que o “chumbo” seja a última das medidas. Porém, quando nos deparamos com um número avaliativo incontornável nas várias disciplinas, essa é, de facto, a única solução pedagógica, no sentido em que é dada ao aluno mais uma oportunidade de colmatar as falhas na aprendizagem, ao invés de transitar mal preparado e com imensas lacunas ao nível das aprendizagens essenciais”.

 

Uma situação que conhece casos felizes, em que os alunos se redimem nos anos seguintes, mas que, noutros casos, “caem num torpor educativo e vão ficando para trás”, marcados pelo anátema do eterno “mau aluno”, em que apenas soluções como os cursos de educação e formação ou os programas integrados de educação e formação, “percursos alternativos de escolaridade no ensino básico, ou mais tarde, os cursos profissionais ministrados nas escolas ou no IEFP, lhes permitem completar a escolaridade obrigatória”, refere Filipe Sousa.

 

Presidente da Associação de País da Escola EB23 Santiago Maior, Sofia Monteiro é mãe e é socióloga. E é à luz destes três ângulos de observação do contexto escola, que faz e partilha a sua leitura dos dados apresentados, enunciando alguns fatores que identifica como responsáveis pela situação: “A própria escolaridade dos pais, a condição socioeconómica de origem da família e até o meio geográfico, pois o interior rural é mais penalizado com insucesso escolar do que o litoral mais urbano. Mas do ponto de vista sociológico, a posição socioeconómica da família e a escolaridade das mães são vistos como preditores do sucesso escolar dos filhos. É preciso também não esquecer que o insucesso escolar não inclui só a retenção, temos de olhar também para as taxas de abandono precoce”.

 

O estratagema para inverter estes resultados estatísticos passa por “combater o absentismo”, sendo que, para isso, “a escola tem de se tornar motivante, acolhedora e acrescentar valor à vida do aluno”. Outra área de atuação, assegura Sofia Monteiro, deverá ser o combate às dificuldades que colocam alguns alunos em desvantagem face aos outros: “Dificuldades económicas, falta de apoio em casa, pouco acesso ou nenhum a bens de cultura, educação e ciência, que fazem a diferença no apetrechamento do aluno para encarar a aprendizagem. O papel da escola e do seu projeto educativo pode fazer a diferença, ou não, para ajudar o aluno a ultrapassar estes determinismos sociais”.

 

“Se as escolas trabalharem apenas para os alunos favorecidos, para os que podem pagar explicações, frequentar o teatro e viajar, uma parte muito importante da população escolar ficará arredada da aprendizagem, do sucesso escolar e até da probabilidade de prosseguir estudos, porque é sabido que a retenção gera retenção”, sublinha a presidente da associação de pais.

 

MELHORAR A REDE DE TRANSPORTES

 

Para o diretor do Agrupamento de Escolas de Mértola, a melhoria dos transportes escolares é essencial para aumentar o sucesso escolar no Baixo Alentejo. Por isso, Júlio Silva defende a “criação de uma rede de transportes que permita aos jovens frequentar aulas de reforço e consolidação, assim como a prática de desportos ou atividades extracurriculares”. É também necessário, sublinha, uma “estabilização das políticas educativas para que não acompanhem sistematicamente os ciclos políticos”, bem como a “dignificação do papel do docente e da escola na sociedade”. Júlio Silva defende ainda a criação de um pacote de medidas que “permitam a fixação de docentes e minimizem” a sua rotatividade por várias escolas, e lembra que seria “importante libertar os docentes e as estruturas das suas competências técnico-administrativas, para que canalizem todas as suas energias para o que é verdadeiramente importante numa escola: os alunos”.

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