Desde dia 18 de dezembro que o lar da Santa Casa da Misericórdia de Mértola tem estado a ser “assolado” por um surto de covid-19, com um número crescente de vítimas mortais: são já 19.
Texto Marta Louro
“Apesar de terem sido tomadas todas as medidas e adotados todos os planos de contingência, fomos surpreendidos. Este é o pior momento de toda a história da Santa Casa da Misericórdia de Mértola”, lamenta José Alberto Rosa, provedor da instituição. O responsável fala numa “situação muito delicada, principalmente para os utentes, porque são pessoas em idade avançada, com muitas patologias e com diversos problemas de saúde”, incluindo doenças crónicas.
“Infelizmente permitimos que o vírus entrasse na nossa instituição. O foco veio da comunidade, que continua, ao fim deste tempo, a ter cuidados insuficientes, principalmente por parte dos jovens, que encaram a pandemia como uma simples gripe”, acrescenta José Alberto Rosa, segundo o qual o novo coronavírus terá entrado no lar, provavelmente, “através de algum funcionário que, de forma involuntária, e sem saber que estava infetado, contaminou os utentes e os restantes colegas”.
A “situação está descontrolada” e, neste momento, o “grande problema é a escassez de recursos humanos, devido ao número elevado de funcionários infetados e/ou em isolamento”, sublinha o provedor da Misericórdia de Mértola, revelando que, forma voluntária, existem pessoas a trabalhar apesar de estarem infetadas com covid-19 e cumprindo “todas as medidas de precaução” determinadas pela Direção-Geral de Saúde. “É muito difícil saber o que falhou. Esta é uma situação que mexe com todos, e ninguém estava à espera que fosse tão grave. Apesar de tudo, e dentro do possível, os utentes e funcionários estão com um bom estado de espírito”, refere.
Ana Cristina Colaço, diretora técnica do Lar, é uma das funcionárias que mesmo estando infetada e, para já, sem sintomas, está a trabalhar, para “orientar e organizar” o dia-a-dia, porque os “recursos humanos são muito poucos”. Também por isso, a instituição vive dias difíceis: “São contextos muito complicados, pela maneira como está a acontecer. Nós temos um lar onde damos resposta a pessoas muito debilitadas, em idades avançadas e que precisam de cuidados muito precisos e personalizados. De um momento para o outro tudo deixa de ser como era”.
Desde que o surto começou, em meados de dezembro, “que tenho uma casa virada ao contrário”, diz Ana Cristina Colaço. “O domingo, dia 3 de janeiro, foi um dos dias mais tristes da minha vida: ver os doentes a ir para o hospital, outros a falecerem e a estarem longe das famílias, é algo mesmo muito complicado. Têm sido dias avassaladores”.
Questionada sobre a possível origem do foco, a diretora técnica esclarece que “foram sempre tomadas todas as medidas”, mas tendo em conta os casos de infeção pelo novo coronavírus que se verificam no concelho de Mértola, “não foi possível evitar” a entrada da covid-19 no lar. “Até porque o maior problema são os doentes assintomáticos. Os primeiros quatro colaboradores/ funcionários a testar positivo não tinham qualquer sintoma. Soubemos que estavam infetados, porque fazemos regularmente testes de despistagem”.
Segundo Ana Cristina Colaço, o lar está “mergulhado” num “ambiente de muita tristeza”, devido ao agravamento dos números da pandemia. “Sabemos que temos de enfrentar e de cuidar de quem cá está, mas nota-se uma grande tristeza, em todos os utentes e funcionários”.
“INIMIGO INVISÍVEL” Jorge Rosa, presidente da Câmara de Mértola, defende que o “principal problema é estarmos perante um inimigo invisível. Apesar de já se ter quase um ano de pandemia no país, ainda há muita coisa que se desconhece sobre o vírus. Por exemplo, sabemos que existem várias mutações, mas desconhecemos a amplitude das mesmas”.
No caso concreto de Mértola, sublinha o autarca, a situação esteve “controlada” durante vários meses. Mas quando o novo coronavírus entrou no lar da vila, a situação rapidamente se traduziu em dezenas de pessoas infetadas e num número crescente de vítimas mortais: “O surto acabou por se generalizar dentro do lar de uma forma quase total. Não esperava que os números fossem estes, pois estamos a falar de um universo de quase 100 por cento” de pessoas infetadas, entre utentes e funcionários.
O presidente da autarquia considera que as medidas, “que já eram rigorosas”, deveriam “ter sido ainda mais rigorosas, por forma a conter o surto, durante o primeiro conjunto de testes”. Na segunda ronda de testes “ainda se detetaram alguns casos positivos, mas sinceramente pensei que ficasse por aí, uma vez que existem regras e precauções que todos sabemos que temos de cumprir. A contaminação continuou a aumentar, e, neste momento vivemos uma situação muito dolorosa”, lamenta.
Alfredo André, padre na paróquia de Mértola, diz ao “DA” que o surto que está a atingir o lar “também está a afetar muitas famílias”, e até mesmo, a própria vida pastoral. “Antes do surto tínhamos uma média de 45 pessoas nas missas, agora infelizmente, com muita gente em isolamento profilático temos menos de dez fiéis. A população está a viver uma grande tristeza e dor. Todos os dias falo com as funcionárias do lar da Santa Casa da Misericórdia de Mértola, que são maioritariamente catequistas na paróquia. Apesar da situação, estão a levar o serviço com amor e esperança”.
CÂMARA CRIOU UM “HOSPITAL DE CAMPANHA” EM 48 HORAS
Num espaço de 48 horas, a Câmara de Mértola, criou no pavilhão desportivo municipal, uma zona de concentração e apoio à população no âmbito do combate à covid-19. O espaço tem capacidade para 72 quartos individuais, com condições de climatização, casas de banho adaptadas e sala para funcionários. Outra das medidas encontradas foi a “desinfeção total do edifício do lar”, para que “à medida que os utentes forem testando negativo possam regressar”. O município está a “tentar minimizar o impacto dos problemas, para que seja possível, nos próximos dias, ultrapassar esta gravíssima situação”.