Diário do Alentejo

"O potencial da ADPM não tem sido aproveitado"

07 de janeiro 2021 - 11:00
Jorge Revez, presidente da ADPMJorge Revez, presidente da ADPM

A Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM) celebra quatro décadas de existência. Um marco importante num caminho de aprendizagem constante e coletiva, de construção social, cultural e territorial, marcado pela inovação, sustentabilidade e projetos pioneiros na região... mas não só. A principal razão de queixa é que o "potencial que a associação apresenta e o conhecimento acumulado não têm sido, nos últimos anos, bem aproveitados no concelho".

 

Texto Rita Palma Nascimento

 

Inicialmente, lembra Jorge Revez, presidente da ADPM, a associação centrou a sua ação no trabalho de cariz etnográfico, numa altura em que Portugal, derrubada a ditadura, procurava "valorizar o património popular, comunitário e identitário". Nas décadas seguintes, prossegue, "as preocupações com o ambiente e a conservação da natureza, as áreas de cariz social e o desenvolvimento local foram integrando a agenda do país, com a sua entrada na União Europeia”. E a associação "sentiu necessidade" de uma intervenção mais transversal, adaptando e criando abordagens integradas de desenvolvimento sustentável, hoje consideradas de dimensão internacional.

 

A luta contra a eucaliptização no concelho de Mértola e a instituição do Parque Natural do Vale do Guadiana foram dois dos grandes projetos de visão estratégica para o território, desenvolvidos pela ADPM, que garantiram o posicionamento da associação em matéria de ambiente e conservação da natureza. “O Parque Natural do Vale do Guadiana foi das principais atividades por nós desenvolvidas e que demorou dez anos a ser concretizada, entre 1985 e 1995. São inúmeros os exemplos de fatores de desenvolvimento que Mértola conseguiu atrair, precisamente por integrar um parque natural”. Entre eles, Jorge Revez inclui a reintrodução do lince-ibérico.

 

Ao nível do desenvolvimento sustentável e comunitário, e fruto de uma experiência de 20 anos, a ADPM "desenvolveu a aprendizagem fundamental para se aventurar a trabalhar em países pouco desenvolvidos", como Moçambique, Cabo Verde ou São Tomé e Príncipe, mas também em Marrocos. É neste âmbito que se inserem intervenções ao nível do ensino superior (como a coordenação de um mestrado em economia e desenvolvimento rural, em Cabo Verde) ou no âmbito da cooperação: "Estamos há 20 anos em Monapo [Nampula, Moçambique], realizando um trabalho com parceiros locais, que mudou a face daquele território a vários níveis, não só na formação, capacitação e no associativismo, mas também na saúde, agricultura, nutrição, entre outros”, explica o presidente da ADPM.

 

Segundo Jorge Revez, uma ótica de “pensar global e agir local”, a associação entende “a multiculturalidade e a diversidade como bases para o desenvolvimento dos povos" e, por isso, considera ser “essencial que todos compreendamos que para além do ‘eu’ existe o ‘outro’, que para além da minha realidade existem outras realidades, na maioria das vezes bem mais duras. É preciso sair da nossa zona de conforto e perceber isso".

 

"A partir daí", prossegue, "a compreensão da raiz de muitos problemas tornar-se-á mais fácil, assim como o entendimento dos caminhos da solidariedade, do combate à pobreza extrema, do desenvolvimento e da paz. O desenvolvimento local só faz sentido se entendido de uma forma global e numa lógica universal”. E é nisso que a ADPM aposta, com o objetivo de “contribuir para o combate à pobreza, às desigualdades sociais, culturais e de género, construir parcerias e encontrar caminhos para o acesso à alimentação, à escola, aos Direitos Humanos, à dignidade humana”.

 

Completados 40 anos, o objetivo é prosseguir este trabalho: “Contribuir para o desenvolvimento de comunidades locais, capacitar homens e mulheres para que tenham ferramentas capazes de melhorar o bem-estar das suas famílias, jovens e crianças para que tenham igualdade de oportunidade de crescer em segurança e longe da pobreza. Continuaremos a desenvolver esforços nesse sentido nos países africanos de língua portuguesa. Mas é no Alentejo, e em Mértola, que manteremos o foco. É aqui que gostaríamos de dar o maior contributo".

 

De acordo com Jorge Revez, o "potencial que a associação apresenta e o conhecimento acumulado não têm sido, nos últimos anos, bem aproveitados no concelho" de Mértola, o que considera "lamentável": “Como não conseguíamos trabalho em Mértola ou no Alentejo tivemos de encontrar um caminho alternativo para aplicar a nossa experiência e conhecimentos ou a associação morreria”, disse ao "Público". Ao "DA", o presidente da ADPM lembra que estes territórios do interior "continuam, cada vez mais, a precisar que todos possam contribuir para o seu desenvolvimento. Excluir não deveria ser a prática nestes tempos. É também contra isso que continuaremos a trabalhar”.

 

ALGUNS PROJETOS

"No Crê: Água Para o Desenvolvimento Sustentável do Planalto Norte", em Cabo Verde, e "Nutrir e Crescer – Monapo em Progresso", em Moçambique, são dois dos projetos internacionais desenvolvidos pela ADPM. O primeiro visa levar água potável para consumo humano, agricultura e pecuária a uma região de 685 habitantes considerada das mais pobres do arquipélago. O segundo permitiu construir salas de aulas, remodelar unidades de saúde, abrir furos e construir depósitos de água, entre outras atividades. A nível nacional, um dos mais recentes projetos foi o “EducaLince”, financiado pelo Fundo Ambiental, que teve por objetivo informar, sensibilizar e educar a população para a importância dos ecossistemas e da biodiversidade pela riqueza que geram, mas também pelas suas funções sociais, culturais e ambientais, com particular ênfase para os territórios do lince ibérico.

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