Diário do Alentejo

Beja: Histórias de quem sobreviveu à covid-19

29 de outubro 2020 - 11:00

Com o Alentejo a registar quase 2500 casos de covid-19, e com três surtos ativos no Baixo Alentejo, todos eles ligados a lares de idosos, há também centenas de pessoas que já recuperaram da doença. Um médico, um serralheiro civil e uma empresária contam ao “DA” como “enfrentaram” o teste positivo ao novo coronavírus e como tentam retomar a vida normal.

 

Texto Marta Louro

 

“Sabia que mais cedo ou mais tarde ia ser infetado”. Médico a trabalhar em Beja, B. não esconde que tinha bem presente o receio de uma infeção pelo novo coronavírus. Afinal de contas, devido à sua profissão, tem diariamente contacto com muitos doentes, não sendo de descartar o risco de algum estar infetado com covid-19. “Apesar da utilização de meios de proteção individual, nem sempre é possível estar completamente protegido”. Em seu entender, sobretudo para quem trabalha em urgência ou emergência médica, “é impossível perder tempo a equipar quando está, por exemplo, uma criança muito mal a precisar de ajuda”.

 

“Quando comecei com sintomas da doença, como febre e cefaleia, entrei automaticamente em autoisolamento. Apesar da situação até tive sorte. Consegui saber o resultado do teste rápido ao fim de duas horas e, no dia seguinte, soube o resultado do teste normal, por zaragatoa. Ambos deram positivo”, explica. A partir daí foram 15 dias de recolhimento e isolamento total. O médico diz “ter tido a sorte” de – nos dias anteriores a sentir os sintomas – não ter estado perto dos filhos. “Não ter familiares por perto facilitou o isolamento”.

 

Os primeiros oito dias, segundo diz foram muito duros. “Os sintomas (febre alta, cefaleia, dores no corpo, perda de olfato e apetite) duraram oito dias, depois comecei a melhorar lentamente, e ao 12º dia já estava completamente assintomático”.

 

Depois de 14 dias “fechado em casa”, fez o “teste de negativação”, e começou a regressar à vida normal. Apesar de médico, nem por isso deixa de ser um “choque” receber um teste positivo à covid-19: “É muito complicado ficar duas semanas parado em casa. Apesar de ser saudável e sem nenhuma complicação de saúde, durante esses dias não sabia se ia ficar com sequelas. Há uma série de situações ‘à priori’ que causam bastante ansiedade”.

 

Passado este período, o médico diz ter tido “sorte” pois ao 14º dia de doença testou negativo à covid-19, o que não sucedeu com outras pessoas, obrigadas a ficar em casa mais de dois meses. “Receber o resultado negativo é um alívio e o fim de um processo”.

 

O profissional de saúde diz ter conhecimento de casos em que mesmo “depois do resultado negativo”, as pessoas à volta (do doente que esteve infetado) “continuam a sentir medo de se aproximarem. Isso é muito duro”. “Protejam-se e tenham cuidado. Não estamos em altura de facilitar. Os números estão a aumentar. Ao protegerem-se estão a proteger os outros”, aconselha.

 

Miguel Baltazar, de 31 anos, residente em Santa Luzia, no concelho de Ourique, também já esteve infetado com o novo coronavírus. É filho de uma funcionária do lar da Santa Casa da Misericórdia de Santa Luzia, que também ela testou positivo à covid-19. O surto que, entretanto, terminou, chegou a infetar mais de 40 pessoas, incluindo duas crianças de dois anos e 11 meses. Duas pessoas estiveram internadas nos cuidados intensivos do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.

 

Serralheiro civil, Miguel Baltazar não teve quaisquer sintomas “anormais”, apenas queixas que “de início associou à alergia” que sofre durante todo o ano. Após saber do resultado “teve autorização, por parte das entidades de saúde pública, para continuar a trabalhar, ainda que à porta fechada e limitado apenas ao percurso entre casa e o trabalho”.

 

Foi alvo de denúncias. “A GNR chegou a deslocar-se ao meu local de trabalho para verificar se estava tudo de acordo com as normas exigidas”. Os postos da GNR de Ourique, Odemira e Vilanova de Milfontes “estavam a par da situação”, salienta.

 

Joana, nome fictício não quer ser identificada porque não quer “que as pessoas” a “olhem de lado”. Dona de um café na cidade de Beja, “começou por sentir perda de paladar, tosse e dores no corpo”. Só quando a febre começou a subir é que se apercebeu que poderia estar doente com covid-19. “Liguei de imediato para a linha SNS 24, mandaram-me fazer o teste e confirmou-se”, explica.

 

A empresária diz não saber “nem onde, nem como” apanhou a infeção, e revela nunca ter precisado de se deslocar a um hospital ou centro de saúde, salvo apenas para realizar o teste. Ao fim de 14 dias repetiu o exame, e novamente, voltou a testar positivo. Nessa altura, também a filha de 14 anos, estava infetada. “Tivemos de ficar mais 10 dias em casa. Depois, como já não tínhamos sintomas, e segundo as novas normas da Direção-Geral de Saúde, pudemos sair e regressar à vida normal”. O regresso ao estabelecimento comercial que gere está para breve. “Espero que as pessoas não me olhem de lado e continuem a ir ao café”.

 

Outra realidade bem diferente é a de Catarina, solicitadora de 43 anos, natural da cidade de Beja, mas a viver em Lisboa. Esteve internada, com suspeita de pneumonia. Passou duas semanas na unidade de cuidados intensivos e cerca de um mês na enfermaria. O “pesadelo” explica Catarina, começou quando os pulmões começaram a fraquejar. “Nessa altura tive, realmente medo. Tinha medo de adormecer e já não acordar. O meu pensamento estava sempre no meu neto. O meu filho vai ser pai, este ano. Queria muito conhecer o menino. Eu que até nem sou uma pessoa muito crente, rezei muito e agarrei-me à fé. Se foi por isso ou não, certo é que comecei a melhorar a olhos vistos”.

 

Atualmente, já em casa e junto da família, recorda todos os episódios por que passou como “uma vitória e uma aprendizagem”. A solicitadora refere “não saber como apanhou a infeção” pelo novo coronavírus, garantindo que sempre teve “muito cuidado”, cumprindo as recomendações da DGS.

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