À pergunta se prefere a imprensa escrita ou a televisão, inicialmente diz que não consegue escolher. Mas, acaba por reconhecer: “Estou sentimentalmente muito agarrado às memórias dos jornais, que para mim continuam a ser a preto e branco, e ao clima com que se vivia a sua feitura. Dá-me uma certa nostalgia desse tempo”.
Como jornalista, passou por muitas redações de título desportivos, generalistas e culturais. Como escritor, publicou uma longa série de obras de ficção e contos. Na célebre “Crónica dos Bons Malandros”, o seu primeiro livro, conta o dia a dia dos elementos de uma quadrilha invulgar que recusava o uso de armas e tinha um chefe com o apelido de pacifista [Pedro Justiceiro, interpretado no cinema por Nicolau Breyner]. Ficou sempre marcado por essa obra, lançada em 1980, que quatro anos depois seria adaptada por Fernando Lopes ao grande écran. O segundo livro, “Histórias do Fim do Mundo”, é um enredo que se passa numa velha rua da cidade de Lisboa, forçada a desaparecer por causa de planos urbanísticos, e inscreve-se como uma narrativa cheia de sensibilidade e humor, marcada por uma grande originalidade do seu autor.
O título mais recente foi para as livrarias em novembro do ano passado e reúne um conjunto de contos que já tinham sido publicados. “Rodopio” foi uma “ideia do editor”, comenta Mário Zambujal, confessando não gostar de rótulos: “O jornalismo é uma profissão e escritor não é... quero escrever livros que as pessoas apreciem.”
“MÁQUINA FANTÁSTICA”
O que mais inspira Mário Zambujal quando escreve ficção são as pessoas, “essa máquina fantástica inimitável que é o ser humano, absolutamente único, com todos os seus sentimentos contraditórios e com todas as suas paixões”, define. “Nos meus romances, o que eu retrato ou caricaturo – porque muitas vezes são caricaturas, personagens com alguma comicidade que são transportadas por histórias mais ou menos difíceis de acontecer, mas não impossíveis – é inspirado nesse ser que não é superável por nenhuma máquina do mundo. Não há nada que se possa comparar a esta coisa maravilhosa, ao mesmo tempo fascinante e amarga, que é o comportamento dos seres humanos”.
Neste momento não está a escrever nenhum romance. Não se sente inspirado? “Tenho estado muito preguiçoso, porque está muito calor. Vou ver o que é que acontece, se me consigo livrar desta pasmaceira”, responde, com alguma esperança que isso aconteça.
Casado, pai de dois filhos [a filha, Isabel Zambujal, é autora de literatura infanto-juvenil] e avô de uma neta, Mário Zambujal é também o atual presidente do Clube de Jornalistas. Está no lugar há 12 anos, e há alguns que pede para se fazer a assembleia-geral de substituição… sem ser ouvido, conta. “Finalmente, parece que vai acontecer em breve”. Argumenta que 2não faz sentido permanecer no cargo, porque não tem a mesma disponibilidade que tinha e já não conhece quase ninguém nas redações.
Com uma longa carreira na escrita, chegou-lhe o reconhecimento em forma de comendas. Em 1984, foi designado Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Mais tarde, em junho de 2016, foi distinguido pelo seu percurso como jornalista e escritor com a Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Lisboa e pela editora Clube do Autor.
Diz que a primeira condecoração teve sabor a carinho. “Foi uma forma de me tratarem bem, de reconhecimento pelo que tenho feito e, portanto, sensibilizou-me. Mas não me deu nenhuma espécie de vaidade nem presunção. Foi uma coisa bonita que me aconteceu, mais nada”. A sua vida também tem sido bonita em muito aspetos, pessoal e profissionalmente – neste último campo, reconhece-a muito movimentada e preenchida. E se não sente a felicidade “plena” é porque ele não existe, “já que a felicidade não depende só do que nos acontece a nós, mas também do que acontece às pessoas de quem gostamos, sejam familiares ou amigos”.
Há anos, numa entrevista, Mário Zambujal admitia que o que lhe dava mais prazer era fazer, em cada momento, aquilo que lhe apetece. Talvez por isso, mantenha o vício de continuar a fumar. “Faço-o há 70 anos, pois tenho a impressão que comecei com 13 ou 14 anos. Acho péssimo! Recomendo sempre às pessoas que não sigam o meu exemplo, mas continuo, embora às vezes pense em abrandar. Estou tão habituado a isto, até ao clique do isqueiro, ao gesto de acender o cigarro… é todo uma mecânica que está enraizada a mim”.
“BEJA NÃO PODE FICAR PARA TRÁS”
Mário Zambujal descreve o Alentejo, “no seu todo, “como um território muito bonito, com uma diversidade enorme, desde a costa à raia, com mar e campinas, encantos especiais”, e muitas possibilidades de desenvolvimento através do turismo e do ecoturismo. É também por isso que a região, que nos últimos meses vem atraindo mais portugueses, já aliciou alguns dos seus amigos “que compraram uma casinha” por aquelas aldeias e vilas e cidades, “inclusivamente em Moura”.
No entanto, admite que tem estranhado “a estagnação e o retrocesso de Beja”, que não compreende bem, visto tratar-se de “uma cidade historicamente importante, com imensas coisas maravilhosas” e grandes potencialidades. “Quando se fez o aeroporto pensei que isso ia servir para uma alavancagem importante, mas não a vi mexer. E até tem tido algumas inexplicáveis paragens no desenvolvimento”. Acredita, ainda assim, que é uma situação temporária. “Há de chegar o tempo, e não tardará, em que Beja progride. Como, aliás, aconteceu com Évora, que também teve um tempo assim e, depois, evoluiu. Beja não pode ficar para trás”.