Diário do Alentejo

Gonçalo: A luta contra uma doença desconhecida

20 de agosto 2020 - 10:00

Gonçalo Cordeiro nasceu em janeiro de 2018 com uma deficiência que os médicos ainda não conseguem explicar. "Não temos um diagnóstico", diz a mãe, Rute Caleiro. Para a família, o ritmo dos dias é marcado por consultas médicas, exames e terapias que custam milhares de euros e para as quais a ajuda do Estado é manifestamente insuficiente.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

É através de uma página de Facebook que, todos os dias, Rute Caleiro conta as angústias, mas também as pequenas vitórias, da luta incansável que tem travado ao longo dos últimos 31 meses, desde o nascimento do filho, Gonçalo Cordeiro, no hospital de Beja. “Passado todo este tempo, o Gonçalinho não tem um diagnóstico, o que torna tudo muito mais difícil em termos de terapêutica. Pensa-se que tenha um tipo de paralisia que só lhe afeta a parte físico-motora e a parte do maxilar, porque a nível cognitivo aparenta estar tudo bem".

 

Nesta fase, o filho faz terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapia e hipoterapia, tudo no setor privado. São cerca de 800 euros mensais, pagos a partir de um orçamento familiar onde só o pai trabalha e de onde têm de sair a prestação da casa, as despesas correntes e o pagamento da creche do irmão, Benjamim. “Torna-se tudo muito difícil de gerir. Neste momento, estamos a tentar que o Gonçalo entre numa creche para eu poder regressar ao trabalho”.

 

Os apoios recebidos cingem-se a duas horas, por semana, de terapias integradas na intervenção precoce; na ajuda à terceira pessoa - 200 euros mensais pagos pela Segurança Social e num apoio da Cáritas Diocesana de Beja para medicação e terapias. A que se somam os esforços dos pais... da venda de pulseirinhas à divulgação do caso em programa de televisão, passando por uma conta bancária solidária, aberta aos "donativos monetários" de quem não fica indiferente à história da família.

GRAVIDEZ DE RISCO

Tudo começou em 2017, com uma gravidez de risco. Para Rute Caleiro, foram sete meses em casa, longe do trabalho que gostava e com o coração atormentado pela memória de um aborto recente. Os exames médicos diziam que tudo estava a evoluir bem e, aos cinco meses, contrariaram a crença dos pais... Rute e o marido acreditavam que iriam ser pais de uma menina, mas o destino trocou-lhes as voltas: afinal, era um rapaz que se preparava para vir ao mundo.

 

A 2 de janeiro de 2018, com 39 semanas de gravidez, lembra a mãe, tudo se precipitou: "Senti que algo não estava bem. Estava ansiosa e preocupada, e só me apetecia chorar”. No hospital de Beja o diagnóstico é claro: o bebé revelava uma frequência cardíaca preocupante, o que torna imperiosa a realização de uma cesariana. Gonçalo nasceu nesse mesmo dia, sendo de imediato levado para o serviço de neonatologia.

 

Poucas horas depois, na sequência de uma convulsão, é transferido para o hospital de D. Estefânia, em Lisboa, com um prognóstico muito reservado e com poucas probabilidades de sobreviver, de acordo com a opinião médica. "Foi uma dor horrível. Fiquei ali, sozinha... e o meu bebé a ser levado”.

 

Ressonâncias magnéticas e eletroencefalogramas nada revelaram. Mas o tónus muscular apresentava uma rigidez anormal. Uma punção lombar identificou a falta de vitaminas essenciais para o desenvolvimento e mobilidade. E faltava uma explicação para as descidas de saturação de oxigénio e de frequência cardíaca que aconteciam constantemente e que o deixava com uma tonalidade cinzenta.

 

Só passados cinco meses é que teve alta médica. Foi o fim de uma etapa e o começo de muitas outras, onde se incluíram diversos internamentos, em resultado de infeções provocadas pela acumulação de saliva, e uma paragem cardiorespiratória que o obrigou a utilizar, todas as noites, um modo ventilatório não invasivo, um respirador mecânico utilizado no tratamento de doenças pulmonares conhecido como BiPap.

 

TRATAMENTOS DE REABILITAÇÃO

Rute Caleiro diz que a partir desse momento, depois de o filho "ter melhorado bastante da parte respiratória", surgiu a necessidade de se avançarem com tratamento de reabilitação. "O Gonçalo, com dois anos, não se senta, não anda, não fala e não come pela boca". Foi-lhe "desenhado" um programa adaptado às suas necessidades específicas - "uma nova esperança" - que incluiu um tratamento intensivo numa clínica em Lisboa, com um custo superior a cinco mil euros e sem qualquer comparticipação por parte do Serviço Nacional de Saúde. “O ideal é que este tipo de tratamento seja repetido a cada três ou seis meses, dependendo sempre da criança e da sua condição após o final de cada um deles,” refere a mãe.

 

O primeiro ciclo de tratamentos decorreu em julho. E com resultados positivos. "Conseguiu adquirir mais flexibilidade, muito importante para uma próxima fase no gatinhar. Conseguiu ainda estar sentado sozinho com o apoio dos braços. Adquiriu mais força nos braços e no controlo cefálico. Como é óbvio, queríamos muito mais, mas tem de ser ao ritmo dele e de acordo com as suas capacidades. Melhorou muito no que diz respeito aos cuidados diários, ou seja, a rotina. Tem completa noção do que é para fazer e isso refletiu-se no trabalho que foi feito pela terapeuta da fala. Aprendeu a distinguir as cores e as partes do corpo”.

 

Agora seguem-se terapias de manutenção, realizadas em Beja, que incluem fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional e hipoterapia. Para outubro, em Braga, está agendado o segundo tratamento intensivo que se irá prolongar durante um mês, sete horas por dia, cinco dias por semana, também ele com um custo superior a cinco mil euros.

 

Para fazer frente às despesas deste segundo tratamento, a família está a desenvolver várias iniciativas. “Estamos a apostar na venda das pulseirinhas, que estão disponíveis na ourivesaria Miranda, em Beja e Castro verde, e também temos à venda no Algarve e connosco. Estamos a tentar organizar uma caminhada para o final de setembro e a apostar no sorteio de cabazes recheados com artigos que nos são oferecidos. E a conta bancária continua ativa para donativos monetários”.

No léxico familiar, a palavra proibida é apenas uma: desistir. "Sabemos que ele irá conseguir sentar-se sozinho, gatinhar e, mais tarde, conseguir andar. Por vezes chega a casa muito cansado, mas ainda com energia para brincar com os seus brinquedos e sempre com um sorriso no rosto. Sim, porque não existe um dia em que, mesmo cansado, mesmo tendo realizado um esforço enorme, ele não esteja sempre a sorrir", refere a mãe.

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