Diário do Alentejo

“Para atrair gente para o interior é necessária dinâmica"

19 de junho 2020 - 12:00

O Ministério da Coesão Territorial aposta na promoção dos produtos endógenos, nas empresas e na cooperação transfronteiriça para fixar pessoas e tornar os territórios do interior mais competitivos. O objetivo final é a criação de emprego mais qualificado e melhor remunerado sustentado no sistema científico e tecnológico.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Em entrevista ao "Diário do Alentejo", a secretária de Estado da Valorização do Interior, Isabel Ferreira, diz que digitalização pode ter um papel fundamental nesse objetivo – como se está a observar no contexto da pandemia. Os fundos comunitários são “muito importantes para a coesão territorial e para a valorização do interior”, mas apenas se apoiarem estratégias “integradas dos territórios, das autarquias, das empresas, das instituições de ensino superior” para que os benefícios perdurem. E além disso, acrescenta, para atrair gente para o interior "é necessário que haja dinâmica comercial, cultural, portanto, é preciso completar os territórios com todas essas estratégias”.

 

A política de revalorização do interior foi, recentemente, renovada e assenta em quatro eixos fundamentais: produtos endógenos e a capacidade empresarial; cooperação transfronteiriça; fixar pessoas e captar investimento; e tornar os territórios mais competitivos. Como é que é que estes propósitos podem resolver o problema de décadas da desertificação do Alentejo, em geral, e do Baixo Alentejo, em particular?

O programa é complexo mas, ao mesmo tempo, é fundamental em termos de valorização do interior. O empenho do Governo nesse objetivo é, rigorosamente, o mesmo. Conseguimos, ainda antes da pandemia, fazer a sua revisão no sentido de organizar esses eixos e associar-lhes instrumentos que permitam operacionalizá-lo. Para além de continuar a contar com a participação e empenho dos diferentes ministérios tem, agora, a grande mais-valia de o Ministério da Coesão Territorial ter alocado uma série de instrumentos próprios, sobretudo financeiros.

Foto: Canal EmeFoto: Canal Eme

Isso tem a ver, essencialmente, com a antecipação e comparticipação dos fundos a 100 por cento para programas que visam a recuperação de centros históricos ou a regeneração urbana…

Sim, mas gostava de lhe explicar melhor o Programa de Valorização do Interior, porque esses programas que refere são da competência do ministério do Desenvolvimento Regional. O nosso objetivo último é tornar os territórios mais competitivos. Para isso organizámos as nossas medidas numa série de subprogramas (+Coeso) e, dentro deste eixo (+Emprego e Competitividade), que já está aberto e disponível para apoiar os atores que consideramos mais relevantes na dinamização dos territórios: as empresas e as entidades do sistema científico e tecnológico.

 

E porquê?

Porque são as instituições que têm a capacidade para criar emprego. Todas as nossas políticas terminam sempre nesse objetivo: criar emprego, porque só assim conseguimos tornar os territórios mais competitivos, atrair e fixar pessoas. Portanto, temos uma série de apoios complementares à inovação produtiva por parte das empresas; ao empreendedorismo qualificado; à contratação de recursos humanos altamente qualificados; e, também, à investigação e investimento tecnológico e estes apoios estão abertos até ao final do ano para que as diferentes entidades possam recorrer quando sentirem que necessitam desses instrumentos para definir as suas estratégias. E mesmo outros instrumentos que acabámos de desenvolver no [âmbito do ministério] e no contexto da crise da covid-19 – primeiro a mitigação e, agora, a retoma - são apoios que têm sempre uma dotação financeira específica para o interior, o que considero uma grande mudança.

 

A propósito da aposta na ciência e tecnologia. Volta e meia, fala-se no cluster aeronáutico do Alentejo que integra Beja, Évora e Ponte de Sôr. O aeroporto de Beja, que nos últimos tempos deu provas de ser uma alternativa e multifacetada (acolheu aviões quando a Portela estava superlotada; foi a pista escolhida para receber um avião em risco de se despenhar; é a base nacional do maior avião do mundo, tem espaço de expansão), mas a autoestrada não chega lá. Como é que se podem potenciar infraestruturas de base científica e tecnológica sem acessibilidades à altura?

Sem dúvida que as acessibilidades são muito importantes, sobretudo nos territórios do interior. Não sendo matéria deste ministério, nós acompanhamos, como deve imaginar, com todo o gosto e estamos sempre a par daquilo que realmente pode ser importante…

 

Já para não falar na “cooperação transfronteiriça”, o que no caso do Baixo Alentejo passa pela ligação de Sines à fronteira com Espanha através da A26, via que até integra a Rede Transeuropeia de Transportes…

O Governo tem o Plano Nacional de Investimentos (PNI) onde estão inscritas todas as ligações que consideramos prioritárias.

E esta não está…

Algumas estão e outras não. Não puderam ser todas inscritas. Aquilo que está comprometido no PNI é aquilo que irá avançar. Mas voltando aos projetos, e falando do Alentejo: eu percebo o que quer dizer – e pode estar certo de que estamos bem conscientes dessa situação – existem territórios do interior com capacidade instalada, têm tecido empresarial, têm entidades do sistema científico e tecnológico que é possível alavancar com projetos mais ambiciosos, embora ainda precisem de consolidação, e estamos conscientes que são territórios mais frágeis e mais vulneráveis onde ainda não existe essa capacidade. Por isso mesmo, dentro dessa medida dos territórios mais competitivos, temos a questão da proximidade e os projetos integrados que consideramos transversais e muito importantes para o desenvolvimento desses territórios e que é desejável capacitá-los com algumas infraestruturas. Nesta revisão do PVI muitos dos projetos integrados são no Alentejo, por exemplo, a estação da biodiversidade, associada a Mértola. Criámos este instrumento para permitir tratar os territórios de forma diferente. Neste caso poderemos abrir apoios dirigidos a esse tipo de territórios.

 

Alqueva demorou décadas para ser uma realidade. Agora é uma mais-valia, não só para a região, mas para todo o País…

E é um dos exemplos que trouxe grande competitividade ao território.

 

Como é que se explica que a A26 ou a religação de Beja à Funcheira, que permitiria criar uma redundância estratégica à ligação entre Lisboa e o Algarve, estejam foram do PNI?

Eu conheço bem a realidade desses territórios – Trás-os-Montes tem números, eventualmente, mais dramáticos do que o Baixo Alentejo - mas a questão das acessibilidades tem a ver com a baixa procura. Eram ligações muito pouco utilizadas e, portanto, tem de haver aqui um compromisso entre a sustentabilidade dos investimentos e a capacidade da sua utilização e garantir uma justa qualidade de vida à população. Mas não podemos deixar de fazer esse raciocínio e foi o que acabou por acontecer. O despovoamento é uma questão transversal a toda a Europa…

 

Essa é a tal questão da “pescadinha de rabo na boca”: as pessoas saem dos territórios porque não têm condições, e as condições são cada vez menos porque as pessoas deixaram de lá estar…

Sim, é verdade…

 

Nas últimas décadas fecharam escolas, serviços públicos, centros de saúde, postos da GNR e CTT, juntas de freguesia. Numa entrevista recente o representante da Ordem dos Médicos em Beja disse que mais importante do que questões remuneratórias é a falta de condições no território e as fracas acessibilidades o que torna tão difícil contratar este tipo de profissionais para a região.

Neste caso estamos a refletir segundo os seguintes critérios. Uma coisa é o despovoamento, outra coisa é a diminuição da densidade populacional que é transversal ao País. É verdade que fecharam esses serviços, mas criaram-se nesses territórios outras dinâmicas: empresas, o Instituto Politécnico de Beja.   

E o contexto da covid-19 não poderá prejudicar os politécnicos que tem uma grande percentagem de alunos estrangeiros?

Não tenho a certeza absoluta disso. Conheço bem essa dinâmica, muitos ficaram, depende dos países. Por exemplo, os africanos ficaram, os brasileiros ficaram. É preciso criar dinâmicas para que esses estudantes se mantenham – muitos deles recorriam a certos trabalhos que deixaram de estar disponíveis, nomeadamente no verão, no Algarve, para ganhar dinheiro o que lhes permitiria manterem-se durante o resto do ano. Por outro lado acho que, quer Portugal, quer o Alentejo, em particular, vão ser atrativos pela perceção de segurança que se criou.

 

E isso é seguro do ponto de vista da saúde pública?

Pois, é a tal “pescadinha de rabo na boca”, é verdade. Toda a gente quer atrair mais pessoas, mas isso traz consigo algumas desvantagens. É muito importante a questão da sustentabilidade dos serviços e dos custos. O mundo evoluiu. Antigamente havia imensas agências bancárias e hoje não existem, a digitalização permite às pessoas fazerem tudo com os computadores. É uma evolução a nível mundial que temos de acompanhar. Custa mais a algumas gerações do que a outras, mas temos de acompanhar. Mas há outra coisa que temos de acompanhar: os fundos comunitários, muito importantes para a coesão territorial e para a valorização do interior, não seguem uma lógica subsidiária, porque isso não traz nada aos territórios e não permite ter estratégias a longo prazo. Os fundos comunitários apoiam estratégias integradas dos territórios, das autarquias, das empresas, das instituições de ensino superior, precisamente, para que elas possam capacitar o território e permanecer ao longo do tempo. Portanto, temos de desmistificar [essa ideia] um bocadinho, porque ainda há muitas pessoas do interior que ficam à espera do subsídio que cai eternamente e isso não é possível.

 

Temos de aproveitar todas estas dinâmicas digitais, mas também as dos transportes flexíveis, da saúde mais próxima, da telemedicina, para compensar alguns serviços que não existem e garantir que as pessoas estão próximas daquilo que precisam. Porque, é óbvio, para atrair gente para um território é necessário que haja dinâmica comercial, cultural e, portanto, é preciso completar os territórios com todas essas estratégias.

Voltando às estratégias e aos projetos integrados…

Muitos são no Alentejo e iremos apoiar com certeza nos próximos anos as questões da proximidade, o transporte flexível no interior, os serviços públicos mais próximos, a cultura mais próxima. Mas no que diz respeito aos serviços existe a ilusão de que se os transferirmos para o interior isso vai fazer a diferença, vai criar imensos postos de trabalho e já não é bem assim. Aquilo que cria postos de trabalho é, de facto, a dinâmica empresarial

 

E o contexto criado pela covid-19 veio alterar alguma coisa?

A covid-19 pode aumentar o número de desempregados, mas uma coisa são as políticas de combate ao desemprego e outra são as políticas de criação de emprego altamente qualificado. E são essas as que nós queremos para o interior. É uma visão mais micro. Com estes fundos comunitários não vamos conseguir combater o desemprego na sua totalidade, mas [vamos] conseguir criar dinâmicas de emprego altamente qualificado, melhor remunerado, que permite trazer outra dinâmica às economias locais e pessoas mais capacitadas para fazer a diferença. Vimos que, neste contexto de crise, as empresas recorreram aos instrumentos que disponibilizámos e isso mostra que estão preparadas para reagir rapidamente, claro que com muitas dificuldades, mas do ponto de vista estratégico mostraram estar à altura.

 

Mas também existe a necessidade de muita mão de obra não qualificada. Em algumas aldeias e vilas do Baixo Alentejo as comunidades migrantes, sobretudo do subcontinente asiático, já são mais do que os locais. Isso vai mudar a demografia na região?

Esse fenómeno verifica-se em vários pontos do País, não é só em Beja. Repare numa coisa se os alunos estrangeiros do politécnico quisessem ficar era ótimo, haja emprego para essas pessoas que tenho a certeza que eles querem ficar. Por isso é importante criar dinâmicas de empreendedorismo. O número total de habitantes de Portugal é o que é. Se a nossa estratégia tiver de passar ou, dito de outra forma, se tivermos a capacidade de atrair estrangeiros é excelente. Claro que o País tem de estar preparado para novas dinâmicas e para nos adaptarmos socialmente e culturalmente. Eu vivo em Bragança, que neste momento é uma cidade multicultural e isso, depois, reflete-se, por exemplo, nas festas.

E aqui falamos da agricultura e da valorização dos recursos endógenos…

Esse eixo tem sempre de ser associado à capacidade empresarial. Não chega, mais uma vez, para as políticas de criação de emprego – que são sempre o nosso foco – valorizar os recursos endógenos sem ter toda uma estratégia de valor completa, que vá desde o produtor até ao consumidor, incluindo a indústria. Este período excecional alertou-nos [ainda] mais para estratégias de inovação na cadeia agroalimentar. E o Alentejo foi o exemplo de imensos programas associados às cadeias curtas de distribuição, em que se tentou colocar, rapidamente, os produtos no consumidor e apelar ao consumo de produtos em fresco de elevada qualidade. Mas neste eixo cabem também as dinâmicas do ambiente (o interior tem muitas áreas protegidas); e o turismo, com quem trabalhamos com muita proximidade e que achamos uma oportunidade para os territórios do interior.

 

E este ano ainda mais …

Já havia. Mesmo à escala europeia o mercado virou-se para o turismo de natureza e em territórios de menor densidade populacional, mais calmo. Em Portugal já havia essa dinâmica, pode é ser uma oportunidade para o turista nacional conhecer melhor o País.

 

Nos últimos meses assistiu-se à “fuga” de muitas pessoas das cidades do litoral para o interior onde continuaram a trabalhar. Isto pode ser uma oportunidade?

Tanto é uma oportunidade que já estava inscrito no programa de valorização do interior antes da covid-19. Estamos a preparar um programa, que iremos anunciar em breve, em conjunto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em particular para as comunidades portuguesas de apoio à captação de investimento. Para além disso, as políticas do +Coeso Emprego vai apoiar a contratação de recursos humanos a 100 por cento e dentro do +Coesos Benefícios, para além dos benefícios fiscais para empresas e famílias, também constava a aposta no teletrabalho que para nós uma estratégia muito importante.

 

Para a cooperação transfronteiriça, volto a insistir, a conclusão da A26 não seria importante?

Eu concordo inteiramente consigo: A autoestrada de Bragança, que é um território que conheço bem, fez uma grande diferença. Sem dúvida. Mas, não sendo matéria deste ministério, não me devo pronunciar. Estamos completamente solidários com o facto de que tudo o que seja melhorar as acessibilidades torna os territórios mais competitivos. Mas a eletrificação da Linha do Alentejo entre Casa Branca e Beja está prevista no PNI.

 

Para 2030…

Tudo depende da maturidade dos projetos dentro do que está inscrito e é importante estar inscrito, porque o que não está inscrito não vai acontecer a tão breve prazo. O estar inscrito é o reconhecimento de que é uma prioridade. Tem a ver com o tempo europeu e a organização dos programas europeus.

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