Diário do Alentejo

“Há imigrantes a passar fome no Baixo Alentejo”

05 de junho 2020 - 11:25

Entrevista com Alberto Matos, presidente da delegação de Beja da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Os últimos números conhecidos apontam para a existência de mais de dez mil imigrantes registados no Baixo Alentejo. Mas o número de “ilegais” será muito maior. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o presidente da delegação de Beja da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes, diz que alguns “permanecem confinados em montes, praticamente sequestrados por engajadores sem escrúpulos, sem contratos, sem descontos para a Segurança Social e, por vezes, quase sem salários”.

 

Qual a proveniência destes imigrantes?

Cerca de 50 por cento destes imigrantes são de origem asiática: Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh ou Tailândia. Há também uma fortíssima presença de imigrantes oriundos da África Ocidental, de países como o Senegal, a Guiné-Bissau, a  Serra Leoa ou a Nigéria e que no concelho de Beja será mesmo maioritária, até porque alguns trabalham na construção civil. Atividade onde encontramos também imigrantes de Cabo Verde, Angola e Moçambique. Do norte de África também os há, mas em menor número, oriundos de países como Marrocos, Argélia ou Tunísia. Temos ainda um número significativo de imigrantes do leste europeu: Ucrânia, Roménia e Moldávia.

 

Sabe-se de que forma chegam ao Alentejo?

Do leste europeu, que constituiu a grande vaga de imigração na primeira década do século XXI, continuam a chegar por via terrestre, em carrinhas ou de autocarros. Entre os meses de outubro a março chegam a Beja, semanalmente, em autocarros de matrícula moldava, regressando ao seu país ao fim de um ou dois meses por não aguentarem as condições duríssimas de trabalho e de habitação. Os oriundos dos países asiáticos chegam à Europa por via aérea, às vezes chamados por amigos ou familiares que os acolhem

 

E de África?

A grande epopeia é mesmo a africana, sobretudo no caso das pessoas oriundos da África Ocidental. Como os vistos para entrar legalmente no espaço Schengen são caros e morosos, arriscam a morte (em média 25 por cento perde a vida) atravessando o deserto e o Mediterrâneo: do Senegal para as Canárias, de Marrocos para o sul de Espanha, da Líbia para Itália. Há quem salte os muros de Ceuta e Melilla e quem escave túneis para chegar a solo europeu. São verdadeiros sobreviventes: muitos tentaram esta rota por duas ou três vezes, pelo caminho foram feitos escravos ou prisioneiros, mas não desistiram. Preferem enfrentar a morte de olhos abertos do que encarar a família ou a aldeia… venderam terras e gados para investir tudo nesta viagem rumo ao sonho europeu

 

Presumo que ao domínio da língua seja, desde logo, uma grande barreira à sua integração.

Grande parte dos imigrantes, além das línguas maternas, fala inglês ou francês. A aprendizagem do português é fundamental e por isso temos encaminhado muitos associados para a Escola Secundária D. Manuel I que tem, anualmente, cursos de língua portuguesa com dezenas de imigrantes. Na nossa sede têm funcionado, informalmente, aulas de língua materna (ucraniano e russo) para filhos de imigrantes.

 

Têm alguma escolaridade?

A maioria terá frequência do ensino básico, uma parte significativa tem o ensino secundário e, sobretudo entre os asiáticos, encontramos graus de licenciatura e mestrado. Apesar disso estavam desempregados nos países de origem.

 

Que tipo de trabalho encontram?

A esmagadora maioria trabalha em campanhas agrícolas sazonais. No olival intensivo e superintensivo, com apanha de azeitona de outubro a fevereiro, podendo prolongar-se com a plantação de novas áreas de regadio. Trabalham também no amendoal, nas framboesas, morangos e outros frutos vermelhos, sobretudo em regime de estufas e no concelho de Odemira, na apanha do melão e nas vindimas. Na construção civil também trabalham imigrantes do Brasil, mas estes têm uma presença maioritária na hotelaria, com destaque para as mulheres, sendo este o setor que mais se ressentiu no período de confinamento e que mais sofre os efeitos do desemprego, até porque a maioria destes postos de trabalho são extremamente precários.

 

E que tipo de condições encontram?

Alguns permanecem confinados em montes, praticamente sequestrados por engajadores sem escrúpulos, sem contratos, sem descontos para a Segurança Social e, por vezes, quase sem salários, pois tudo lhes é descontado: desde os transportes em carrinhas superlotadas até ao alojamento em casas miseráveis. Raros são os agricultores que empregam e alojam diretamente estes trabalhadores. A esmagadora maioria é contratada por empresas de trabalho temporário ou prestadoras de serviços constituídas na hora, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, e que podem desaparecer sem deixar rasto.

 

A precariedade é enorme?

Sim, estas empresas alugam mão-de-obra ao dia, à hora ou à tarefa – daí a extrema precaridade – e alojam estes trabalhadores em contentores ou em casas sobrelotadas. Há casos de 15 ou 20 pessoas por divisão, em que as empresas cobram entre 50 a 140 euros por cabeça. Neste negócio, entre o que cobram aos imigrantes e renda que pagam ao senhorio, há margens de lucro de 200 a 300 por cento. No fim da campanha, há quem não pague a renda nem os salários do último mês. Conhecemos casos de imigrantes abandonados e a passar fome em aldeias dos concelhos de Serpa, Beja, Ferreira do Alentejo e Aljustrel. A crise da covid-19 e alguma retração na atividade agrícola atrasaram a deslocação destes grupos de trabalhadores sazonais para o Algarve, para a zona de Odemira ou para o Ribatejo, no final da campanha da azeitona.

 

De que forma a pandemia agravou os problemas?

Devido às más condições e ao grande número de pessoas a morar em espaços diminutos, estes imigrantes são, naturalmente, um grupo de risco. No sul do País, em Tavira, registaram-se casos de contaminação com covid-19 num grupo de cerca de 20 imigrantes que partiu de Serpa no princípio de março. Em Odemira, obrigaram algumas dezenas de pessoas a permanecer de quarentena no pavilhão da Escola de São Teotónio. As autoridades de saúde e os seus profissionais estão atentos, mas os meios de que dispõem, incluindo testes, são diminutos.

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